21 de setembro de 2024

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Notícias admin 10 de março de 2015 (0) (199)

Sub 3h na Maratona de Paris

A maratona de Paris passou a fazer parte do meu imaginário bem antes da minha decisão de praticar corrida de rua. Um grande amigo havia completado o primeiro Ironman Brasil e eu me via no auge do sedentarismo. Sem nenhum exagero, passei duas noites sem dormir direito, apenas tentando definir quem estava louco: se o meu amigo ou eu! Decidi assumir a minha loucura e iniciei o contato com a corrida de rua. Tudo isso ocorreu no primeiro semestre de 2009.
Paris sempre foi o grande sonho de turismo da minha esposa e eu queria correr uma maratona; já pensava nos 42 km antes mesmo de completar o primeiro treino! A meta era fazer a maratona no ano em que eu e minha esposa completássemos 10 anos de casados. Portanto, seria em 2010. Infelizmente, por questão de data, apenas um tempo depois fui verificar que a Maratona de Paris ocorria sempre no primeiro domingo de abril e acabei estreando nos 42 km no Rio de Janeiro, com o tempo de 3h23. A nossa comemoração de 10 anos, por ser em agosto, me ofereceu a Maratona de Berlim no final de setembro de 2010 como presente! Em Berlim corri em 3h08.
Para Paris ficou a responsabilidade de me permitir a entrada no clube dos maratonistas sub 3 horas. Para fechar os meus 40 anos, a prova seria no dia 7 de abril e o meu aniversário é no dia 8; não queria nada mais de presente, apenas esse resultado.
Todo o planejamento para esta meta começou após a Maratona de Porto Alegre de 2011. Havia treinado direitinho para a minha terceira maratona, que completei em 3h02. Apenas uma questão não estava programada: na volta aos treinos, depois de um período de repouso e transição, acabei me lesionando duas vezes consecutivamente. Primeiro uma fratura por estresse e depois uma condromalacia patelar no joelho direito. E assim todo o segundo semestre de 2011 foi voltado para recuperação das lesões.
Durante essa fase ia planejando os passos seguintes. Foi um período complicado, mas ao mesmo tempo muito importante para o que veio a ocorrer durante 2012 e agora em 2013. A primeira decisão tomada foi buscar apoio profissional, no caso do treinador Marcelo Camargo. A segunda foi que deveria começar tudo novamente, ou seja, fazer os 10 km em menos de 40 minutos, depois a meia-maratona em menos de 1h24, marcas que habilitam uma maratona sub 3 horas.

10 KM E MEIA RÁPIDOS – Para minha sorte, a revista Contra-Relógio criou o desafio 10 km sub 40. Era tudo o que eu precisava para aquele momento. Retomei os treinos em janeiro de 2012 e conquistei o sub 40 em maio, 20 semanas após o meu retorno à corrida. Tudo caminhava na direção certa já que a meta com relação à meia-maratona foi conquistada duplamente nos meses de setembro e novembro. O sinal verde para a busca da maratona sub 3 horas estava dado.
Especificamente para a Maratona de Paris foram planejadas 15 semanas de treinamento. Ainda no período de Natal e Ano Novo deveria começar a treinar em busca da tão sonhada marca. Devido às festas, o meu primeiro objetivo seria perder os 3 quilos adicionais que haviam sido adquiridos. Agora, com os treinos encerrados, foram totalizados 836 km. Na semana de maior volume eu rodei 66 km, fazendo um rodízio de 3 pares de tênis. O foco dos treinos sempre foi a qualidade e não a quantidade. Dessa forma, intervalados intensivos e extensivos foram presença constante na planilha. Com isso, consegui melhorar, e muito, a minha marca nos 10 km. Na minha única prova oficial dentro da preparação para a maratona, completei os 10 km em 37:39.

MUITO FRIO EM PARIS – Minutos antes do nosso pouso em Paris, a tripulação já anunciava: 1°C. Bem menos do que eu gostaria. Treinamos no verão brasileiro para as maratonas do primeiro semestre. Nos habituamos ao calor, nos adaptamos a ele, para depois sermos literalmente congelados em terras estrangeiras. Por um lado é bom, parece que a gente corre mais fácil, sente muita pouca sede ao longo da prova. Por outro, é preciso usar acessórios a que não estamos acostumados e até mesmo não usamos nos treinos: gorro, luva, manguito. Ao se deslocar pela cidade, nos dias que antecederam a prova, foi preciso estar extremamente bem agasalhado. Eu usava duas calças, quatro blusas, luva, cachecol. Um exagero, por precaução!
A feira da maratona foi realizada no Parc des Expositions de la Porte de Versailles. Um local amplo, que oferece totais condições para realização do evento. Assim como todo e qualquer outro lugar da capital francesa, chegar lá é extremamente fácil. De metrô é muito rápido. A primeira providência foi entregar o atestado médico exigido e rigorosamente verificado pela organização. Logo após, coletar o número de peito. E este já vem com duas etiquetas afixadas em seu verso: o chip de cronometragem da prova. Feito isso, fui efetuar a troca da minha posição de largada. No momento da inscrição, sem necessidade de comprovação, me inscrevi na baia dos atletas que pretendiam completar a prova na casa das 3 horas. Mas como o meu plano era completar abaixo disso, fui buscar a posição de largada "Priority", destinada aos que pretendem completar a prova em menos de 3 horas, e podem comprovar, por meio de certificado de outras provas, tal capacidade. Tudo muito simples e rápido, meu número de peito foi carimbado: "sas preferentiel".
Aos poucos, dia após dia, fui percebendo que Paris tem total conhecimento da realização da prova. Conversando com um ou outro, isso pode ser notado. Apesar de não haver muita utilização de mensagens gráficas nas ruas da cidade: banners, faixas, cartazes. Apenas nos túneis de acesso ao metrô pude ver tais anúncios. Mas é certo: os franceses valorizam muito a realização do evento.

