20 de setembro de 2024

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Sem categoria admin 10 de novembro de 2014 (0) (166)

E para completar, uma maratona

Eles terminam uma maratona em tempos pouco acima de 3h, o que, por si só, já é um bom resultado. Porém, esses 42 km são completados após 3,8 km de natação e 180 km de ciclismo, o que torna a performance uma verdadeira raridade no Brasil entre atletas amadores. Estamos falando do paulistano Vinícius Stucchi, 35 anos, e do santista Alex Sandro Barbosa, 39 anos, triatletas e corredores experientes. Ambos se destacam nas provas de Ironman. Vinícius fez seu melhor Iron no Brasil, em 2011, com o tempo de 9:12:57, 25° lugar no geral, e Alex teve seu melhor desempenho em 2012, na África do Sul, com 10H17 e 5º lugar na categoria. Quando enfrentam "apenas" uma maratona, os tempos despencam. Vinícius completou a Maratona de Chicago em 2h39 e Alex Sandro fechou a de São Paulo em 2h50.
As diferenças entre os 42 km "normais" e os da maratona do Ironman são absurdas, na opinião de Stucchi. "Considero a maratona do Iron uma prova de superação primeiramente mental, e depois física, pois você nunca vai correr aquilo que treinou. Por exemplo, se eu fizer todos os treinos longos na preparação para o Ironman no ritmo de 3,58 min/km, nunca vou correr a maratona no dia neste pace. Já em uma maratona pura, o desafio é físico em primeiro lugar, depois mental. Nela você consegue repetir o ritmo dos treinos ao se preparar corretamente e às vezes consegue correr até mais rápido que nos treinamentos, algo que nunca vai acontecer no Iron", explica.
Para mostrar essa diferença, ele compara sua melhor maratona com a etapa de corrida no Ironman: "Sofri muito fisicamente para completar em 2h39 em Chicago. Corri o tempo todo com o coração na boca, mas acho que o desafio mental só começou depois do km 27, quando tudo passou a me incomodar. No Ironman, a sensação de coração na boca não é tão forte, porém a dor vem já nos primeiros quilômetros e você tem que superar e entender que ela não vai passar, mas não vai lhe impedir de correr, ou seja, a mente tem que lhe empurrar para frente, pois o físico já está em frangalhos. Existem atletas não tão rápidos nos 42 km, mas que fazem boas maratonas de Ironman simplesmente por tolerarem o sofrimento e a dor. Para o triatleta, uma maratona no Iron é sofrimento do começo ao fim, seguido de superação total ao final".
Alex Sandro também considera a maratona do Ironman "um verdadeiro massacre" e a etapa mais difícil da prova. "É coisa pra louco. Aqui não existe fórmula mágica. O Ironman não é o tipo de prova que você faz para completar. Lá, você pode se machucar seriamente. Então, meu conselho para quem quer correr bem a maratona é: treine muito! Foco na bike, pois um bom desempenho no ciclismo vai te deixar mais inteiro pra corrida", garante.

MENOS VOLUME E MAIS CANSAÇO – O mais importante, em termos de treinamento, segundo Stucchi, é treinar cansado. "Todo triatleta tem que aprender a correr cansado. Você nunca correrá uma maratona de Ironman inteiro, portanto não adianta selecionar o melhor dia da semana para treinar o longo. Em minha opinião, o treino longo de corrida deve ser o último da semana, com toda a sobrecarga de treinos. Em segundo lugar, recomendo treinar muita velocidade. Faço pelo menos um treino muito forte de pista na semana. Apesar de a maratona do Iron não ser uma prova rápida, o treino de pista forte nos deixa mais ‘econômicos' e isto é importante para guardar energia até o final da prova", aponta.
Sem dúvida, a corrida é a fase mais difícil para um triatleta, pois ele enfrenta a sobrecarga das etapas anteriores, além de possíveis erros de hidratação e suplementação durante a prova. Como o atleta tem que treinar as três modalidades, os volumes dos treinos de corrida caem mais da metade. "O total semanal de um atleta competitivo que está se preparando para uma maratona pode chegar a 200 km/semana. É quase impossível treinar esse volume durante a preparação para um Ironman. No meu pico de treino chego a correr, no máximo, 60 km/semana, que devem ser muito bem aproveitados, sem margem para erro. Você deve sempre incluir treinos de velocidade e resistência. Tudo isso para lhe deixar apto a correr muito próximo do ritmo de uma maratona pura", afirma Alex Sandro, que aponta ainda o fator impacto na corrida: "Natação e ciclismo, dentro de um Ironman, são bem desgastantes, mas não são esportes de impacto. Toda musculatura das pernas e articulações é colocada à prova durante a maratona".
Segundo o atleta, pelos resultados apresentados nas maratonas de Ironman, existe um pequeno grupo que consegue correr a prova abaixo de 3h20. "Isso demonstra que boa parte dos atletas realmente sofre na corrida, seja por questões físicas ou psicológicas. Além disso, o desempenho ainda é prejudicado porque o triatleta inevitavelmente desenvolve outros grupos musculares que o deixam um pouco mais pesado", explica.

