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Lesões no tendão de Aquiles

Fisioterapia – Alessandra Arkie e Kenia Guerra Baumann – Setembro 2007

Uma lesão no tendão de Aquiles é muito comum, principalmente quando falamos de um esporte como a corrida, que tanto solicita a função do músculo da panturrilha. Estima-se que 11% de todas as patologias que acometem corredores estão relacionadas ao tendão de Aquiles.

Ele é um grande e calibroso tendão que se localiza atrás do tornozelo (figura 1), ligando os músculos da panturrilha (sóleo e gastrocnêmio) ao osso do calcanhar (calcâneo). Ele fornece força na fase de impulso da passada (ciclo da marcha), pois sua função é levar a ponta do pé para baixo, ou seja, nos ajuda ficar na ponta do pé (flexão plantar) ou saltar.

É formado por um tecido inelástico, composto, na sua maior parte, por colágeno, porém é pobre em suprimento sanguíneo. São as fibras colágenas que dão resistência às trações sofridas pelo tendão.

Durante a corrida ou atividades que incluem saltos, o tendão de Aquiles sofre forças de tensão repetidas por contração e estiramento dos músculos da panturrilha e isso pode facilitar o aparecimento de lesões por falta de oxigênio (hipóxia).

Uma lesão no tendão de Aquiles pode causar desde um processo degenerativo ou inflamatório até uma ruptura que pode ser parcial ou total. Uma inflamação no tecido que envolve o tendão é chamada de paratendinite. Já a inflamação ou degeneração sofrida pelo próprio tendão é conhecida popularmente como tendinite de Aquiles (atualmente conhecida por tendinose de Aquiles).

Tendinose é o termo mais adequado para descrever o processo degenerativo que ocorre no tendão, pois estudos comprovaram que, numa lesão, o processo inflamatório é ausente ou insignificante, predominando a degeneração. A inflamação, se ocorrer, é mínima e nos primeiros dias de lesão apenas. Por este motivo, o termo “tendinite” está sendo substituído por “tendinose”. Esta pode ser considerada aguda ou crônica, de acordo com o tempo de permanência dos sintomas. Já a ruptura pode ser total ou parcial, que é quando parte das fibras são lesadas.

 

 

Sinais e sintomas

 

Os sintomas podem acometer somente um lado ou bilateralmente. A dor geralmente se localiza de 2 a 6 cm acima do calcanhar.

Como estamos falando sobre lesões do tendão de Aquiles e estas incluem desde um processo inflamatório numa fase inicial até uma lesão completa do tendão, é importante salientar que os sintomas podem ser parecidos, apesar das lesões se diferenciarem, como nos casos das tendinoses e rupturas parciais. Por isso, é importante a consulta com um médico ortopedista para que seja feito um diagnóstico correto e um tratamento adequado.

No caso de uma lesão aguda os sintomas se manifestam com as seguintes características:

  • Dor no tendão durante os exercícios. Melhora com o repouso. A dor aparece gradualmente durante os exercícios, podendo até diminuir ou desaparecer ao longo da corrida.
  • Edema (inchaço) sobre o tendão.
  • Vermelhidão sobre a pele, no local da lesão.
  • O atleta pode sentir um rangido quando pressiona seu dedo no tendão ou move seu pé.
  • As dores experimentadas na fase aguda da patologia tendem a desaparecer após um aquecimento antes da corrida, mas retornam quando a atividade é interrompida.

 

A tendinose ou ruptura crônica é uma condição difícil de tratar, particularmente em atletas mais velhos que parecem sofrer mais desta patologia. Se não tratada, os sintomas pioram até ficar impossível correr.

Os sintomas são parecidos com a fase aguda, só que mais presentes ou intensos:

  • Dor difusa e rigidez no tendão, principalmente pela manhã ou após tempo prolongado na posição sentada. A dor não cede ao repouso.
  • Podem aparecer nódulos ou regiões inchadas no tendão.
  • Edema, vermelhidão e aumento de temperatura sobre o tendão.
  • Dor no tendão quando anda, especialmente em subidas ou ao subir escadas.
  • Diminuição de força dos músculos da panturrilha, que pode acontecer durante a caminhada ou corrida.
  • Limitação da amplitude de movimento do tornozelo na flexão dorsal, ou seja, quando dobramos o tornozelo levando os dedos em direção à “canela”.
  • Pode ocorrer crepitação durante os movimentos ativos do tornozelo.

 

Nos casos de ruptura do tendão, o atleta poderá sentir um estalo e muitas vezes se descreve uma sensação de ter levado uma pedrada na panturrilha ou um chute (síndrome da pedrada). Nos casos de ruptura total haverá impossibilidade de levantar o calcanhar do solo quando em pé ou de fazer o movimento como de acelerar quando sentado ou deitado. E no exame físico se percebe um “defeito” no local onde ouve a ruptura do tendão.

