Releitura Redação 9 de maio de 2020 (0) (1241)

Dilatador nasal – será que você precisa de um?

Fisiologia – Fernando Beltrami – fernando@evenfaster.com.br – Junho 2010

 

Eles estão por aí já há bastante tempo, mas a primeira vez que foram utilizados em massa para nós brasileiros acho que foi nos Jogos Pan Americanos do Rio, quando grande parte da delegação brasileira exibia uma fita colada no nariz. Os dilatadores possivelmente eram usados em troca de algum retorno financeiro para os atletas, e inclusive teve quem percebeu que Maurren Magi não estava utilizando o adesivo durante seus saltos, apesar de exibi-lo no pódio. Polêmicas à parte, a mídia que o produto ganhou aqui no Brasil deu certo, e milhares de atletas e esportistas amadores usa do dispositivo.

Mas eles funcionam? Diversos atletas de rendimento, pagos ou não para tal, fazem uso, e consequentemente propaganda, de diversos produtos e marcas, o que não quer dizer que devemos seguir seus passos sem maiores questionamentos, como é o caso da meias da Paula Radcliffe, os manguitos e o dilator do Marilson etc. Corredores profissionais podem ser tão volúveis aos apelos da mídia quanto os amadores, e ouvir dizer que algo funciona já pode ser bom o bastante.

Primeiro de tudo, o que são e o que dizem fazer os dilatadores nasais? Os dilatadores nasais vendidos para corredores hoje são basicamente uma fita adesiva, similar a um band-aid, com uma banda elástica interna. Ao ser colocada no nariz, na posição correta, ela supostamente ajuda a manter aberta a válvula nasal. Quando inspiramos pelo nariz, a válvula nasal representa o ponto de maior resistência à passagem do fluxo de ar. É como se a válvula fosse um gargalo, ou um funil, que limita a quantidade de ar que passa. Além da própria limitação física, este gargalo também deixa o fluxo de ar mais turbulento, fazendo com que a resistência aumente ainda mais. Pense numa loja abrindo num dia de liquidação daqueles que as pessoas dormem em frente à porta. Quando a loja abre, seria muito mais rápido se todos entrassem ordenadamente em fila, ao invés de todos tentarem entrar ao mesmo tempo.

É nesse ponto que entram os dilatadores nasais. Aparentemente criados como uma possível solução para quem sofre de apnéia do sono e ronco, a banda elástica do dilatador mantém a válvula nasal aberta, mais aberta que o normal, e além disso evita que ela feche em caso de uma inspiração muito forçada, onde o que ocorre é que a inspiração é tão forte que “puxa” as paredes nasais pra dentro, fechando a passagem do ar.

Estudos nada comprovam

Conforme os dilatadores nasais foram se tornando mais e mais populares, também começaram a pipocar diversos estudos que testaram suas supostas vantagens. Infelizmente, a esmagadora maioria aponta para a ineficiência do produto, com poucos trabalhos mostrando alguma vantagem em seu uso. Por força da cautela que rege o mundo científico, porém, é difícil encontrar algum texto que afirme categoricamente que não há utilidade para eles.

A primeira dificuldade quando se estuda um produto comercial é definir o que é um efeito positivo ou negativo. Neste caso, por exemplo: estamos testando um produto que diz melhorar a respiração, e consequentemente a oxigenação do sangue e a performance do corredor. Quando formos testar, a que vamos nos ater? A respiração, a oxigenação do sangue ou a performance? E quanto a performance, que teste iremos utilizar? Performance pode ser um teste de consumo de oxigênio, pode se um sprint de 40 metros ou correr uma maratona, a lista é infindável. Felizmente (ou não) a lista sobre trabalhos em que não se achou vantagem nos dilatadores é longa, e junto com diversos autores vêm diversas metodologias e formas de definir o que seria a vantagem do dilatador.

Em 1998, um grupo de pesquisadores testou os dilatadores durante a realização de uma série intervalada de corrida, inclusive utilizando um grupo com dilatadores falsos para testar um possível efeito placebo, sem no entanto encontrar quaisquer benefícios. Um estudo de 2008 mostrou que os dilatadores foram incapazes de alterar o limiar de lactato e a concentração de lactato em intensidade moderado-alta em mulheres destreinadas e treinadas, um efeito lógico se a suposta melhora de oxigenação do sangue estivesse em ação, pois diminuiria a necessidade de obtenção anaeróbica de energia.

Houve ainda quem testasse os dilatadores em situação de recuperação após um forte esforço anaeróbico, também sem mostrar benefícios no uso de dilatadores. No extremo final das possibilidades, estudos testando o uso de protetores bucais, utilizados em esportes de contato e que dificultam a respiração pela boca, também se mostraram incapazes de revelar qualquer benefício no uso de dilatadores.

