Sem categoria admin 10 de março de 2015 (0) (112)

Muitas e boas dicas de médicos corredores

Conhecer o corpo e saber quais os seus limites é indispensável para se treinar, evoluir e correr os menores riscos possíveis de lesões. Mas como um corredor pode saber exatamente, por exemplo, qual o limite entre as dores do esforço físico, que desaparecem após um ou dois dias de descanso, e as que podem ser sinal de uma lesão que está por vir. Os médicos corredores levam uma grande vantagem em relação a isso, já que eles conseguem entender o corpo mais do que ninguém.
Christiana Prado, médica do esporte e integrante da Equipe Márcia Ferreira, encontrou na combinação medicina e corridas uma forma de controlar uma doença grave. Descobriu que praticando esporte é mais fácil manter-se bem e também que tratar – prevenindo ou remediando – corredores é menos complicado do que pacientes sedentários.
"Depois que comecei a correr passei a estudar a fundo as modificações que ele causa no corpo humano, no físico e no psicológico, e descobri uma potente arma de tratamento. Tratar alguém que corre é tratar uma pessoa que tem objetivos, tem foco, e que entende que há uma sequência de fatos a serem seguidos para se alcançar a linha de chegada. É um paciente que compreende o tratamento. Ser médica corredora tem mudado diariamente minha vida e com isso influenciado no meu trabalho e na minha própria recuperação e de muitos pacientes, no caminho de uma vida melhor".
Para descobrir e entender o que os médicos corredores podem passar a seus pacientes e amigos, fomos atrás de alguns deles, que contaram que tipo de percepções a combinação medicina-corrida lhes proporciona.

CUIDADO COM A VISÃO. Não é segredo que a corrida traz muitos benefícios a quem a pratica. Mas será que os corredores conhecem todos ou boa parte deles? Como, por exemplo, que a prática regular de corrida reduz o perigo tanto da catarata quanto de degeneração macular? Pois foi o que publicou a revista americana "Investigative Ophthalmology and Visual Science" sobre as duas principais causas de cegueira do mundo. Este estudo acompanhou quase 30 mil atletas durante mais de sete anos.
Os cientistas focaram o impacto do esporte sobre a catarata em homens que corriam 64 km por semana – ou 9 km por dia. Esses apresentaram um risco 35% menor de ter a doença do que os que corriam somente 16 km por semana, ou pouco mais de 2 km por dia. A investigação também concluiu que aqueles com melhor aptidão cardiorrespiratória tiveram risco significativamente menor de ter catarata.
"Para os cientistas, o recado da descoberta é claro: o homem tem um organismo feito para se manter em movimento. O sedentarismo contribui para doenças como diabetes e hipertensão, que provocam doenças oculares. Por outro lado, o uso de óculos é importante para a prevenção de delas, em dias ensolarados ou não, porque nos dias sem sol as radiações solares também nos agridem. O corredor deve sempre usar óculos esportivos para sol com lentes que bloqueiem os raios UVA e UVB, um tipo de radiação que pode provocar catarata e outras lesões oculares. As lentes mais modernas absorvem mais de 80% da luz solar", explica o médico Ronaldo Arino, lembrando que o uso de óculos pelo corredor apresenta outras vantagens, desde que sejam de boa qualidade e próprios para prática esportiva.
Como bom corredor, Arino não abre mão do uso de óculos e relaciona outros benefícios: quando bem adaptado ao rosto do corredor evita que o suor caia nos olhos, causando desconforto durante a corrida; a proteção provocada por eles em dias de ventos fortes é importante, por evitar que corpos estranhos agridam os olhos; em corridas de trilhas os óculos são uma segurança contra ferimentos provocados por galhos de árvores.

