Maratonando Releitura Fernanda Paradizo 20 de outubro de 2023 (0) (216)

“Treinei muito para vencer em Nova York. Não sou azarão!”

MATÉRIA DE CAPA – DEZEMBRO 2008

Marílson Gomes dos Santos conta, para Fernanda Paradizo, em detalhes, a sua estratégia na corrida e como conseguiu arrancar no último quilômetro, ultrapassar o marroquino e vencer com 2:08:43.

O que representa vencer pela segunda vez em Nova York? Qual a diferença em relação a 2006?
Na primeira vez, não tinha noção do que isso significava. Não tinha noção do quanto essa vitória ia alavancar minha carreira. Dessa vez foi diferente. Eu já estava ciente disso. E eu queria muito vencer novamente aqui. Queira muito poder provar que não era um azarão. Não venci a primeira vez por sorte, como muitos pensaram. Com a segunda vitória, pude provar que tenho capacidade para fazer uma boa maratona e ganhar uma prova grande como esta. Ninguém ganha uma maratona por sorte ou acaso uma vez. Imagina duas. Meu objetivo era esse. Vencer novamente, ser reconhecido pelo meu trabalho, pelos meus treinos e pelo o que venho fazendo ao longo da minha carreira.

Você direcionou todo seu foco de 2008 para a maratona dos Jogos Olímpicos, mas as coisas não saíram como esperava. Como buscar motivação novamente para em tão curto espaço de treino voltar bem, em condições de lutar por um título tão importante com a Maratona de Nova York?
Quem corre maratona sabe que nem todo dia é um dia bom para o maratonista. Às vezes você treina, faz tudo certinho e as coisas dão errado, como aconteceu em Pequim. É preciso se acostumar com isso. Claro que eu queria ter corrido bem nas Olimpíadas. Eu não parei na maratona olímpica por causa da colocação; parei porque não tinha condições físicas de terminar a prova. Não acho que ganharia a prova, porque foi muito rápida, fora das minhas características, mas acredito que conseguiria uma boa colocação se tivesse num bom dia. Mas, se não acertei numa oportunidade, por que não posso tentar de novo? É disso que tiro minha motivação. Procurei focar numa outra prova e tentar novamente. Claro que a vitória em Nova York não substitui um resultado que poderia ter conseguido em Pequim. Imagino que vou lamentar isso por alguns anos ainda. Mas estou muito feliz por vencer novamente. É uma prova difícil e bem concorrida e ganhar pela segunda vez é um feito extraordinário.

Como foi sua trajetória pós-Olimpíadas e quando decidiu que faria Nova York?
Eu já tinha o convite dos organizadores, mas só resolvi que faria duas semanas depois de Pequim. O Adauto, meu treinador, me convenceu, até porque eu tinha feito uma preparação muito boa para os Jogos e achamos que era possível aproveitar um pouco dessa preparação, treinando em menos espaço de tempo que normalmente treino e ainda assim chegar bem para a prova. Descansei duas semanas depois da maratona olímpica e retornei aos treinos já visando Nova York. Fiquei ainda duas semanas treinando em Campos do Jordão para ficar um pouco afastado da cidade de São Paulo, onde o clima estava variando demais e teria que me deslocar muito para treinar. Campos é uma cidade mais pacata, as coisas são mais perto uma da outra. Fiquei mais lá pela tranqüilidade da cidade mesmo e consegui fazer ali excelentes treinos, sempre muito bem focado no meu objetivo. Fazia alguns treinos em altitude e descia a serra para fazer em Taubaté o trabalho de pista. Foi muito bom. Fui para o Mundial de Meia-Maratona, no Rio de Janeiro, com pouco tempo de treino e mesmo assim considero que fiz ali uma excelente prova. Isso me animou. Foi bom encaixar uma boa meia- maratona. A partir dali, comecei a pensar mais alto e acreditar que poderia chegar bem em Nova York. Em relação à rotina de treino, não mudei nada do que fiz para as Olimpíadas. Fiz a mesma coisa, apenas em menos espaço de tempo.

