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Cruce de los Andes: pouca corrida e muito frio, chuva, sofrimento etc

Brasileiros lá fora – Mauri Cesar Barbosa Pereira – Abril 2010

Nos dias 5, 6 e 7 de fevereiro ocorreu a 9ª edição da Cruce de los Andes, este ano realizada nas proximidades de San Carlos de Bariloche  e de San Martin de los Andes, na Argentina. Esta é uma prova diferente, de aventura, e mesmo assim diferente na sua forma e estilo, em razão de promover a corrida por trechos de distâncias diferentes em 3 dias, com intervalos para pernoite em barracas e correndo em duplas, não revezamento, mais sim duplas para companhia, para curtir a aventura. Aliás muitos são os casos de pais e filhos juntos.

Os materiais a serem utilizados para o pernoite e nos demais dias (barraca, saco de dormir, roupa seca, material de higiene pessoal e ainda alimentos para o café da manhã) de cada equipe (dupla) são colocados em containers (baús plásticos) e transportados em caminhões até o local do acampamento.

Os brasileiros foram a segunda maior delegação, depois dos argentinos. Participei a convite do Mauricio Letzow, treinador da Webtreino, que fez dupla com o João Carneiro e eu com o Renato Fucci, todos nós de Curitiba. Sou integrante da equipe Quero-Quero, porém tivemos que correr com a camisa oficial da prova, sem caracterizar que grupo éramos.

É uma prova muito diferente para quem faz maratona e ultramaratona, como é o meu caso. O que entusiasmou muito o nosso grupo foram os vídeos e fotos dos anos anteriores, especialmente em 2008, com imagens magníficas. A Cruce de los Andes foi realizada em 2002 próximo a Mendoza, em 2003 na Província de Neunquén, em 2004 em Ciudade de Pucón, Chile, 2005 em San Martin de los Andes, 2006 em Villa de la Angostura, 2007 em Trevelín e 2008 em Catedral, Bariloche.

Este ano, alguns imprevistos ocorreram, em função das condições climáticas severas, que não tinham ocorrido nos anos anteriores, ou seja, muito vento, frio e chuva no segundo dia, o que complicou a vida dos corredores e provocou uma seqüência de fatos que promoveu a desorganização geral do evento, especialmente no segundo dia, causando descontentamento entre os participantes.

 

Os três dias de aventura

No primeiro, de 30 km, tudo bem – Saída a 90 km de Bariloche rumo ao Andes. Toda a prova foi dentro do Parque Nacional Nahuel Huapi que representa a região andina e da patagônia, região muito bonita. Já no começo da prova deu para sentir o drama: só trilha, com poeira, fortes subidas e descidas, que vão minando a resistência. Cruzamos por trechos maravilhosos, entre eles o rio Manso, com ponte pênsil onde era permitido passar somente uma dupla de cada vez, uma água verde esmeralda quase transparente, num canyon de 200 metros de profundidade, algo impressionante. Após 21 km já foi possível avistar o Lago Escondido, local onde seria o primeiro acampamento. O local é exuberante de beleza, frio intenso, água maravilhosa que permite beber dos afluentes – água com sabor mais agradável que as que se compra engarrafada.

Chegamos bem no primeiro acampamento, fechando em 6 horas e 6 minutos, colocados em 270 dentre as 850 equipes. Já o Mauricio e o João entre os 150 primeiros. O local do primeiro acampamento foi em um haras, com as barracas armadas no centro da pista do haras, um extenso gramado, com as montanhas ao redor e com presença de neve, lindo cenário. Depois da chegada ao acampamento um ritual: buscar o containers, montar a barracas, almoçar. Almoço farto, macarrão, frutas, verduras e um tradicional assado argentino na brasa.

Muitos momentos de risada e cenas cômicas na nossa equipe, dormindo em barracas pequenas para duas pessoas, sem tomar banho. Eu pessoalmente tive sérios problemas à noite, com mal estar, vômitos e diarréia, que impediu de dormir e gerou insegurança em continuar a prova.

No segundo, de 24 km, a confusão – A chuva, como prevista, começou cedo. Ritual de desarmar a barraca, colocar todas as coisas no baús e entregar no caminhão para ser levado ao próximo acampamento. Eu estava em dúvida se continuava ou desistia. Debilitado por completo, pelo acontecido na noite, e o dia indicava o pior, com frio, chuva e montanha de 1.200 metros acima, em trilhas com lama – lisa. Mas não quis deixar o companheiro na mão e fomos em frente.