MEIA-MARATONA ÀS 13 H. Você correria uma meia-maratona com largada às 13 h e sensação térmica de 48 graus? À primeira vista pode parecer insano, mas para os triatletas isso não chega a ser novidade. Que o diga o médico Fabrício Braga, que recentemente participou de um meio ironman (1,9 km de natação, 90 km de ciclismo e 21 km de corrida). Com a percepção de médico e a experiência desta prova, Fabrício chegou a algumas conclusões.
"A largada foi às 9h30 e depois da natação e do ciclismo, saí para correr a meia maratona por volta das 13 h, num dia de muito sol. Minha bicicleta, que possui um sensor de temperatura, ficou exposta ao sol durante o tempo que eu estava correndo. A temperatura na bicicleta parada chegou a incríveis 48°C. Para evitar essa elevação certamente letal da minha temperatura corporal, meu corpo lançou mão do suor, seu principal mecanismo de controle de calor", conta o médico.
Mas Fabrício lembra que o suor sozinho não seria suficiente para evitar um superaquecimento corporal. Nessa hora, segundo ele, é fundamental que o corredor ajude seu corpo a se resfriar, em dias muito quentes. Em cada posto de hidratação, além de se hidratar, é importante refrescar a cabeça e a nuca, região onde passam grandes vasos sangüíneos.
"Em corridas de rua, vejo pouca gente fazendo isso, talvez por receio de ficar molhado ou encharcar o tênis. Bobagem. Resfriar o corpo é muito importante. Com um pouco de cuidado você pode se refrescar e manter o tênis seco, mas mesmo que não consiga, tente resfriar o corpo o máximo possível", recomenda o triatleta, lembrando que também é importante aproveitar as sombras no percurso.
Superaquecimento (insolação) é uma causa comum de abandono e necessidade de atendimento médico durante provas que durem mais de 2 horas, sobretudo em temperaturas acima de 28°C, muito comuns em nosso país. Mesmo quem completa a prova e negligencia o resfriamento corporal pode sentir-se mal depois da chegada, podendo ter febre, que nessa condição chamamos de hipertermia, vômitos e mal estar geral. Se o que se perde no suor não for reposto, além de problemas inerentes a deficiência dessas substâncias (água, sódio e potássio principalmente), a temperatura corporal sobe, pois a capacidade de transpirar diminui.
"Nessa prova me hidratei bem, refresquei o corpo em todos os postos, jogando copos de água sobre a cabeça e corri sempre que pude pela sombra. Apesar das condições adversas de temperatura, fiz a minha melhor corrida em provas de meio ironman. Converso muito sobre isso com meus pacientes corredores. Vejo muita preocupação com melhora de performance, mas pouca curiosidade sobre como o corpo se comporta durante o exercício. Meses de treinamento podem sucumbir em meia hora de calor excessivo sem resfriamento corporal e hidratação", completa o médico.

TREINAR O CORPO INTEIRO. Nem só de corrida são feitos os treinos de um corredor. Mesmo a contragosto, para se ter uma evolução da performance todo corredor precisa se submeter a um reforço muscular, de acordo com a prova-alvo e com a genética de cada um. Para um médico corredor ou vice-versa não chega a ser difícil entender isso. Até porque suas percepções do corpo durante uma prova são mais intensas o que as de um corredor não médico.
Clea Colombo admite que sua formação a faz ter uma percepção maior dos limites que seu corpo pode tolerar. Ela garante que conhecer a maneira como o coração e os músculos respondem aos estímulos facilita treinar de maneira adequada e intervir para que consiga melhorar seu desempenho.
"Recentemente, treinando para a Maratona do Rio, pude perceber como, depois de um tempo muito prolongado de corrida, o meu corpo passava a recrutar cada músculo possível para manter um exercício satisfatório. Senti que precisava também de abdome e costas para correr. Isso é importante para entender que quando resolvemos praticar atividades físicas mais intensas devemos treinar o corpo todo, pois quando uma parte fadigar vai chamar outra, e se esta não responder bem, vai sobrecarregar outra, o que gera lesões e até a incapacidade de continuar o exercício", conta a médica, que em oito anos passou de caminhante a corredora, com quatro maratonas no currículo.
Mas a evolução não foi tão simples e a médica se viu às voltas com lesões e interrupções de treinos. Com formação em cardiologia, Clea resolveu estudar mais sobre o que se passava com seu corpo durante a corrida. Especializou-se em fisiologia do exercício e medicina esportiva.
"O aumento rápido na quilometragem de treino e periodização errada renderam lesões de tendões, sobrecarga de articulações e interrupção de treinos. Aí comecei a descobrir uma diferença básica: só quem pratica exercício regularmente é capaz de entender a cabeça e os sintomas do outro. Digo isso porque muitos colegas médicos que não fazem qualquer atividade física são incapazes de compreender a essência do problema dos esportistas que os procuram com alguma queixa e até mesmo de interpretar adequadamente as adaptações normais que acontecem no organismo deles", comenta a médica.
A vantagem do médico corredor é que ele sabe que mesmo as coisas mais simples precisam ser feitas na hora e na dosagem correta, como a reposição de carboidratos, água e eletrólitos. "Temos conhecimento dessa necessidade até quando nos sentimos bem e, nesse sentido, conseguimos antecipar os sintomas de uma desidratação ou carência de alguma substância", avalia Clea.

