Performance e Saúde admin 10 de março de 2015 (0) (96)

Eles acreditaram e fizeram uma maratona

Rosa Damásio completou 40 anos com um prognóstico nada favorável. Sedentária, com várias tentativas frustradas de iniciar uma atividade física, foi diagnosticada em maio de 2013 com diabetes e altas taxas de colesterol. Assustada, iniciou caminhadas na hora do almoço, a única disponível em sua agenda. Por sugestão de uma amiga, ingressou numa assessoria de corrida e, por incrível que pareça, um ano depois completou sua primeira maratona.
Mas os leitores vão se perguntar como Rosa, que em julho do ano passado não conseguia correr um minuto sem parar, pesava 80 kg e tinha um IMC (Índice de Massa Corporal) superior a 33, estava na linha de chegada da Maratona Caixa do Rio de Janeiro 2014 sem ter sequer corrido uma prova de 15 km ou 21 km.
Rosa não estava sozinha nesse desafio. Com ela, os corredores Fernanda Jannuzzi, Gisele Baiense, Luis Carlos Silva e Jackeline Mendes, todos iniciantes ou irregulares na corrida de rua, deram partida ao projeto do treinador Nirley Braz, da Equipe X, em Brasília. Intitulado #euvoufazer42k, o projeto consistiu em 64 sessões de treino – cinco semanais -, com longos divididos aos sábados e domingos, sendo o volume máximo de 28 km.
"A ideia surgiu depois da minha participação no Desafio do Pateta, na Disney (prova na qual os atletas correm uma meia-maratona no sábado e uma maratona no dia seguinte), quando observei várias pessoas que, digamos, não teriam condições de completar uma maratona, conseguirem fechar os 42 km. O foco principal foi manter as pessoas treinando de forma assídua para alcançarem algumas qualidades físicas, como resistência, força e metabolização de gordura. A maratona contém o agente motivador e o volume de treinamento necessário para isso", explica.
Nirley não esqueceu os treinos funcionais preparatórios para a corrida, os quais, segundo ele, garantiram a força necessária ao sistema muscular para evitar lesões no grupo. Mesmo assim, ele relata que houve algumas entre os mais afoitos, como uma na panturrilha durante um tiro curto, um princípio de canelite e uma dor no quadril devido à biomecânica dos joelhos geno valgos. Todas tratadas e acompanhadas durante os exercícios. Testes de ventilometria garantiram a condição cardíaca dos participantes, e exames de percentual de gordura por bioimpedância animavam os corredores com a perda gradual de peso. Todos foram acompanhados por nutricionista.
"Provamos que qualquer pessoa com o acompanhamento adequado – de treinamento, nutricional e médico – pode fazer uma maratona sem passar por dezenas de disputas de 5, 10 e 21 km. Mas durante as 64 sessões de treinamento o grupo vivenciou o equivalente a essa experiência. No entanto, o foco foi outro: concluir a prova de forma satisfatória e segura", afirma Nirley. O grupo concluiu a distância entre 5h e 5h40.

O PODER DA MOTIVAÇÃO – Fernanda Jannuzzi, aos 30 anos, era mais novata ainda na corrida de rua que Rosa. Em outubro do ano passado, ingressou na Equipe X e conta que treinava apenas uma hora, duas vezes por semana. O desafio de correr 42 km lhe foi proposto como uma diversão e oportunidade de "curtir a paisagem". Sem preocupação com performance, não pensou duas vezes. "Nirley nos disse que era possível, sim, fazer 42 km e eu acreditei. Adoro desafios!", relata. Com uma filha de dois anos, Fernanda confessa que não fez todos os 64 treinos, mas com a ajuda dos novos amigos na corrida enfrentou sol, chuva e frio para encarar sua primeira maratona.
A professora Gisele Baiense, 41 anos, ingressou na corrida um mês depois de Fernanda, apenas para ganhar condicionamento físico e perder peso. Logo foi cooptada para o projeto. "Quando Nirley lançou o desafio dos 42 km, prontamente aceitei, mas muitos diziam ser loucura, que eu não conseguiria, que iria quebrar nos primeiros 10 km. Mas se o treinador acreditou no meu potencial, por que eu não faria o mesmo? Com todos em desfavor, mergulhei profundamente nessa aventura", narra a corredora.
Luis Carlos Silva, 47 anos, sedentário confesso, já apresentava problemas de saúde quando começou a correr há apenas um ano. "Eu tinha vontade de experimentar uma maratona, mas nem de longe tinha como meta correr uma agora. Achava que faria depois de muitos anos de experiência. Só me forcei a fazer alguma atividade física porque estava com indicadores de saúde bastante ruins, inclusive colesterol muito alto e, segundo meu médico, teria que tomar remédio para o resto da vida. Não me conformei com aquele diagnóstico e resolvi procurar uma atividade física que me desse prazer. Entrei no grupo de corrida e depois de seis meses suspendi a medicação. Meus indicadores de saúde voltaram ao normal, melhores do que quando tomava remédio", relata.
Para Luis Carlos, o sentimento de pertencer a uma família que encontrou na corrida o motivou a encarar o desafio. "Comentei que treinaria, mas não tinha condições de fazer a maratona. Levei uma bronca do treinador. Ele falou que eu podia sim e, que se fosse apenas para treinar, eu não deveria participar para não desestimular os demais. Aquilo feriu meus brios. Então respondi que faria e foi assim que tudo começou."
A quinta integrante do projeto, Jackeline Mendes, 44 anos, já tinha no currículo algumas provas de 5 e 10 km, porém sua motivação maior foi a perda de peso. Foram 15 kg a menos com os treinos. "Ganhei autoestima, alegria e vontade de fazer a prova. A última semana foi muito difícil em função da minha ansiedade", recorda a corredora, que confessa ter ficado insegura em alguns momentos e teve que vencer o medo de não conseguir completar o desafio.
Segundo Nirley Braz, a principal dificuldade enfrentada por ele no projeto foi manter o grupo motivado. "O problema era quando pessoas alheias ao processo do treinamento físico, os incrédulos, incitavam que participar de uma maratona era loucura, que não era saudável. Muitos citavam o próprio exemplo de sofrimento e angústia nos 42 km. Mas digo: nenhuma competição é impossível com treino adequado", garante. Vencidas as resistências iniciais, era hora de cumprir a planilha e realizar a prova.

