Notícias do corpo – Luiz Carlos de Moraes – lcmoraes@compuland.com.br – JULHO 2009
Um dos rótulos mais enraizados na musculação talvez seja a questão de quantas séries deve-se treinar para aumentar a força física ou promover a hipertrofia muscular. Quando alguém pergunta isso costuma logo ouvir a resposta: Faça três séries de dez repetições com intervalo de um minuto e meio. É como se fosse uma receita de bolo, sem nenhum questionamento. Até para a resistência muscular localizada, que é o que os corredores mais visam, não falta quem indique três séries de 15, 20 ou mais. Por que três e não duas?
O músculo não tem um contador para encerrar o exercício na décima repetição, na terceira série ou torneirinhas para regular a liberação de produtos químicos provenientes da contração muscular. Cada corpo responde de um jeito ao estímulo de uma carga de exercício e isso depende de vários fatores tais como informação genética, sexo, idade, objetivo específico de cada modalidade esportiva e intimidade com o exercício, o que também depende dos anos de experiência. O rótulo ainda é tão forte que para algumas pessoas pode parecer que se o sujeito fizer duas séries não adianta nada. Ledo engano.
O grau de hipertrofia e/ou o ganho de força pode ser determinado pelo tempo em que o músculo fica submetido a uma tensão considerável e suficiente para provocar a quebra do equilíbrio, com uma reação orgânica disposta a gerar novamente o equilíbrio, desta vez mais resistente à tensão que provocou a quebra inicial da homeostase. Esses dois processos, de degradação dos tecidos através da quebra do equilíbrio e de construção, são conhecidos respectivamente por catabolismo e anabolismo. Se a tensão é maior que o organismo pode suportar, temos perda de massa muscular, catabolismo. Se o organismo pode suportar e reagir, temos aumento dos músculos, anabolismo.
Verdades e verdades
A musculação talvez seja a área da Educação Física onde mais exista discussão, cada um com suas verdades. Só que em se tratando de corpo humano não existe verdade absoluta. O que dá certo para um pode ser um desastre para outro. Muitas teorias e métodos existem, mas todas acabam partindo dos estudos de Verkhoshansky (2000), Poliquin (1997) e Kraemer (1990), concluindo que o fator mais importante para a hipertrofia é o tempo de estímulo sobre o músculo, capaz de produzir respostas hormonais ou geração de líquidos entre os espaços das fibras musculares, que de alguma forma aumentem o volume dos músculos.
Tempo sob tensão significa falar também em repetições, que executadas em diferentes velocidades na contração e na extensão produzem diferentes resultados. Traduzindo: o músculo pode crescer porque as fibras musculares cresceram, tornando-se mais fortes ou os espaços entre as fibras se encheram de líquidos que têm a função de regeneração da própria fibra muscular. Sendo assim, como dito acima, qualquer tensão exercida contra o músculo que provoque desequilíbrio será capaz de induzir uma resposta que conduza à hipertrofia ou aumento da força.
Um estudioso no assunto chamado Bergerm, um dos primeiros, em 1962, a questionar qual o número de série ideal, concluiu que a execução de série maior que um por exercício já seria o suficiente para ganhos de força e massa muscular. Estudiosos que vieram depois combinaram várias séries e métodos, chegando à mesma conclusão, embora o assunto por si só não encerre a discussão. Na verdade, tudo depende do objetivo e para quem é o treinamento. Existem bons trabalhos com grupos de mulheres na terceira idade fazendo musculação com duas séries de 10 repetições em cada exercício, cujo resultado foi o ganho de massa muscular bastante significativo.
Esteira e musculação
Hoje as pessoas não têm tempo de ficar horas na academia fazendo musculação. Nesse caso duas séries alternando os segmentos corporais desenvolvem a massa muscular e o sistema cardiovascular, por trabalhar sem descanso entre as séries. Os corredores não costumam gostar muito de musculação, embora hoje reconheçam a necessidade desse trabalho complementar tão importante para o desempenho da corrida. As possibilidades de conjugar a musculação com a corrida são inúmeras se na academia o corredor tiver disponível os aparelhos de musculação e bem próximo uma esteira. Ele faz quatro ou cinco exercícios em duas séries ou até mesmo uma, vai para esteira, volta para a musculação, faz mais alguns exercícios e assim vai. Pode ser feito também o circuito, método que já abordamos em edições anteriores.