Você está aqui na entrega da premiação da World Marathon Majors e acabou de assistir a um filme destes dois anos do circuito. Você se viu ali no filme, vencendo em Nova York em 2006. Como você se sente fazendo parte dessa história ao lado de nomes tão consagrados no atletismo? O que lhe vem à cabeça quando você se vê ali?
Quando comecei a correr 42 km era na verdade isso que eu buscava. Deixei de correr algumas provas no Brasil porque queria correr maratona e estar entre os melhores do mundo. Estou conseguindo fazer parte dessa história e para mim isso é muito importante. Quando eu vejo um filme desses, sinto a sensação de dever cumprido e que eu posso chegar ainda mais longe. Não sei onde eu posso chegar. Não sei até quando, mas vou batalhar para estar sempre entre os melhores.

Você tem evoluído bastante nestes últimos anos e o resultado em Nova York, com um tempo apenas 5 segundos acima da sua melhor marca, comprova isso, ainda mais porque sabemos que é uma maratona difícil em relação a percurso. Conseguir um resultado tão bom em termos de tempo numa prova como esta lhe dá confiança para mostrar que pode ir mais longe?
Este meu resultado em NY mostra que eu tenho condições de correr mais rápido num percurso favorável. Saio dessa prova com a sensação de que minha real marca em tempo ainda está por vir. Eu posso correr muito abaixo disso.

Ao que você credita seu sucesso?
Ao treino. Não existe um bom resultado sem treino. Não existe milagre nesse tipo de atividade que faço. Se você não treina bem não tem como conseguir sucesso. O treino é 80% do atleta que quer melhorar o resultado. Claro que temos que contar um pouco com a sorte para estar bem no dia, mas só ela não basta. É preciso treinar muito e batalhar para chegar bem e ter condições de enfrentar os 42 km.

De onde vem a confiança para saber que você está bem para encarar uma prova como Nova York, por exemplo? Quais seus indicativos?
Os treinos são os principais indicativos. Embora eu tenha tido pouco tempo para me preparar para Nova York, isso até em função dos Jogos e da Meia do Rio, os treinos estavam muito semelhantes, com uma resposta muito parecida do que vinha fazendo em 2006, principalmente na parte final da preparação. É isso que me dá confiança. Cada treino que eu faço e percebo que melhoro, vou comparando com o que já fiz em situações similares, em certas competições e chego à conclusão de que posso correr bem. São os treinos que me dão, por exemplo, a confiança de, numa coletiva de imprensa, dizer que estou bem e vou correr com o objetivo de ganhar.

Na coletiva de imprensa você disse que era difícil montar uma estratégia para a prova, porque todos os atletas se conheciam muito bem. Muito dificilmente alguém ia deixá-lo escapar na Primeira Avenida, como aconteceu em 2006. Você disse que sua estratégia era se manter no pelotão da frente e também não deixar ninguém escapar. Como foi sua prova?
A estratégia foi me manter na frente todo o tempo com o grupo, não deixar ninguém escapar. No momento que o marroquino quis fugir, fui junto. Foi aí que abrimos uma certa vantagem do segundo pelotão. A prova passou a marca da meia num ritmo mais lento do que em 2006, porque estava ventando contra e fez muito frio o tempo todo. A partir do km 25, na entrada da Primeira Avenida, houve algumas tentativas de fugas. Depois de alguns ataques, pouco a pouco o grupo foi se desmanchando. Perto do km 35, só restaram eu e o marroquino, que nos alternamos na liderança. Tentei escapar primeiro. Por volta do km 37 km, ele conseguiu escapar e abriu cerca de 7 segundos, mas não me abati. Tentei alcançá-lo o tempo todo e consegui buscá-lo no último quilômetro.

Quando o marroquino abriu, o que veio à sua cabeça? Achava que podia ainda buscar? Quando percebeu que dava para buscar e quando achou que a prova já estava ganha?
Fiquei calmo. Nessas horas você tem que tentar de tudo. Se ele cansasse, eu buscaria. Do contrário, teria que me contentar com a segunda colocação. Quando percebi que ele estava olhando para trás o tempo todo, comecei a apertar para tentar buscá-lo o mais rápido possível porque percebi que ele estava cansando. E consegui isso a cerca de 1.200 metros do final. Passei por ele, dei uma olhada e vi que ele ficou. Não teve reação. Mas só senti mesmo o sabor da vitória depois que passei a linha de chegada, até porque já vi acontecer de tudo em final de prova.

