Notícias admin 10 de março de 2015 (0) (140)

A rainha das trilhas

Contra-Relógio – Como começou sua relação com as provas em trilhas e quais os resultados pessoais que destacaria?
Fernanda Maciel – Meu primeiro contato foi correndo meias-maratonas e maratonas de montanha, quando morei na Nova Zelândia, em 2005 e 2006. Mas a primeira ultra de montanha foi na Califórnia em 2008, a Endurance Challenge Championship 50 miles, em São Francisco, com um percurso de 80 km. Nessa época, ainda seguia competindo em provas longas de 500 km de corridas de aventura, mas sempre recebia convites da The North Face americana (marca esportiva) para correr ultras. Em 2009, eu passei a focar apenas em ultra trails porque, morando na Europa, tornou-se impossível ficar longe dessa evolução no mundo das corridas. Foi algo que realmente me completava como corredora.
Os resultados que posso destacar são as vitórias na TDS-Ultra Trail du Mont Blanc em 2009 (Itália/França), Andorra Trail em 2010 (Andorra), Lavaredo em 2011/vice em 2012 (Itália), Transgrancanaria em 2010/2012 (Espanha), STY Ultra Trail Mont Fuji em 2012 (Japão), Catalunya Championship em 2013 (Espanha). E outras boas posições, como o 4º lugar na mítica Ultra Trail du Mont Blanc em 2010 (Itália, Suíça e França), 4º lugar na The North Face Endurance Challenge Championship em 2008 (Estados Unidos), 4º lugar na Routeburn Track em 2006 (Nova Zelândia) e 5º lugar na Cavalls del Vent em 2011 (Espanha). Mas o que considero o meu maior feito foi correr os 860 km do Caminho de Santiago de Compostela em dez dias, sem apoio e dormindo em albergues, em 2012. Considero que é o mais duro e bonito que já fiz. Fui a primeira mulher a correr o autêntico Caminho Francês, uma experiência incrível e que dará fruto ao meu livro "Caminho de Santiago Correndo". Um livro que contará sobre a experiência dos 90 km diários como corredora-pelegrina desde a França, cruzando todo o norte espanhol, e servirá como manual para aquele corredor que pretende se aventurar e ser mais um corredor-pelegrino, fazendo em média 42 km diários, com dicas e histórias do Caminho de Santiago.
Posso dizer que já competi em todos os continentes e que amo correr no Brasil, mas ainda não tive a oportunidade de disputar nenhuma ultra aqui. Espero que em breve eu possa colocar alguma prova que me inspire no calendário. Ultimamente, meu foco é participar nas provas da Sky Running World Series, o Campeonato Europeu, já que também tenho cidadania espanhola, além das mais míticas.

CR – Como é a sua rotina semanal de treinos e preparação? O que faz, além da corrida?

FM – Meus treinos variam entre 15 a 30 horas semanais, dependendo da época e da fase da temporada. No mês de dezembro, costumo tirar férias. Em janeiro começo a base, que inclui treinamento funcional e natação em Belo Horizonte. Em fevereiro, volto a correr novamente. O mês de março marca o início da minha temporada de ultras, sendo que corro também provas como meias-maratonas e maratonas de montanha como treino. Não faço musculação, nem Pilates, por exemplo. Alguns dias pratico ioga em casa, como forma de relaxamento e alongamento. Uma vez por mês encontro meu mestre de reiki, que me ajuda bastante na parte mental e emocional. Durante a temporada, procuro pedalar muito pelas estradas e portos dos Pirineus espanhóis, franceses e de Andorra, como forma de ganhar força e volume. A bicicleta ajuda também porque correr muitas horas seguidas resulta em grande impacto para os joelhos e tornozelos, o que em excesso acaba sendo prejudicial. Como moro na montanha, em uma pequena cidadezinha sem estrutura na Catalunha, os meus treinos se resumem basicamente nisso: correr e pedalar pela montanha, e dormir em alguns picos de grande altitude para me aclimatar para as provas. Muito raramente escalo em gelo, esquio ou faço algo de alpinismo, mesmo gostando muito desses esportes.

CR – Existe a questão altimétrica de diferencial entre o Brasil e a Europa. Como você compara as provas em montanha/trilhas da Europa e Estados Unidos com as do Brasil?
FM – Com certeza, as montanhas lá fora são mais técnicas, longas e com altimetria elevada, o que dificulta para nós brasileiros competir de igual para igual com franceses e nepaleses, por exemplo. Há a diferença da cultura também. As crianças, desde pequenas, passeiam por Parques Naturais e sobem por altas montanhas. Os países europeus possuem uma estrutura viável para isso, oferecendo refúgios (pousadas) em cada parque, localizados entre 2.000 m a 3.000 m de altitude, onde o caminhante/corredor pode parar para comer ou dormir. Nem mesmo nos Estados Unidos a estrutura é tão eficaz. Por isso, quando há uma brasileira ou brasileiro no pódio, o público se assusta.
Vejo que começa a aumentar muito no Brasil o número de corredores em montanha e também o de eventos. No entanto, noto que, ao contrário do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, o boom aqui está mais evidente nas provas curtas, dos 10 km até a meia-maratona. Acredito que falta apenas "tempo" para que o número de participantes aumente e a quilometragem nas provas também.

CR – Para quem corre mais no asfalto, quais os pontos positivos e de atração que você vê nas trilhas/montanhas?
FM – Eu comecei correndo provas de 5 km em asfalto, logo fui para as de 10 km e meias-maratonas, que amava. Considero a corrida um movimento positivo, belo e saudável, tanto para o corpo como para mente. A corrida em montanha tem um algo mais. Pessoalmente, ela me completa, me dá equilíbrio e me deixa mais meditativa. Estar em meio à natureza, respirar ar fresco, sentir o cheiro de mata e flores, ter vistas incríveis do vale e do mar ao fundo, saltar pedras, apoiar em árvores, ser surpreendida por bichos da montanha, ter medo da neve e do frio, administrar o calor da terra vulcânica e respeitar toda a imensidão deste mundo me apaixona. Ganha-se em emoção, aprendizado e respeito. Cada corrida é como uma travessia com histórias diferentes; é o que me dá a montanha. Uma sensação de ser pequena e grande ao mesmo tempo.

CR – Quais são seus próximos objetivos?
FM – Entre os dias 3 e 15 de novembro estarei no Nepal, onde correrei a Everest Trail Race. Será minha primeira prova em estágios, somando 160 km e 29 mil metros de desnível acumulado (positivo e negativo) em cinco dias ao redor do Everest. Também farei mais um projeto pessoal "White Flow" pelo Himalaia. Pensei que faria apenas o "White Flow Brasil – Favela da Rocinha", no Rio de Janeiro, este ano, mas uma amiga me pediu ajuda para apoiar a Fundação Montanhistas pelo Himalaia (organização fundada em 2002 no Condado de Andorra, com o objetivo de reunir esforços da comunidade montanhista para promover projetos de educação básica na região do Himalaia). Após a ultra pelo Everest, seguirei correndo de Kathmandu a Kailash, onde está localizada a fundação. Espero ajudar essas crianças nepalesas com "White Flow Nepal". (NR: A escolha da Rocinha ocorreu porque Fernanda fez capoeira durante quatro anos dentro da favela, que ficava ao lado da casa onde morava e aos 18 anos ministrava aulas de capoeira para as crianças do local. Após a ação da polícia na comunidade, ela quis mostrar que é possível caminhar ou correr dentro da favela, revelando uma perspectiva diferente para as crianças de lá.)

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