ANALGÉSICOS E ANTIIFLAMATÓRIOS. Que descanso também é treino, você, que corre há algum tempo, já deve saber. Mas você respeita seu corpo e dá a ele o descanso necessário? Ou prefere combater a dor ou mesmo preveni-las usando antiinflamatórios e analgésicos? Lucas Porfírio é acadêmico de Medicina e já consegue ter uma noção diferente do que acontece com o nosso corpo durante os períodos de treinamento e repouso. Também já sabe que performance a qualquer custo traz prejuízos em longo prazo.
"Uma situação comum atualmente é o uso excessivo e incorreto de antiinflamatórios e analgésicos pelos corredores. O emprego de medicamentos como o Ibuprofeno está completamente difundido, principalmente em atletas de endurance. Ingerir esses medicamentos eventualmente não tem problema, porém o uso já está tão banalizado que há atletas que fazem uso deles quase que diariamente, sendo que os efeitos colaterais são graves – gastrointestinais e hepáticos, principalmente. Usados desta forma tem efeito mais placebo do que fisiológico. Pode-se substituí-los por outras medidas analgésicas, como massagens, aplicação de gelo e repouso".
Lucas garante que tem outra visão do corpo e que tira proveito disso para melhorar sua performance, sem colocar o corpo em risco. "Agora tem sido mais fácil perceber a linha tênue entre a dor do esforço físico elevado e aquela capaz de provocar lesão. A maioria dos corredores só aprende isso depois de sofrer alguma mais grave."

GASTO DE ENERGIA. Uma das teorias de quem estuda e pratica a corrida de rua – treinadores, médicos, atletas etc – é de que quanto menos energia você gastar desnecessariamente, mais você poderá gastar na corrida própria dita. Isso inclui o gesto esportivo e toda a atmosfera que envolve treinos e provas. O neurocirurgião Anselmo Teixeira tem mais de 40 maratonas no currículo, outras dezenas de competições de triatlo e incontáveis provas de 10 km. Para conseguir completar as mais longas com um mínimo de conforto aprendeu que durante os exercícios o organismo tem que estar em perfeito equilíbrio. Sistemas nervoso, cardiorrespiratório e musculoesquelético devem estar em harmonia. Isso depende de treinamento, mas também do comportamento do corredor.
"Durante treinos e provas, quanto menos movimentos desnecessários você fizer, o seu gasto de energia e de glicose será menor e o seu rendimento será melhor. Não se deve fazer gestos desnecessários durante as corridas. Você gasta energia que poderá lhe fazer falta numa determinada fase da competição", diz o médico, que só começou a participar de maratonas após 20 anos de corrida.
Segundo ele, concentrar-se naquilo que se está fazendo é essencial para um bom resultado. Isso vem com o tempo, com as experiências de anos de corrida e atividade física. Anselmo garante que é possível conciliar concentração e relaxamento. "O corredor deve procurar manter sempre o ritmo de quilômetro em quilômetro, com passadas firmes e constantes. Não precisa movimentar muito os braços na corrida. E quanto mais concentrado e relaxado estiver, melhor será o seu rendimento."

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