O trecho já nos primeiros 500 metros mostrou o que seria: muita lama, o que impossibilitava de correr ou até de andar ladeira acima e descer ladeira abaixo, escorregando. Mas fomos juntos, andando, e sendo ultrapassados… Argentinos, chilenos e uruguaios e demais equipes, sempre dizendo educadamente permiso, derecha, derecha, gracias, pois fazer passagem na trilha molhada e escorregadia era uma dificuldade permanente.

Esse dia foi difícil, muito difícil, até para apreciar a beleza dos Andres, pois estava chovendo, nublado e muito, mas muito frio. No km 11 dos 24 (feitos em 5h30…) vi que não dava mais; não tinha comido nada de manhã, devido ao desarranjo, e a fraqueza chegou. Peguei uma carona na ambulância para fazer avaliação no posto médico. Não era o único com problemas, alguns com contusões, outros por desistência mesmo. Quando estava sendo atendido, aliás bem atendido, fiquei sabendo da confusão completa da prova neste dia.

Alguns dos caminhões com os containers não haviam chegado ao segundo acampamento, devido à queda de pontes pelas chuvas. Isso forçou a organização a montar outro acampamento improvisado. Duas grandes dificuldades, uma porque as pessoas chegavam ao acampamento, molhadas e com frio, e não encontravam seus baús; outra porque não havia informações seguras sobre onde estavam os containers faltantes, talvez no acampamento improvisado, obrigando as duplas a andar pelo menos mais 5 km. Este fato gerou muita crítica e descontentamento dos corredores.

No posto médico fui recomendado a interromper a corrida. Porém, ainda tentei resistir, e fui de van procurar meu amigo de dupla no segundo acampamento. Porém, quem disse que o encontrei – desespero total e não tinha como ir mais 5 km para procurá-lo no outro acampamento improvisado. Isso forçou a minha desistência. O ambiente do segundo acampamento estava desolador, em função das condições climáticas, com muito desânimo e desorganização. Somando tudo isso e o desencontro com meu parceiro, desisti e voltei a Bariloche.

No terceiro, de 37 km, que viraram 42 km – Já em Bariloche pela manhã do dia 7, vi que o tempo estava bom, sem chuva. Este dia, supostamente seria o melhor, já que era longo mas “quase plano”, terminando na fronteira com o Chile. Renato se juntou ao Mauricio e João e correram juntos todo o trecho. Ou seja, mesmo desclassificado, o Renato continuou, mesmo porque a classificação pouco interessava e sim completar esta difícil prova, curtir o ambiente, ver a paisagem. Os encontrei de novo na entrega/devolução dos nossos materiais, que ficaram no containers. Disseram que o último trecho foi maravilhoso, sem os problemas climáticos e de desorganização, porém tiveram que andar 5 km entre os dois acampamentos até a largada deste dia, o que transformou os 37 km em 42 km. Eu fiquei um pouco desolado por não ter completado a prova, entretanto, feliz por ter participado da parte mais difícil e me senti realizado, mesmo com todos os percalços encontrados. Resumindo, mesmo com todos os problemas que tivemos, a prova é maravilhosa, bem diferente. Estamos planejando o retorno para 2011, que deverá ser na região de Mendoza.

 

O Cruce em síntese

Corrida de aventura, em fevereiro, entre o Chile e a Argentina (ou o inverso), na região da Patagônia.

A participação é em dupla (devem correr juntos) masculina, feminina ou mista.

A distância total fica em torno de 100 km, percorridos em 3 dias e o  local muda a cada ano.

O percurso é todo por trilhas, com fortes subidas e descidas em que mais se caminha do que se corre.

Os participantes dormem em barracas por duas noites e é nesse acampamento onde são servidas as refeições.

O custo individual inclui inscrição (US$ 350) + US$ 350 por refeições, transportes, aluguel de barraca, saco de dormir.

Curiosidade: é proibido, sujeito à penalização de tempo, levar saches de carboidratos, para evitar que sejam deixados pelo percuso.

Neste ano foram 1.560 corredores (780 duplas), de 20 países, com predomínio de argentinos. Terminaram 600 equipes.

A dupla brasileira Cristina de Carvalho e Alexandre Manzan venceu na categoria mista.

O site do evento é www.columbiacruce.com

Atenção: as vagas são limitadas e costumam se esgotar em algumas horas após abertas no site.

Obs: Não confunda essa prova com o revezamento “Cruce de Los Andes 12×42” cujo site é http://www.andinomercedario.org.ar. Informação sobre essa prova pode ser encontrada no site da CR: http://migre.me/psGb

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