Performance e Saúde admin 10 de março de 2015 (0) (228)

Sub 2 horas nos 42 km?

O brasileiro Ronaldo da Costa foi o primeiro corredor a bater o recorde mundial de maratona em Berlim, em 1998. Depois, o mundo parece ter acordado para a "magia" da capital alemã, palco cinco anos e três recordes depois, da vitória do queniano Paul Tergat em 2:04:55, diminuindo a marca anterior em 43 segundos. Desde então foram cinco recordes mundiais em onze edições subsequentes da Maratona de Berlim. Por que sempre lá?
Primeiro, as condições da prova: o percurso é plano e a temperatura é quase perfeita na maior parte das vezes. Em segundo, o nível dos corredores convidados para a prova e que recebem altos cachês por aparição, reduzindo em muito as provas pelo mundo que contam com condições financeiras e climáticas para atrair tentativas de recordes.
Entretanto, existem outros lugares no mundo que reúnem corredores do mesmo nível em temperaturas semelhantes. Porém, é aqui que entra o terceiro fator responsável pelo sucesso: é bem possível que, acima de tudo, Berlim seja um típico caso de profecia autorrealizável. O público sai às ruas para torcer porque sabe que pode estar diante de um evento histórico, contribuindo para a atmosfera do evento; e os corredores colocam a prova no centro de seu treinamento, participando em busca do recorde e não apenas tentando bater os oponentes, o que permite um estado mental mais favorável durante a competição.
Mas até onde essa sequência de recordes vai? As quebras nos últimos anos têm ocorrido por diferenças muito pequenas e que quando expressas ao longo de toda a maratona representam uma diferença insignificante de ritmo. Nas últimas cinco vezes em que o recorde da maratona foi quebrado, por exemplo, o ritmo médio caiu entre 0.4 e 0.7 segundos por quilômetro a cada nova quebra, o que pode levar ao pensamento de que se está muito próximo de uma barreira absoluta.
Claro que ao longo dos quilômetros e dos diferentes recordes esta diferença se acumula, e desde a marca de Ronaldo da Costa o ritmo médio já caiu 6.8 segundos por quilômetro. Mas existem outros motivos por trás destas sempre pequenas mudanças de marcas: se os corredores ganham um prêmio a cada vez que batem o recorde mundial, não faz sentido econômico bater o recorde por uma diferença muito grande. O caso mais famoso foi do saltador com vara ucraniano Sergei Bubka, que por 35 vezes fez a marca mundial, recebendo sempre grande soma de dinheiro a cada feito.
Além disso, o corredor que tentar melhorar a marca por uma diferença muito grande corre o sério risco de quebrar pelo caminho, ficar fora do pódio e não embolsar premiação alguma, o que também não faz sentido do ponto de vista econômico. Assim, levando em conta a frequência com que o recorde tem sido batido e desconsiderando a diferença de tempo entre cada marca como um fator crucial, possivelmente ainda exista alguma "sobra" nos tempos atuais da maratona. A próxima pergunta é quanto os tempos ainda podem baixar, e se irão chegar a sub 2 horas.

OUTROS SERES HUMANOS. Kenenisa Bekele, atual recordista mundial dos 10 km e tido por muitos como melhor candidato para a primeira maratona sub-2h, disse em uma recente entrevista que não acredita que os seres humanos de hoje sejam capazes de tal feito. Se isso for verdade, onde é que fica o teto entre o recorde atual e a marca mágica de 1:59:59?
Uma maneira de encarar esta pergunta é se basear nos recordes das distâncias menores para predizer o tempo da maratona, e ver onde o recorde atual se situa na escala. O gráfico mostra os recordes atuais masculinos entre as os 10 e os 25 km (distância em metros, na vertical, e tempo em segundos, na horizontal). O ponto em verde representa o recorde atual da maratona, e o em vermelho seria o ponto extrapolado da reta feita a partir dos recordes dos 10-25 km. O que isso significa? O ponto verde (recorde atual) está levemente abaixo da curva, o que implica em estar um "abaixo" do padrão das demais distâncias. Com base nesta extrapolação o recorde pode cair até a marca de 2:01:06 sem a necessidade de "novos seres humanos".
Esta predição é apenas um exercício matemático, e não leva em conta uma porção de fatores que poderiam afetar os resultados. De qualquer forma, é sabido que existe uma profunda relação entre as performances de diferentes distâncias, de forma que a conta não pode estar muito longe da verdade. Por exemplo, é fácil perceber que uma pessoa que corre 19:50 em seu melhor 5 km não conseguirá correr os 10 km em sub 40 minutos, e o mesmo raciocínio pode ser aplicado à maratona sub 2h00.
Assim, é possível testar qual o nível de performance necessário em provas como os 5 ou 10 km para estar "apto" a fazer a maratona sub 2h00, o que nos dá uma idéia mais precisa da dificuldade da tarefa em função da menor duração destes eventos. Diversos autores já tentaram calcular estes números e o resultado, razoavelmente unânime, é que este corredor precisaria estar à esquerda da linha do nosso gráfico em todos os pontos, ou seja, teria que bater praticamente todos os recordes dos 5 km em diante, por uma margem considerável, para estar dentro do mesmo padrão de proporcionalidade entre as provas mais curtas e a maratona. Ou, como disse Bekele, pode ser que este futuro corredor seja apenas de uma nova geração de seres humanos.

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