 

As principais causas

 

  • Sobrecarga ou excessos no treino (tempo, distância e intensidade). Uma tensão exagerada ou tensões repetitivas em demasia aumentam o risco de lesões no tendão por falta de oxigênio (hipóxia), o que dificulta a recuperação deste tecido após grandes atividades.
  • Trauma causado pela contração repentina e/ou excessiva dos músculos da panturrilha como num sprint final.
  • Falta de flexibilidade da musculatura da panturrilha.
  • Uso de calçados inadequados.
  • Alterações posturais como anteversão do fêmur, tíbia vara, pé pronado, entre outras.
  • Alterações da biomecânica na corrida: modo como o pé toca no solo, movimentos dos membros inferiores, passada, ritmo, correr sem tocar o calcanhar no solo.
  • Corridas em aclives, corridas com saltos ou subidas em escadas: correr nestas condições tencionará o tendão, que ficará mais alongado do que numa passada larga (passo grande) e isso fará com que ele fique fadigado mais precocemente.
  • Tipo de pisada: pronação excessiva pode aumentar a tensão no tendão. Como o pé rola para dentro (pé chato), a região inferior da perna roda para dentro assim como roda o tendão de Aquiles, causando um estresse longitudinal, em toda sua extensão.
  • Aumento súbito na velocidade ou distância percorrida.
  • Tempo de descanso insuficiente.

 

Gelo e outros tratamentos

 

Quanto mais precocemente se inicia o tratamento, melhores as chances de bons resultados. No caso de tendões a recuperação é mais lenta, principalmente por ser pouco vascularizado, portanto, paciência e empenho no tratamento são decisivos na recuperação.

Será necessária uma consulta com ortopedista para avaliação da lesão e tipo de pisada, para que o diagnóstico e o tratamento adequado e individualizado seja traçado. Exames complementares como ultrassonografia ou ressonância magnética serão necessários para visualizar o tipo e extensão da lesão.

Pode ser necessário o uso de medicamentos antiinflamatórios e o tratamento cirúrgico pode ser indicado em alguns casos, principalmente na lesão total. Não devem ser utilizadas infiltrações de esteróides no tendão por aumentar os riscos de ruptura total.

É indicado repouso relativo, de acordo com o quadro apresentado pelo atleta, ou seja, pode ser indicado apenas diminuir o ritmo da atividade ou interromper a corrida por um determinado tempo. Muitas vezes é indicada a substituição da corrida por natação ou deep running, para diminuir o impacto e esforços sobre o tendão, facilitando sua recuperação.

A aplicação de gelo irá auxiliar no alívio de dores e na diminuição de edema (inchaço). O gelo deve ser feito por 20 minutos, podendo ser repetido a cada 3 horas no início dos sintomas (fase aguda). Pode se associar elevação da perna para auxiliar na drenagem de edema, se houver.

Após a avaliação da lesão e do tipo de pisada, pode ser indicado o uso de palmilha para correção do calcanhar e para diminuir forças sobre o tendão, ou palmilhas que fornecem um amortecimento, o que seria uma medida temporária. O uso de calcanheiras é útil para tirar as tensões do tendão, mas deve ser avaliado para não estimular o encurtamento muscular.

A utilização de calçados adequados evita lesões, portanto, a avaliação do tipo de pisada se torna importante para a compra do tênis. Para atletas com pronação excessiva (pé chato), o ideal é um calçado com menos amortecimento e mais estabilidade e para atletas com supinação excessiva (pé cavo), um calçado com mais amortecimento e boa flexibilidade é mais indicado.

Tão importante quanto usar um calçado adequado para o seu tipo de pisada e atividade física é saber quando “aposentar” seu tênis. Calçados excessivamente desgastados podem contribuir para uma lesão por não exercerem mais sua função de estabilidade, suporte e amortecimento. Vale lembrar que também pode acontecer de aparentemente o tênis parecer em bom estado, porém já ter perdido sua capacidade de amortecer impactos, por exemplo. Por isso é bom ficar de olho nas indicações dos calçados e trocá-los de acordo com a quilometragem percorrida e peso corporal, para que não fiquem desgastados demais.

 

A ajuda da fisioterapia

 

Além da melhora da lesão e sintomas, o tratamento fisioterapêutico tem como objetivo o retorno à corrida sem riscos de recidivas (nova lesão).

Numa fase inicial de lesão, o objetivo é minimizar a lesão tecidual com a utilização de ultra-som e gelo numa posição alongada do músculo da panturrilha, ou seja, com o tornozelo dobrado (dedos em direção à “canela”).

