Releitura Redação 30 de novembro de 2020 (0) (184)

Retome os treinos sem (muito) sofrimento

TUDO EM CIMA – por Marina Gomes – Fevereiro 2011

 Motivação e paciência são as estratégias para quem ficou um tempo parado e agora vai voltar a correr

As desculpas e justificativas são as mais variadas: lesão, chuvas, quantidade de compromissos ou, o que é mais corriqueiro, a relaxada com as férias de janeiro. O ponto em comum de todas elas, no entanto, é a dificuldade em voltar a treinar. Afinal, é inevitável o sentimento de frustração ao lembrar a quantidade de quilômetros rodados e as conquistas anteriores quando a respiração começa a ficar difícil já no trote de aquecimento. Não é fácil, claro, e infelizmente cada semana a mais parado, aumenta a fatura de forma desproporcional.

Mas saiba que nada está perdido e é possível sim retomar os treinos sem muito sacrifício. Ou seja, você em breve voltará ao patamar em que parou, mas para isso precisará de paciência e determinação.

Para não se sentir tão culpado (e até se animar), saiba que atletas de elite também relaxam. Não necessariamente no fim de ano ou férias de janeiro, mas param, e por um tempo razoável. “No caso do Vanderlei Cordeiro de Lima, a interrupção acontece em outubro, dura de duas a três semanas e é extremamente necessária. Não é uma parada total e ele continua correndo um pouco, mas o intuito é exatamente o de cair a forma, baixar o nível, para que possa retornar de um nível mais baixo e conseguir ir além do patamar que estava antes”, explica Ricardo D´Angelo, treinador do atleta.

No caso de Marilson Gomes dos Santos a parada é um pouco mais breve. “É um descanso ativo de 10 a 15 dias por volta de outubro ou novembro, dependendo de ele participar da Maratona de Nova York ou não. Em ano de Olimpíadas paramos em setembro. O objetivo é ‘quebrar a forma’ mesmo”, conta Adauto Domingues, que orienta o tricampeão da São Silvestre.

Mas será que até Marilson sofre como nós, corredores normais, para voltar? “Não, porque tudo é feito gradualmente. Quando está no auge ele faz entre 12-13 sessões por semana. Na volta o ritmo vai aumentando aos poucos para não sentir, e são de 9-10 sessões semanais. Não é pesado no início. Ele vai subindo os degraus aos poucos”, comenta Adauto.

Um dissertação de mestrado a ser defendida ainda este mês na Unicamp mostra que um período de destreinamento de até quatro semanas pode ser interessante para atletas de elite, pois acarretaria perdas mínimas para o desempenho, sejam nas características cardiorrespiratórias para fundistas ou neuromusculares (velocidade, força e altura de saltos) para velocistas.

 

Estratégias para tornar a volta menos dura

A primeira e mais importante recomendação é sugerida pelo técnico Adauto Domingues. As palavras-chave dessa fase devem ser cautela e progressão. O importante não é o que você deixou de fazer, mas como vai encarar a volta e trabalhar firme em seus propósitos de corrida até o fim do ano.

“Há duas situações mais comuns: aqueles que treinaram muito forte durante todo o ano e por isto devem ter uma folga, e aqueles que devido a outros motivos, como compromissos ou férias, acabam deixando o treino em segundo plano. Todo corredor deveria ficar entre 10-12 dias sem correr, período importante para recuperação muscular, psicológica e assim retornar mais animado e disposto. Mais tempo do que isso é problemático. Há um conflito, pois sua cabeça ainda entende o velho ritmo como natural, mas com o destreinamento o corpo não responde como antes”, diz o treinador Marcos Paulo Reis.

Ele sugere que quem ficou um tempo muito grande sem treinar (mais de 20-25 dias) retome os treinos com cerca de 50% do volume habitual e progressivamente vá voltando à antiga forma física. “Um aumento em torno de 10% a cada semana seria interessante e no final de 4-6 semanas o corredor já se sentirá mais leve para rodar. Claro que o tempo de treino anterior, o passado esportivo e o período de inatividade estão diretamente ligados ao retorno. Aqueles corredores habituados a correr 10 km próximo a 60 minutos deveriam retornar com 35 a 40 minutos de trote leve, evitando sempre as séries de velocidades, que deverão ser empregadas no momento correto. Com uma progressão lenta o atleta não sofrerá tanto com a parte psicológica  e evitará os riscos de uma lesão por sobrecarga”, completa Marcos Paulo.

 

Ele sugere para as primeiras duas semanas de treino de um corredor de até 10km**:

  Segunda-feira Quarta-feira Sábado
1ª semana 35 min. LEVE 40 min. LEVE 35 min. LEVE
2a semana 40 min. LEVE 45 min. LEVE 40 min. SENDO: 3 min. LEVE – 2 min. MODERADO

**Os corredores acostumados a maiores distâncias como 15k ou meia maratona, já tem uma base melhor e podem iniciar os treinos na segunda semana do quadro acima, mas respeitando a progressão semana a semana.

