Sem categoria admin 10 de março de 2015 (0) (92)

Por que a dor muscular afeta também corredores experientes?

Se você corre há algum tempo, já ouviu falar na dor muscular tardia. De origem musculoesquelética, ela costuma aparecer entre 12 e 24 horas depois da atividade e piora de 24 a 72 horas após o treino. Mas será que somente os novos corredores sofrem com isso? Ou será que os mais rodados também estão expostos a esse problema? Neste caso, pode ser um sinal de que os exercícios não estão sendo bem feitos?
Segundo José Alexandre Castanhede, médico do esporte e fisiatra (área ligada a procedimentos de reabilitação física), todos os esportistas, sejam eles amadores ou profissionais, estão expostos às dores musculares. "Elas são uma experiência comum para qualquer indivíduo, e os sintomas variam de um leve desconforto até a impotência funcional severa. Aparecem quase sempre no início da temporada de treinamentos, quando o atleta retorna de um período de inatividade ou ainda quando há alguma mudança na preparação."
Entre os pesquisadores há um consenso de que as dores musculares tardias podem ter causas variadas. Mas na maioria das vezes estão relacionadas diretamente com o aumento da intensidade, a duração do esforço e o tipo de exercício realizado. "Durante muito tempo, o acúmulo de ácido láctico foi considerado como o principal fator para o aparecimento dessas dores, mas pesquisas recentes excluíram esta hipótese. Hoje se sabe que a intensidade da dor será maior quanto maior for a força aplicada pelo músculo. Quando o tema é a corrida, duas das principais causas deste problema são o treinamento de força e as sessões em ladeiras. Em terrenos planos é comum apenas em indivíduos destreinados", explica o médico.

DOR SEMPRE, NÃO. Gustavo Magliocca, diretor médico da seleção brasileira de natação, considera normal o aparecimento de incômodos musculares em algumas fases do treinamento, mas afirma que se eles surgem após todas as sessões, há algo errado com a planilha. "As dores são provocadas pelo estresse causado pelo nível da carga a que se submete. Este estresse é o responsável pelas adaptações que resultarão em condicionamento muscular. É nesta fase da preparação que os riscos de lesão aumentam. O que não é comum é que tais aflições apareçam após toda sessão ou em todas as fases da periodização do treinamento. Isso demonstra que há algo errado com o programa de exercícios ou com a resposta do organismo do atleta a estas sessões."
Segundo o médico, não se pode atribuir uma única causa às aflições musculares, quando elas aparecem esporadicamente. A explicação está na complexidade do organismo, com vários sistemas que se integram e agem conjuntamente. Assim, mesmo em uma situação com volume e intensidade a que o corredor já esteja acostumado, podem ocorrer tais dores.
"Cada treino faz parte de um programa, com suas fases, em que cada uma tem um objetivo de adaptação e resposta diferente do organismo. O volume e a intensidade podem ser os mesmos de outras sessões, porém a alimentação pode ser diferente e afetar a resposta do organismo. A rotina do atleta pode ser alterada em determinado momento, assim como a qualidade do sono, o sistema imunológico. E o mesmo treino com estas variáveis pode ter outro impacto. Há inúmeros fatores a serem considerados. Dificilmente se consegue isolar um esportista e colocá-lo numa rotina constante. Enfim, sempre existirão noites mal dormidas por conta de resfriados, a influência da temperatura ambiente, poluição…"