BANHEIROS ABERTOS – No primeiro dia que estive em Paris o frio foi intenso, com direito a chuva fina no final da tarde. Na sexta-feira o frio deu uma trégua, e renovou as esperanças para um domingo de temperatura agradável. Mas no sábado o frio retornou bem intenso. No dia da maratona, 7 de abril, céu limpo, sem nenhuma nuvem no céu. O sol brilhou para todos os maratonistas e os bons presságios começaram a ser recebidos!
Segui para a largada com um pensamento bem positivo. Passei no guarda-volumes e lá deixei a roupa que deveria usar após completar a prova. E fui para a minha baia trajando uma capa de plástico cedida pela organização da prova e dois cobertores descartáveis. Um ponto a ser destacado é a utilização de banheiros químicos sem porta, de uso apenas masculino! Três atletas homens podem utilizar o "banheiro químico" simultaneamente para aliviar as suas necessidades mais básicas. E isso sem porta! Esses europeus e suas liberdades!
Rapidamente entrei na minha baia de largada. Lá encontrei outros atletas de Belo Horizonte, a turma da HF Assessoria premiada no circuito Golden Four Asics de 2012: Adriana Coelho, Maria Clara Castro, o treinador Heleno Fortes e a atleta Juliana Caixeta. Logo iniciamos o aquecimento e a preparação dos últimos detalhes. Estava com a fantasia completa: tênis, duas meias, bermuda térmica, camiseta térmica por baixo da camiseta da prova, luva, manguito, gorro.
Aos poucos durante o aquecimento o frio foi passando. Dada a largada da prova para os cadeirantes e demais atletas portadores de necessidades especiais, a emoção tomou conta, ansiedade a mil. Faltavam apenas 15 minutos. Rapidamente o tempo passou e foi dado o tiro de largada. Descemos a Champs-Élysées, passamos pela praça Concorde e seguimos pela Rua Rivoli até a Praça da Bastilha. Ali estava completado o km 5 da prova. Na Bastilha também ocorreu o primeiro grande encontro com o público. Cheguei a este ponto num ritmo bem mais intenso do que eu pretendia, a 4 min/km. Segui em frente e já no km 6 a luva foi retirada e no 7, o manguito. Como a meia de compressão já tinha arriado antes do segundo quilômetro, não fosse pela presença do gorro, eu estaria correndo como se não houvesse planejado nenhuma proteção extra para a baixa temperatura.
Antes do décimo quilômetro o percurso adentra no parque Bois de Vincennes, e nesta parte a passagem em frente ao enorme e maravilhoso castelo Château de Vincennes é um momento único. Um momento para refrescar a mente e começar a correr de volta ao centro de Paris. Ainda dentro do Bois de Vincennes passamos por uma descida de baixa inclinação, porém razoavelmente longa. É preciso controlar bem o ritmo e não exagerar na dose. Ao sair do parque, já estamos no km 19. Mais um pouquinho completa-se a meia-maratona e entre o km 22 e 23 reencontramos a Praça da Bastilha; agora a direção a ser tomada é a do Rio Sena.

AO LADO DO SENA – Correr às margens do rio é revigorante, e ao lado dele vamos até o km 31. Porém, neste trecho do percurso acontece a passagem por dentro de um túnel e sob algumas pontes que cruzam o rio. Assim, a altimetria torna-se bastante variada, o que acaba gerando modificações de ritmo de corrida a todo momento, incrementando a dificuldade da prova. Ainda neste trecho, passamos perto de alguns dos monumentos mais famosos de Paris: Catedral de Notre-Dame, Museu d'Orsay, Grand Palais e nada mais nada menos do que a Torre Eiffel.
Abandonamos o curso do Rio Sena e começamos a batalha dos 10 km finais. Agora é que a maratona realmente começa. O preparo físico já não é mais tão importante, o que faz mesmo a diferença a partir deste ponto é a condição mental. Entramos no parque Bois de Boulogne para correr os 9 km finais. A visão das placas dos km 41 e 42 é pra lá de emocionante. O sprint final em frente ao público que nos espera na linha de chegada tem contornos de puro heroísmo! Fechei com o tempo oficial de 2:51:17. Poderei comemorar o meu aniversário de 41 anos com a consciência tranquila de quem atinge um objetivo planejado.
A organização da prova foi perfeita, marcação de distância a cada quilômetro e a cada milha, disponibilidade de relógios com o tempo bruto da prova a cada 5 km, hidratação na medida certa, posto com isotônico no km 22, entrega da camiseta de finisher na linha de chegada e a colocação da medalha no pescoço com todas as honras que um maratonista merece.

NÚMEROS DA PROVA – Antes da feira da prova, o site oficial da Maratona de Paris divulgou o número de atletas registrados para a corrida: 52.130. No momento da largada o sistema de som confirmou um número de inscritos superior a 50 mil. Mas o que vale mesmo é que oficialmente 40.108 atletas largaram para a 38ª Maratona de Paris e 38.690 concluíram. Assim sendo, passa a ser a segunda maior maratona do mundo em total de concluintes, perdendo apenas para a Maratona de Nova York de 2011, com 46.759.
O queniano Peter Kimeli venceu em 2:05:38 e levou para casa 50 mil euros. A etíope Feysa Boru venceu com o tempo de 2:21:05 e ainda quebrou o recorde da prova, embolsando 60 mil euros.

Leonardo Mesquita é assinante de Belo Horizonte.

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