 

Caso a caso

“Reiniciar é sempre mais difícil do que dar continuidade, ainda que em marcha lenta. As conquistas para a saúde vão se perdendo a partir da primeira semana de inatividade. Já as adaptações aeróbias se mantêm por mais tempo, mas as locais se perdem rápido. E quanto mais tempo parado, mais difícil fica”, alerta o treinador carioca Joaquim Ferrari.

A maior parte dos corredores não chega a ficar tanto tempo parado, a não ser que seja por lesão. Para a turma dos que deram só uma relaxada, qual a diferença entre quem ficou 2, 3 ou 4 semanas parado? “Costumo dizer aos alunos que o condicionamento físico é ingrato, pois dá muito trabalho para adquirir e perder é desproporcionalmente mais rápido. É claro que temos uma memória fisiológica que nos dá certo conforto para retornar aos treinos, porém quanto maior o tempo sem treino, menor é a memória”, conta o treinador Émerson Vilela, pós graduado em treinamento desportivo.

“Planeje sua volta. Comece com aproximadamente 50 a 60% do volume e intensidade na qual parou. Se tiver um bom condicionamento físico, em duas semanas já vai recuperar seu ritmo e volume. Se ficou muito tempo parado, um mês, por exemplo, as dificuldades serão maiores e, portanto, deve aumentar a readaptação para três semanas”, conta.

Para voltar com segurança, Vilela sugere a seguinte tabela, conforme seu tempo de “férias”, lembrando que se a parada foi por lesão, a tabela não vale, pois a volta será ainda mais gradual.

 

Semanas paradas volta aos treinos: volume / intensidade
  semana 1 semana 2 semana 3 semana 4
2 60% 70 a 80% 90 a 100%
3 50% 60% 80% 90 a 100%
4 40% 50% 60 a 70% 80 a 90%

 

 

Mente focada

Se fisicamente a corrida está sendo difícil, é a cabeça que precisa estar forte para manter a determinação do treino. Rodrigo Scialfa Falcão, da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte dá as dicas:

 

Para quem relaxou por causa das férias:

= A melhor maneira de se motivar é ter autoconhecimento, reconhecer os sentimentos e emoções que a corrida traz. Revise os aspectos positivos e negativos do esporte em sua vida. Perceba que as motivações mudam com o tempo, conforme os objetivos vão sendo alcançados.

= Estabeleça metas viáveis e baseadas no seu condicionamento hoje, e não do passado.

= Faça como lhe agrada mais. Se não gosta de correr em tal local, mas sempre o escolhe por ser o mais próximo da casa ou trabalho, tente variar só nessa primeira semana.

= Nesse recomeço pode ser interessante ter companhia para a corrida.

= Estabeleça metas de curto prazo. Escreva seus objetivos para os próximos 15 dias, leia diariamente antes do treino e tente executá-los.

= Estabeleça metas de médio prazo. Escreva seus objetivos para os próximos 30 dias, como perder um pouco de peso, melhorar a condição física ou chegar o mais próximo possível da condição ideal, no ritmo que estava antes. Coloque em um local que olhe com frequência, como tela do computador ou mesa do trabalho.

= Pense positivamente mesmo diante das dificuldades iniciais, algo como “estou fazendo o correto”. Foque sua atenção no treino que está realizando, no momento que está vivendo, e evite pensar como estará nos próximos meses. É mais produtivo controlar as variáveis do presente, pois o futuro depende das ações de agora.

= Evite o estresse e a ansiedade. Você não está mais correndo 15 km no ritmo que fazia antes? Sequer consegue completar os 10 km? Não se compare. Lembre-se que o principal objetivo da atividade física é o prazer, a satisfação, e não deve ser mais um desencadeador de estresse e ansiedade. Não se culpe caso não consiga atingir algum objetivo estabelecido. Reveja suas metas de médio prazo e veja se está fazendo tudo de forma gradual, pois o passo anterior necessita ser conquistado para passar ao passo seguinte.

 

Para quem está retornando de lesão:

=Estabeleça as rotinas de treino recomendadas e inicie com moderação. Em muitos casos, uma corrida de 3 km é uma grande vitória

=Evite cobranças por resultados imediatos. Cobrança gera angústia, sentimento negativo que pode ter como consequência estresse e ansiedade, tudo o que você, definitivamente, não precisa. Não seja tão rígido caso os resultados não surjam no tempo em que previu. Alegre-se com seus progressos, ainda que pequenos. Você logo estará na antiga forma.

=Controle o medo. Como esperado, é o sentimento mais forte em quem volta de uma lesão. Visualize sua performance antes da lesão, recorde suas capacidades e habilidades. Isso ajudará a fortalecer a autoconfiança.