Numa fase intermediária, é indicada a utilização de ultra-som e laser para estimular a síntese de colágeno e cicatrização. Um alongamento suave dos músculos da panturrilha contribuirá para o realinhamento das fibras de colágeno e deve ser seguido pela aplicação de gelo numa posição alongada do tendão.

Já a fase final do tratamento visa melhorar a cicatrização da lesão e fortalecer os músculos. Deve-se aplicar o gelo no final dos exercícios com objetivo de diminuir a dor e prevenir possíveis reações inflamatórias.

A aplicação de técnicas de massagem também auxiliará na melhora das aderências e contribuirá para a reorganização das fibras do tendão, além de ajudar no deslizamento da camada que o recobre.

O músculo da panturrilha ou tríceps sural é um músculo estático, ou seja, tem a função de sustentação, manutenção de postura e posição, além de auxiliar na flexão do joelho e fazer a flexão plantar (dedos para baixo, longe da “canela”). Por estes motivos e por sua própria fisiologia, tem tendência a se encurtar (mesmo em quem não pratica esportes!). Além disso, o encurtamento deste músculo estimula a pronação do retropé e predispõe a lesões e alterações na postura. Por isso é importante mantê-lo alongado.

Como é comum alterações posturais predispor a lesões, técnicas como a RPG (reeducação postural global), que visam alinhar o corpo e seus segmentos, podem auxiliar no tratamento ou evitar lesões, além de contribuir para a melhora da flexibilidade.

Tão importante quanto os alongamentos e fortalecimentos que irão reequilibrar a musculatura são os exercícios de propriocepção que levam informações ao cérebro e otimizam a função motora. Eles melhoram as reações da articulação quando há mudanças de direção, velocidade e terreno, favorecendo a biomecânica correta da corrida e evitando lesões. Eles devem ser orientados pelo fisioterapeuta, de forma gradual e introduzidos na fase correta do tratamento.

 

 

         Alongamentos para prevenir

 

Estes alongamentos devem ser feitos para evitar lesões, pois diminuem as forças e tensões sobre os tendões. Se já houver uma lesão presente, eles deverão ser feitos com orientação e cautela, de acordo com o quadro de sinais e sintomas apresentado. Procure orientação de um fisioterapeuta ou médico.

Mesmo na presença de lesão, é importante realizar os alongamentos bilateralmente, para manter o equilíbrio entre a musculatura do lado direito e esquerdo.

 

  1. Alongamento da musculatura superficial da panturrilha – Em pé, posicione-se colocando um pé à frente e outro atrás, mantendo os pés alinhados com dedos apontando para frente (não deixar a ponta do pé virar para fora). Dobre o joelho que está na frente, jogando o peso sobre ele, mantendo o joelho da perna que está atrás esticado e calcanhar apoiado no chão (Foto 1). Você sentirá alongar a musculatura mais superficial da panturrilha. Repita com a outra perna invertendo a posição. Mantenha cada posição por 30 segundos e repita 3 vezes.

 

  1. Alongamento da musculatura profunda da panturrilha – Em pé, posicione-se colocando um pé à frente e outro atrás, mantendo os pés alinhados com dedos apontando para frente (não deixar a ponta do pé virar para fora). Dobre o joelho que está na frente, jogando o peso sobre ele, mantendo, agora, o joelho da perna que está atrás levemente dobrado e calcanhar apoiado no chão (Foto 2). Você sentirá alongar a musculatura mais profunda da panturrilha. Repita com a outra perna invertendo a posição. Mantenha cada posição por 30 segundos e repita 3 vezes.

 

  1. Alongamento da musculatura posterior da coxa – Deitado de barriga para cima, mantenha uma das pernas dobrada com pé apoiado no chão. Segure a outra perna com uma faixa apoiada na planta do pé, puxando-a em direção ao tronco até sentir alongar os músculos posteriores da coxa (Foto 3). Repita com a outra perna. Mantenha cada posição por 30 segundos e repita 3 vezes.

 

  1. Alongamento da planta do pé – Sentado, com a perna cruzada, apoiando o tornozelo acometido sobre joelho oposto, segure os dedos do pé e leve-os em direção à perna (Foto 4). Mantenha a posição por 30 segundos e repita 3 vezes. Mantenha cada posição por 30 segundos e repita 3 vezes.

 

 

Cuidado nos exercícios de fortalecimento

 

Os exercícios de força devem ser orientados e introduzidos no tratamento no momento correto, caso contrário podem piorar a lesão. Se houver dor após os fortalecimentos, a aplicação de gelo pode aliviar os sintomas.

Os fortalecimentos avançados somente deverão ser iniciados após a realização dos primeiros exercícios sem dor, com maior número de repetições e com orientação.