ÊNFASE NA TRANSIÇÃO – O preparador físico Diego Lopez, 38 anos, corrobora essa informação. Dono de uma assessoria esportiva em São Paulo, a Trilopez, ele afirma que entre seus atletas que competem no Ironman nenhum deles completou a maratona sub 3h15 e os melhores tempos vão até 3h30. Já entre os maratonistas, a assessoria conta com mais de 10 atletas sub 3h. Ele aponta uma regra geral no triatlo: em provas curtas de Sprint e Olímpico, a natação tem um peso grande; em provas longas de Meio Ironman e Ironman, a corrida é que é a mais importante. Mas em todas o ciclismo interfere bastante no resultado final.
Isso leva a uma fórmula que é o segredo do bom desempenho dos triatletas: treinar intensamente a transição do ciclismo para a corrida. O treinador de Vinícius Stucchi e Alex Sandro, Emerson Gomes, sócio da MPR Assessoria Esportiva, diz que apesar do atleta que corre bem levar vantagem, é importante considerar que um bom desempenho na maratona de um Ironman depende em sua maior parte de como foi a qualidade da etapa de ciclismo. "Por isso, muitas vezes, a melhor forma de melhorar o desempenho na maratona de um Iron é se dedicar bastante ao ciclismo para conseguir sair mais ‘inteiro' para a corrida", reforça.
Correr depois de pedalar exige adaptações do atleta, assim como acertar o ritmo ideal no ciclismo. Uma etapa de ciclismo muito forte interfere negativamente no desempenho da corrida. "Seja consciente com o ritmo na bike, elabore um bom plano de hidratação e alimentação e o siga à risca, pois quanto mais desgastado, mais difícil será correr a maratona", avisa Stucchi.
Aos 52 anos, a atleta santista Regiane Garcia, que pratica triatlo desde 1993 e já completou cinco Ironman, garante que a transição é o segredo para educar corpo e mente a superarem o que ela chama de "momento tão doloroso". "Quando já estou na casa das sete horas de prova, surge uma maratona para finalizar. Neste momento, em que suas pernas estão ainda no giro do pedal, inicio bem lentamente os primeiros passos da corrida até que meu corpo se adapte à nova postura e mecânica desta etapa", afirma. Para Regiane, que em sua última prova fechou a maratona em 4h35, fatores como vento forte e calor intenso na etapa do ciclismo podem comprometer o desempenho na corrida. "Um ciclismo muito acima do planejado vai cobrar um preço alto na corrida, levando a um ponto de ser necessário andar, o que em uma prova de longa duração pode ser fatal para o fator psicológico", explica a atleta.
Diego Lopez dá um conselho para os atletas que sonham completar um Ironman: "Façam uma maratona antes". Além disso, como a mudança principal está em treinar longas transições para acostumar o corpo a correr após pedalar, sugere na primeira semana 60 km de pedal + 15 km de corrida, na semana seguinte 80 km de pedal + 20 km de corrida, e assim até completar 180 km ou 200 km de pedal + 32 a 36 km de corrida. Para Alex Sandro, que iniciou nas corridas ainda no serviço militar e está desde 2004 no triatlo, um bom corredor de maratonas não terá dificuldades em correr no Ironman. "Basta se preparar bem nas outras modalidades e tirar vantagem na corrida, onde normalmente os outros atletas sucumbem", garante.

O que comer para se
dar bem nos 42 km finais
A alimentação é fator crucial no desempenho do triatleta na corrida. "Você começa a correr 6 ou mais horas após iniciar uma atividade física intensa. E é durante este tempo que você tem que planejar bem o que vai consumir. Isso também deve ser treinado durante a fase de preparação. É quando você testa quais alimentos lhe caem bem. Percebo que ainda existem atletas que testam alimentos durante a prova e acabam comprometendo seu desempenho na corrida. Ou porque o ‘tanque esvaziou' ou porque estão com o estômago cheio", avisa Alex Sandro.
O treinador Diego Lopez acredita que um dos principais problemas em maratonas de Ironman ocorre quando o triatleta exagera no ritmo do ciclismo e acaba vomitando todo o alimento ingerido nessa etapa durante a corrida. A sobrecarga na bike acaba fazendo com que o organismo não consiga digerir o alimento. Isso deixa o atleta fraco para enfrentar os 42 km.
A nutricionista esportiva Anna Lou Hathaway, de Brasília, aponta as diferenças entre a alimentação na maratona pura e na do Ironman. "Não se compara uma pessoa correr ‘só' 42 km e outra que tem que correr estes mesmos 42 km já desgastada após nadar e pedalar. Mas as duas têm basicamente a mesma alimentação e hidratação. A grande diferença está no ciclismo", afirma.
É nesta etapa que a maior parte da alimentação acontece, pois é quando há mais conforto para consumir alimentos sólidos e/ou salgados como batata, pão, frutas e barrinhas, de forma a variar o consumo do gel de carboidrato, pois alimentar-se só de gel durante um Iron inteiro pode enjoar. "Incluir alimentos salgados ajuda a repor as perdas da natação e o que está sendo consumido no ciclismo, de forma a chegar com energia para a corrida", acentua Anna Lou.
No entanto, quando chega a etapa da maratona, não há como fugir muito do gel ou das jujubas de carboidrato, assim como em uma maratona normal. "É muito complicado comer algo diferente disso correndo. Pode trazer desconforto gástrico. Durante provas de Iron são oferecidos alimentos na corrida como frutas, sopa, refrigerante à base de cola. E às vezes os participantes tomam sim, mas não é exatamente a melhor orientação", enfatiza a nutricionista.

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