NO PAIN, NO GAIN. Sentir dores constantes é sinal que algo está errado. Não somente com a carga de treinamento, que pode até ser o principal fator. Talvez o ajuste de cargas dentro de um programa não tenha sido feito adequadamente. O fato é que um trabalho físico duro é realmente necessário para ganhar condicionamento, baixar tempos e atingir metas, mas o médico Gustavo Gagliocca é taxativo quanto ao popular "No pain, no gain" (sem dor, sem ganho). "A filosofia de treinar duro é uma verdade para a evolução no esporte, mas a afirmação de que sem sofrimento físico não há ganho é um verdadeiro mito."
Gagliocca comenta que normalmente a dor muscular de início tardio melhora com a suspensão das sessões por alguns dias e um retorno gradual. "A melhor forma de evitar as dores é praticar a corrida com orientação e acompanhamento de profissionais. Médico, treinador, nutricionista e fisioterapeuta vão montar um programa de treinos específico para você. Nos casos mais severos, a suspensão das atividades mais intensas, a utilização de crioterapia (gelo), de analgésicos orais e a fisioterapia podem ser úteis no processo de recuperação."
Na opinião do diretor técnico da seleção brasileira de natação, "a dor aguda que ocorre durante o treinamento normalmente indica algum problema no exercício, como excesso de carga, de intensidade ou mesmo execução incorreta. Nesse caso, a atividade deve ser suspensa, para se evitar uma lesão muscular mais severa".

INTERDISCIPLINARIEDADE. Mas conviver com a dor pode não ser uma escolha do corredor. Um treino que para um atleta não provoca sofrimento, para outro – não necessariamente menos experiente – pode ser extremamente desgastante. É o princípio da individualidade. Cada organismo pode reagir de uma determinada maneira a um determinado estímulo. Para tratar e até prevenir dores pós-treino, portanto, o osteopata Antônio Chaer sugere que cada pessoa, na medida do possível, procure especialistas de diferentes áreas. (Obs.: Osteopatia é uma medicina não convencional, que usa técnicas manuais para diagnosticar e tratar diversos problemas, notadamente de coluna.)
"Atualmente vivemos num mundo extremamente especializado, onde os profissionais cada vez mais sabem muito sobre determinado tema e a busca pelo mais bem preparado ganha força com a facilidade de acesso à informação por parte do consumidor, seja de um produto ou de um serviço. Isso tem tudo a ver com a prática da corrida. É muito importante a relação interdisciplinar no treinamento, prevenção e recuperação de atletas", explica Chaer.
De fato, uma lesão ou desconforto podem ter diversas causas, e muitas vezes é necessário recorrer a dentista, médico, fisioterapeuta e até a trabalhos específicos, como funcionais e musculação. "E dentro de um processo de habilitação ou reabilitação estes profissionais trabalham juntos, em plena comunicação. Principalmente no caso dos desportistas de alto rendimento", diz o osteopata.
Um exemplo comum é a síndrome de fricção da banda iliotibial, também conhecida como "joelho do corredor". Aquela dorzinha incômoda, que aparece gradualmente na lateral do joelho quando corremos, e vai aumentando até nos impossibilitar de treinar.
Antonio Chaer explica que há causas variadas para esta síndrome, porém todas passam por alguns motivos básicos. "Nestes casos certamente há desajustes funcionais articulares pélvicos, desequilíbrios funcionais musculares, evolução inadequada da preparação e tipo de terreno. Só com estes simples exemplos, num processo de recuperação precisamos agregar três diferentes especialistas: o osteopata, para identificação mecânica e ajuste das articulações pela manipulação; o educador físico da musculação, funcional, pilates e treinamento; e o médico que pode ser necessário no caso das inflamações mais graves."
Muitas outras situações acontecem no dia a dia de corredores e mostram o quanto a relação entre profissionais, seja no processo de reabilitação ou mesmo de evolução do condicionamento, é importante para a melhor performance do atleta, amador ou não. Mas se o corredor tem acompanhamento de uma equipe interdisciplinar, deve exigir que estes profissionais troquem cada vez mais informações.
"Se a pessoa tem um técnico de corrida, outro de musculação, faz natação ou spinning para complementar os exercícios aeróbios, tem acompanhamento nutricional visando às competições, faz trabalho de reabilitação ou osteopatia preventivo, deve se preocupar que estes especialistas façam um trabalho integrado. Pois mesmo o melhor e mais específico treinamento, se não for bem coordenado com as demais atividades, pode estar indo contra sua evolução", completa Chaer.

Veja também

Leave a comment