Existem trabalhos publicados concluindo que até mesmo uma série de dez repetições, nesse caso com carga pesada, é possível causar abalos na estrutura bioquímica capazes de promover a hipertrofia. A justificativa seria o recrutamento de um número maior de unidades motoras o que não aconteceria com três séries de dez repetições porque a pessoa de alguma forma sabota, poupando-se para agüentar as três. Isso também é adequado para quem, por exemplo, está precisando reforçar um determinado grupo muscular ou segmento corporal (braços ou pernas) e não tem paciência para ficar fazendo um monte de séries e repetições.
Para o corredor que pouco gosta de musculação isso também funciona, desde que faça um bom aquecimento na esteira e depois uma série de dez repetições mais pesada de cada exercício, alternando os segmentos. Quem prefere resolver tudo no mesmo dia dá para treinar a corrida e a musculação porque o trabalho muscular nos braços e tronco não sofre interferência da corrida. Já nas pernas, se a corrida for de média a forte intensidade, a musculação deve ser com carga leve. Só poderá ser forte se a corrida for leve. Aí alguém perguntaria: Eu posso pegar pesado nos braços e tronco e leve nas pernas? Sim; tudo depende da intensidade da corrida. Estudos bem conduzidos dão conta que a fadiga residual decorrente do treinamento anterior impede a execução de exercício de força em sua plenitude no mesmo grupo muscular. Mesmo usando recursos ergogênicos (ingestão de carboidratos ou qualquer outro suplemento), a musculatura não responderá satisfatoriamente.
Boxe
Um pouco de cada, na academia
Para quem acabou de correr uma maratona, treinando basicamente na esteira, e não gosta muito de musculação, preferindo fazer tudo num dia só, segue um plano de treinamento para ser seguido durante a semana. Às terças e quintas-feiras a idéia é correr 15 minutos na esteira, depois executar exercícios destinados aos braços e tronco, que são o voador, a remada, o abdominal, a rosca bíceps, abdominal infra ou lateral, a rosca tríceps, a puxada pela frente e o desenvolvimento, com 10 repetições e sem intervalos.
Depois corre mais 15 minutos na esteira e faz exercícios para as pernas: extensão do joelho, flexão do joelho, extensão dos pés, adução e abdução de quadril, em série única de 12 a 15 repetições. Encerra com nova corrida de 15 minutos na esteira.
Quem correu alguma ou algumas maratonas no primeiro semestre precisa recuperar a musculatura. Esse plano serve para quem esteja fazendo uma transição para agora participar de meias maratonas, eventualmente uma maratona até setembro, para depois se preparar para a São Silvestre.
Observações:
1) A corrida na esteira está sendo sugerida de 15 minutos, mas nada impede que seja de 10 minutos;
2) Os exercícios para os braços e tronco podem ser pesados o suficiente para executar as séries com certa dificuldade.
3) Já a carga para as pernas, levando em consideração a corrida, deve ser leve em série única de 12 a 15 repetições.
4) O treinamento total das terças e quinta-feiras está estimado em 70 minutos considerando as três corridas de 15 minutos. Pode ser diminuído para 60 minutos fazendo três corridas de 10 minutos ou duas de 15 cortando a última. Na planilha 45 minutos de corrida se refere à soma das três de 15 minutos.
5) Os Intervalados das quartas-feiras estão sugeridos por tempo porque nenhuma esteira tem metragem, seja em milhas ou km, tão específica para sugerir fazer tiros de 300 metros etc. Portanto, os tempos são para fazer forte e foram calculados mais ou menos de 300 a 2000 metros. Os intervalos entre os tiros são 40 a 90 segundos trotando em velocidade fraca ou caminhando se for preciso.
Plano para 4 semanas
Legenda: Descanso D; Corrida Média Distância + Musculação MD/MUS; Intervalado IT; Corrida fraca + Musculação FR/MUS; Corrida Curta Forte CF; Longão L.
Semana | Seg. | Ter. | Qua. | Qui. | Sex. | Sab. | Dom. |
D | MD/MUS | IT | FR/MUS | CF | FR | L | |
1ª | – | 45 min. Corrida | 5 x 70 segundos | 45 min. Corrida | 3 km | 30 min | 14 km |
2ª | – | 45 min. Corrida | 7 x 70 seg. | 45 min. Corrida | 3 km | 30 min | 16 km |
3ª | – | 45 min. Corrida | 4 x 2 min. | 45 min. Corrida | 4 km | 35 min | 18 km |
4ª | – | 45 min. Corrida | 6 x 2 min. | 45 min. Corrida | 4 km | 45 min | 20 km |
Recebi muitas notícias de corredores que completaram maratona treinando durante a semana na esteira e fazendo o longo de domingo na rua, seguindo a matéria publicada na CR de março, mostrando ser plenamente viável essa opção.