=Sessões de relaxamento são importantes. Incorpore à rotina momentos de relaxamento muscular e meditação. Isso possibilita aliviar as tensões e auxilia no equilíbrio do sistema imunológico.

 

Depoimentos:

“Comecei a treinar regularmente no final de 2007. Interrompi em 2010, quando treinei muito pouco, pois foi um ano em que tive de concluir trabalhos que extrapolavam os horários normais. Os treinos, antes de seis vezes por semana, passaram a ser feitos quando possível, de forma bastante irregular, mas voltar a correr nunca deixou de estar no meu horizonte. Praticava a corrida há mais de cinco anos e não passava pela minha cabeça trocar por outra modalidade. Voltei para a equipe em janeiro deste ano. Acredito que o retorno é mais fácil para quem é autenticamente impulsionado pelo prazer do esporte. A volta está sendo sem imediatismo, com volume e intensidade reduzidos, mas satisfeito por ter voltado a treinar regularmente. Quando está difícil e lembro do que já havia feito antes, penso ‘é o que temos por hoje’ ou ‘é esse treino banal que me ajudará a correr a próxima maratona’. É preciso ter bom humor e fazer da corrida motivo de alegria, além de encarar as coisas de maneira mais recreativa. O importante para mim agora é manter o treinamento constante. Por ser músico, conheço muito bem o benefício do ‘estudo’ diário”, relata o carioca Pedro Hasselmann Novaes, 37 anos, que antes de parar havia feito a Maratona do Rio em 2009. Sua meta agora é melhorar o tempo dos 10 km.

 

“Geralmente encerro minha temporada na Maratona de Curitiba. Fico parado um mês inteiro, voltando às vésperas do Natal. Posso até participar de uma ou outra corrida em dezembro, mas a ideia é a de me desligar totalmente. É uma parada planejada. Mais que a questão de o corpo pedir, é uma questão de saturação mesmo, depois de tanta dedicação. E após um bom descanso, volto com ‘fome de corrida’. De 2008 para 2009 descansei bem, não tive problemas no retorno e subi pela primeira vez ao pódio, na Super Maratona de Rio Grande, em fevereiro. De 2009 para 2010 não tive este período de descanso, pois viajei com amigos para correr algumas provas nos EUA, como as maratonas da Disney e a de Miami. Após o retorno acabei ficando praticamente dois meses sem treinar. Não deu muito certo. Foi um ano de altos e baixos, com muita dificuldade de controlar meu peso. Embora tenha participado de todas as maratonas brasileiras, passei longe da minha meta, uma sub-4h em solo brasileiro. Retornar após um tempo parado sempre tem lá suas dificuldades, mas basta um pouco de paciência. No meu caso, as transmissões de Ekiden, corrida de revezamento japonesa que assisto na TV a cabo, também é fonte de motivação”, conta Carlos Hideaki Fujinaga, 30 anos, de São Paulo, que costuma fazer mais de 40 provas anualmente e que em dezembro preferiu usar sua “fórmula” já consagrada de encerrar as atividades e descansar durante um mês.

 

“Comecei a correr em 2009 para perder peso. Tenho 1,84 m e pesava 98 kg. Abandonei definitivamente o cigarro e reduzi o álcool drasticamente. Correr virou um outro vício. Em meados de 2010 tive que parar algumas vezes devido a uma antiga lesão no tornozelo direito Em novembro um ortopedista me orientou a fazer exames, pois suspeitava de fratura por estresse, já que eu sentia muitas dores na base da tíbia. Fiz o exame mas descartou-se a hipótese. Nessas idas e vindas fiquei até dezembro parado. No dia 15 de dezembro sofri uma entorse grau 2 no tornozelo esquerdo, treinando na grama molhada. Foi bem grave e até janeiro tinha edemas e um pouco de sensibilidade. No fim de janeiro o médico me liberou para trotes de 2 km, no máximo. Voltei na esteira, alternando bicicleta com corrida. Estou ainda bastante duro, parece que perdi o movimento natural e engordei três quilos. Estou cauteloso nesse retorno, pois quero um 2011 livre de lesões! No meu auge fechei 10 km em 44 minutos, estava muito focado. Em 2011 pretendo estrear em maratona e correr mais meias, onde tenho 1h41”, exalta Diego Magyar Rabelo, do Rio de Janeiro.

 

Se estiver pensando em parar neste mês, siga estas dicas:

Aproveite para tentar praticar outra atividade, mas não pare totalmente. Pedalar ou nadar são ótimas escolhas. Faça alguma atividade, mesmo que leve, três vezes por semana.

Se dê no máximo duas semanas de descanso.

Cuidado com a alimentação. Seu corpo demora para entender que o gasto calórico está menor e a tendência é engordar mais fácil nesse período.

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