EMOÇÃO À FLOR DA PELE – Além do treinamento em si, os professores da Equipe X e os maratonistas mais experientes do grupo orientaram os corredores a como se comportar numa maratona. Afinal, os cinco eram praticamente inexperientes em largadas, manutenção do ritmo, reposição e hidratação antes e após a prova e até em relação ao que vestir na corrida. Os cinco largaram juntos, acompanhados pelo professor e maratonista Eduardo Teixeira, que ficou com os mais lentos ao longo do percurso. Nos últimos 12 km, Nirley se juntou ao pelotão da frente. No km 35, os alunos que já haviam completado a meia-maratona deram apoio com alimentos salgados e repositores energéticos. Sem relatos de cãibras ou estafas, os cinco mais recentes maratonistas da Equipe X cruzaram a linha de chegada em total euforia.
"Assim que cruzei a linha de chegada, só chorei e chorei. Peguei o lanche após o pórtico, minhas coisas no guarda-volumes e procurei a barraca da minha equipe. Lá encontrei os outros e me acabei em lágrimas, sendo abraçada por todos. Estava meio passada. Eu não sabia definir o que estava sentindo." O relato é de Rosa Damásio, a última do grupo a chegar, após 5h40. Fernanda, a mais jovem, narra com palavras parecidas a emoção de completar a primeira maratona: "É simplesmente indescritível! Cheguei tão feliz que se tivesse mais quilômetros, eu conseguiria. Essa foi a sensação e me deixou muito satisfeita".
Para Gisele, o sentimento foi de ter renascido. "Percebi as dores, mas não havia retornado do profundo mergulho que tinha feito. Eu estava bem, mas as pernas aos poucos foram dando notícia. E que notícia… estavam doloridíssimas! Não titubeei, repousei-as por dois dias." Jackeline, por sua vez, fala da emoção do dever cumprido, pois aos 44 anos, com 15 kg a menos, concluiu uma maratona e se sentiu "superinteira". "Inolvidável e indescritível o que se sente ao longo de 42 km. É como se eu estivesse fora do ar, curtindo a paisagem e vendo que Deus é maravilhoso e nos proporciona coisas sensacionais e simples que todos podemos ter", descreve.
Luis Carlos sublinha que, além da conquista pessoal, o prazer da chegada foi ampliado por poder compartilhar o momento com os novos amigos que fez na corrida, tanto Jackeline e Fernanda, com quem correu do início ao fim, como com Gisele, que chegou alguns minutos depois. "E a felicidade se completou quando vimos que, apesar de todos os percalços, a nossa amiga guerreira, Rosa, também conseguiu chegar. Partilhar aquela emoção da conquista com todos os maratonistas iniciantes foi indescritível."

SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA – Empolgados com o sucesso do projeto, o grupo já pensa nos próximos desafios. O treinador informa que a próxima prova que desejam fazer é a São Silvestre. Depois, a Maratona do Egito em 2016, que acontece na segunda quinzena de janeiro. "Para eles, temos o foco de manter a metabolização de gordura e melhorar a velocidade. Afinal, já possuem o registro pessoal a ser vencido", informa. Para os novatos, Nirley avisa que vai iniciar um novo programa de treinos, desta vez com 50 sessões.
"Acredito que qualquer pessoa pode fazer uma maratona de forma planejada, com acompanhamento sistêmico. É fundamental a figura do nutricionista e a sinceridade do atleta quanto à sua percepção de esforço. A preparação para maratona é dura, é sofrida, exige dedicação e o apoio da família e amigos. Perde-se por um tempo a vida social, afinal, tem que treinar. Mas ver as distâncias sendo vencidas foi emocionante. Poder dizer na última semana ‘você está pronto, vá lá e se divirta!' é simplesmente fantástico. Tanto quanto acompanhar a chegada e ver a emoção aflorada nos olhos de cada um, em meio a lágrimas de alegria e abraços", sublinha o treinador.
Para ele, o principal é saber que provavelmente esses cinco novos maratonistas jamais voltarão a ser sedentários. "Esses alunos tiveram a oportunidade de se conhecer psicológica e fisicamente, identificar seus limites e a capacidade de se superar. Com certeza encontrarão mais facilidade em enfrentar os problemas do cotidiano. O tempo que fizeram na maratona não importa, e sim que não são mais sedentários e possuem a perspectiva da saúde e da qualidade de vida.
Rosa Damásio que o diga. Hoje pesa 73 kg, seu IMC é de 26,1 e a diabetes e a taxa de colesterol estão controladas. "Ainda tenho muito para melhorar, mas as perspectivas na minha qualidade de vida são maravilhosas", diz. Já Fernanda não cansa de repetir "sim, é possível!". "Tantas conversas em casa com o marido para ele poder ficar com minha filha e eu poder ir treinar… Enfim, tudo valeu muito a pena."
A professora Gisele quer se dedicar mais às subidas, sua maior deficiência, e desmentir os incrédulos: "Hoje, digo àqueles que não acreditaram, aos que disseram que eu era louca: ‘Eu sou maratonista. Eu fiz 42 km'". Sem planos de uma nova prova longa, Luis Carlos agora sabe na pele que vale a pena correr atrás dos objetivos. "Podemos fazer qualquer coisa, basta querer e planejar, procurar uma boa orientação. Não dá para se aventurar a fazer uma corrida dessas sem um bom planejamento", garante. E Jackeline resume o sentimento geral com a seguinte filosofia: "O sol brilha para todos. O diferencial está no seu esforço pessoal. Acreditei e consegui."

Relatos de um desafio
Treinar para uma primeira maratona exige doses maiores de disciplina e sacrifício. No caso de corredores iniciantes e inexperientes, soma-se a isso a ansiedade e o medo, além dos percalços que podem ocorrer. Veja o relato dos cinco participantes do projeto #euvoufazer42k.

"As principais dificuldades foram na adaptação ao volume de treino crescente, pois, no meu caso, me machuquei e tive que perder algumas sessões para poder me recuperar. Isso me deixou um pouco apreensiva. Quando retomava os treinos, acabava desacelerando e, no final, eu já estava com um ritmo bem diferente do resto do grupo. Aí veio o lado psicológico de ter que correr sozinha. Fiquei triste, deu um frio na barriga, medo, tristeza, pois até então correríamos em grupo, um apoiando o outro." (Rosa Damásio)

"Por incrível que pareça, eu estava muito tranquila. Na largada, mesmo com uma chuva fininha, a alegria e a sensação de ‘finalmente chegou' imperavam. Utilizei capa de chuva por 2 km para poder manter a temperatura do corpo. Quando me senti aquecida, retirei a capa. Achei importante essa dica. Eu e os amigos Luis Carlos e Jackeline Mendes tínhamos combinado de correr no mesmo ritmo a prova toda. Caso alguém não conseguisse, os outros poderiam seguir. Mas, graças a Deu, treinamos tanto juntos que o resultado não poderia ser diferente: cruzamos a linha de chegada de mãos dadas e com uma grande sensação de dever cumprido. Sem cãibras, sem caminhar e sem pensar
em desistir." (Fernanda Jannuzzi)

"No penúltimo mês, fui para o Rio de Janeiro e os treinos foram à distância, porém recebia a planilha via e-mail e dei continuidade ao trabalho. Às vezes uma voz me dizia: ‘Sua louca, você não vai conseguir!'. Mesmo assim, segui em frente e retornando a Brasília me agrupei aos meus amigos e treinamos, treinamos e treinamos." (Gisele Baiense)

"Corríamos muito cedo e fazia bastante frio nos meses de junho e julho. Em alguns treinos eu estava resfriado ou havia dormido pouco. Havia treinos nos finais de semana em que eu estava com visita em casa e não podia acompanhar a equipe. Tive que treinar sozinho em outro horário, o que era mais difícil. Já no último mês de preparação, ao fazer um longo de 23 km, não fiz a suplementação de gel energético adequadamente e quando cheguei ao quilômetro 20 estava esgotado. Nesse dia fiquei preocupado, achei que seria muito difícil fazer a maratona." (Luis Carlos Silva)

"Começamos com treinamento funcional chamado X RUN, veio o projeto e a planilha com 64 treinos. Procurei fazer todos. Confesso que tinha sábado que ia arrastada. Fiquei insegura alguns momentos. O principal temor era não conseguir. Na largada, fiquei louca com tanta gente. Mas foi fluindo tão bem, começamos todos juntos, o professor Eduardo Teixeira conosco e sempre orientando. Não tive cãibra, enjoo, nada. Quando chegamos, foi pura emoção. Eu, Fernanda e Luís Carlos nos abraçamos demais." (Jackeline Mendes)

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