Mas então quem sabe se olharmos um pouco para a respiração em si? Em 2000 um grupo testou os dilatadores utilizando testes de consumo de oxigênio. Este estudo merece ser mencionado porque no teste sem os dilatadores os corredores utilizaram um prendedor nasal, de forma que podiam apenas respirar pela boca. Novamente, não foram relatadas quaisquer vantagens no grupo com os dilatadores, o que mostrou que em situações de esforço muito alto a respiração apenas oral é tão eficiente quanto a oronasal. Um trabalho similar foi realizado em 2002, e novamente não havia diferenças em frequência cardíaca ou sensação de esforço entre usar o dilatador nasal ou um prendedor de nariz. Indo mais fundo na questão de facilidade de respirar, uma pesquisa de 2001 testou a possibilidade de os dilatadores diminuírem o trabalho inspiratório e expiratório. Novamente não foram encontradas quaisquer diferenças entre os grupos placebo e dilatador, nem a 70% de consumo máximo de oxigênio nem a 100%.

Mas existem dois trabalhos, pelo menos, que apontaram benefícios com o uso de dilatadores. Um estudo de 2004 apontou melhora num teste aeróbico e também na sensação de esforço durante o teste aeróbico e num anaeróbico. Um segundo trabalho do mesmo autor falhou em mostrar benefícios com o uso de dilatadores.  Outro estudo, de 1997, mostrou que os dilatadores aumentavam a área da cavidade nasal em média 24% em repouso, e durante exercício submáximo o uso de dilatadores reduziu a ventilação, consumo de oxigênio e frequência cardíaca dos corredores. Teorias de conspiração à parte, este último estudo foi subsidiado justamente pela empresa que fabrica os dilatadores. Quanto ao estudo anterior, talvez caiba destacar que foi feito com crianças chinesas, que possuem uma anatomia diferente no nariz, o que pode ter influenciado um pouco os resultados.

Respiração durante a corrida

Em repouso, sentado, ou mesmo caminhando, utiliza-se a respiração nasal. Quem não aprendeu na escola que o ar quando passa pelas narinas é filtrado, umedecido e aquecido. No entanto, o volume de ar que é possível de ser ventilado pelas narinas é pequeno, se comparado com a capacidade da ventilação oral.

Além disso, é muito importante salientar que quando o sangue passa pelos nossos pulmões a saturação de oxigênio é sempre muito próxima de 100%, ou seja, não há mais o que se oxigenar no sangue. Em casos de esforço muito alto, em corredores extremamente bem treinados, existe a possibilidade da saturação de oxigênio no sangue cair um pouco, mas isto não está relacionado com falta de oxigênio nos pulmões. O ar que respiramos possui cerca de 21% de oxigênio, e quando nós o expiramos ele ainda possui cerca de 14-17% de oxigênio. Isso nos dá uma mostra de quanto oxigênio nós realmente extraímos do ar e se é realmente necessário “melhor oxigenar nosso sangue”. Do ponto de vista fisiológico talvez a vantagem real existiria caso fosse possível aumentar nossa capacidade total de ventilação, desde que isso ocorresse junto com um aumento do débito cardíaco, pois mais oxigênio só serviria se houvesse mais sangue para absorvê-lo.

Curiosamente, boa parte dos estudos em fisiologia do exercício utiliza respiração exclusivamente oral. Isto porque os equipamentos que analisam os gases expirados utilizam um bocal, similar a um snorkel de mergulho, então os pesquisadores “fecham” o nariz do seu sujeito com um prendedor para evitar que se perca ar durante a coleta. Como alguns dos trabalhos que investigaram o uso de dilatadores compararam a respiração oronasal (com dilatador) e somente oral (sem dilatador), chegando a resultados similares em termos de parâmetros fisiológicos e de performance, pode-se concluir que os argumentos utilizados pelos fabricantes são falhos, pois mesmo excluindo totalmente a ventilação nasal da equação a performance e (mais importante) a ventilação total ainda são mantidas.

Apesar de todo o peso da evidência, é comum os trabalhos acabarem com ”talvez”, “parece” ou resultados que “sugerem”. Por exemplo, “parece não haver efeitos benéficos no uso de dilatadores nasais, porém aparentemente não há malefícios, então talvez valha o risco de se obter pelo menos um efeito placebo”. Estou um pouco cansado disso. Corredores já estão afogados em um mar de produtos milagrosos, cápsulas, comprimidos, pós, géis etc. Quanto mais se argumenta a favor de um produto, mais difícil fica de desprová-lo. Eu posso aqui dizer que corro os 10 km em 30 minutos com facilidade, e você, para me dementir, terá que olhar resultados de prova por todos os lugares que já passei até ter certeza que não existe nenhum registro disto, e ainda assim eu vou dizer que corri um dia de noite, na chuva, numa pista deserta ali perto de casa, e que já apaguei da memória do cronômetro.

Corredores podem ter problemas respiratórios, e neste caso devem consultar um médico para verificar se existe algum tratamento adequado, e pode ser que um dilatador lhes seja sugerido como uma tentativa. Mas aos outros que não têm, quem sabe já não é hora de pararmos de inventar desculpas para nossa falta de performance e começarmos a treinar direito ao invés de tentar melhorar com a nossa folha de pagamento?

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