 

  1. Fortalecimento da musculatura superficial da panturrilha – Sentado numa cadeira, com o calcanhar apoiado no chão, passe uma faixa elástica na planta do pé e mantenha o joelho esticado. Segure firmemente as pontas do elástico, mantendo-o tensionado e faça movimentos de “acelerar”, levando os dedos em direção ao chão (Foto 5) e relaxe. É importante que a volta do movimento (relaxamento) seja lenta para que o músculo seja trabalhado de forma correta. Iniciar com 2 séries de 10 repetições e aumentar gradativamente.

 

  1. Fortalecimento da musculatura profunda da panturrilha – Sentado numa cadeira, com o calcanhar apoiado no chão, passe uma faixa elástica na planta do pé e mantenha o joelho levemente dobrado. Segure firmemente as pontas do elástico, mantendo-o tensionado e faça movimentos de “acelerar”, levando os dedos em direção ao chão (Foto 6) e relaxe. É importante que a volta do movimento (relaxamento) seja lenta para que o músculo seja trabalhado de forma correta. Iniciar com 2 séries de 10 repetições e aumentar gradativamente.

 

  1. Fortalecimento da musculatura extensora do pé e dedos – Sentado numa cadeira, cruze a perna, apoiando o tornozelo no joelho oposto. Coloque a mão sobre os dedos do pé, faça resistência enquanto tenta levar os dedos e o pé em direção à “canela” e relaxe (Foto 7). Iniciar com 2 séries de 10 repetições e aumentar gradativamente.

 

  1. Fortalecimento da musculatura anterior da perna – sentado numa cadeira, cruze as pernas, segurando o joelho que está por cima e posicione o elástico como na foto 8, próximo aos dedos. Dobre o tornozelo, trazendo os dedos em direção à “canela” e a ponta do pé para fora ao mesmo tempo e relaxe. É importante que a volta do movimento (relaxamento) seja lenta para que o músculo seja trabalhado de forma correta. Iniciar com 2 séries de 10 repetições e aumentar gradativamente.

 

  1. Fortalecimento avançado da musculatura superficial da panturrilha – Em pé, mantenha os joelhos esticados. Levante os calcanhares do chão e abaixe-os (Foto 9), realizando movimentos lentos, principalmente quando aproxima os calcanhares do chão. Iniciar com 2 séries de 10 repetições e aumentar gradativamente.

Para aumentar o grau de dificuldade deste exercício podemos segurar pesos nas mãos ou fazê-lo com um pé de cada vez. Vale lembrar que para dificultar o exercício é preciso orientação profissional para não piorar a lesão.

 

  1. Fortalecimento avançado da musculatura profunda da panturrilha – Em pé, mantenha os joelhos levemente fletidos. Levante os calcanhares do chão e abaixe-os (Foto 10), realizando movimentos lentos, principalmente quando aproxima os calcanhares do chão. Iniciar com 2 séries de 10 repetições e aumentar gradativamente.

Para aumentar o grau de dificuldade deste exercício podemos segurar pesos nas mãos ou fazê-lo com um pé de cada vez. Vale lembrar que para dificultar o exercício é preciso orientação profissional para não piorar a lesão.

 

 

 

O retorno à corrida deve ser gradual, acompanhado dos exercícios para alongar e fortalecer os músculos da panturrilha, até que força, resistência, flexibilidade e amplitude de movimento estejam adequadas (quando comparados ao lado não lesionado). Dessa forma o tendão estará preparado para exercer sua função plenamente e receber as tensões transferidas a ele durante a corrida.

A prevenção é a melhor medida quando falamos em lesão tendínea. Apesar do tendão ser inelástico, ele se beneficia com o alongamento muscular pois ocorre diminuição das forças e tensões sobre ele. Portanto, o alongamento deve ser realizado mesmo distante dos treinos (pode ser feito em casa) para manter a elasticidade do músculo e evitar lesões no tendão. Da mesma forma, é importante fazer um aquecimento adequado da musculatura para que esta esteja preparada para a corrida, além do desaquecimento.

 

Dicas para evitar lesões no tendão de Aquiles

  • Utilize calçados adequados para seu tipo de pisada e cuidado com tênis desgastados
  • Evite sobrecarga ou excessos nos treinos ou mudanças repentinas
  • Respeite o tempo de descanso
  • Cuidado com estresse excessivo no tendão em atividades como correr em subidas ou saltos
  • Alterne a corrida com esportes de baixo impacto como caminhar, nadar ou ciclismo
  • Aqueça antes de correr e desaqueça depois
  • Alongue sempre os músculos envolvidos na corrida, mesmo que seja em casa
  • Na presença dos sintomas, procure um médico

 

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