Como vencedor da prova, você tem tido nestes dias uma agenda lotada. O que fez até aqui e o que fará daqui para a frente?
Depois que cruzei a linha de chegada, está sendo na verdade uma outra maratona. A agenda é lotada e sempre tem alguma coisa para fazer. Após a maratona, no domingo, fui assistir ao jogo de basquete do New York Knicks com o Milwaukee Bucks. Na seqüência, fui direto para a festa de encerramento da maratona. Eu e a Juliana (esposa) tivemos apenas uma três horas de sono. E hoje (segunda) já tinha pela frente logo pela manhã a abertura do pregão da Bolsa de Valores de Nova York. Depois de duas coletivas de imprensa, estamos aqui agora no almoço da premiação da World Marathon Majors e daqui vamos direto subir ao Empire State para tirar fotos lá de cima e poder ver a vista toda da cidade. Depois, nem sei mais o que vem pela frente. Apesar de cansativo, acho importante cumprir todos esses compromissos. É um retorno que podemos dar para uma prova que nos acolhe tão bem.

Quando você cumprir toda essa agenda, qual a primeira coisa que vai fazer?
Sigo amanhã, na terça, com a Juliana para a Disney. Já tinha programado isso. Vamos ficar cinco dias, conhecendo os parques em Orlando e tentar descansar o máximo para chegar ao Brasil bem, porque tenho certeza de que na volta terei uma terceira maratona pela frente. Depois do treino intenso da Olimpíada, acabei descansando pouco. Agora vou ver se consigo ter um período mais longo de descanso para no ano que vem começar o primeiro semestre já com força total.

Intervenção da Juliana: Dia 9 de novembro, faremos seis anos de casados. Poder conhecer a Disney, ainda que em curto espaço de tempo, não deixa de ser uma comemoração.

Já tem em mente o que vai fazer daqui para a frente?
Vou descansar, tirar umas férias, avaliar minha condição física e, quando voltar, quero ver como vou reagir depois da maratona. Se estiver bem, volto na seqüência aos treinos. Existe uma pequena possibilidade de fazer a São Silvestre, mas é mais provável mesmo que meu objetivo principal seja apenas no ano que vem mesmo. Devo fazer uma maratona no primeiro semestre e uma no segundo. Ainda não está decidido qual será.

Todo mundo sabe que um corredor não consegue ir muito longe sem um bom par de tênis. Principalmente um maratonista, que tem que acumular quilometragem nos pés. Qual o modelo de tênis que fez parte da sua temporada de treino para chegar bem em NY?
Desde a primeira vez que treinei com o Pegasus (da Nike) já gostei de cara. Faço a maior parte das minhas rodagens com ele. É um tênis que amortece bem e protege as articulações, não deixando dolorido. Gostei desde o primeiro contato com ele. Já há algum tempo venho usando o Pegasus. Uso em toda rodagem, seja ela curta ou longa. É um tênis resistente. Demora um tempo maior para acabar do que os de competição. Mesmo assim, procuro sempre alterná-lo nos treinos, para não usar só um par. Gosto de deixar a borracha dele normalizar, voltar ao normal. Geralmente tenho três pares em uso, que dura uma preparação toda para uma maratona.

E que modelo de tênis o conduziu à vitória em Nova York?
Corri com um Nike Katana. É um modelo antigo que pedi para a Nike, porque me adaptei bem com o tênis. Comecei a usá-lo quando fui para Campos do Jordão. Fiz poucos treinos com ele, até porque esse tênis tem menor durabilidade. Fiz alguns treinos de pista. Procurei não usar muito antes da prova para que ele estivesse no ponto certo. Dei apenas uma amaciada para que pegasse o formato do meu pé, adaptasse à pisada e já estivesse pronto para a maratona. A trajetória dele terminou no domingo. Agora ele está guardado, ainda com o chip da corrida e junto com o número de peito, como o da maratona de 2006.

Acabamos de subir no Empire State e você pode ter uma dimensão de toda essa cidade que o projetou. O que achou?
Foi muito legal. Quando estamos em Manhattan, temos muito a visão do concreto, por causa dos prédios muito altos. De lá de cima, deu para ver tudo, que Manhattan é uma ilha, e perceber toda a dimensão dessa cidade.

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