Blog do Corredor Tomaz Lourenço 8 de abril de 2019 (0) (207)

Corrida de São Silvestre nos anos 90: quem não participou nunca mais verá tal bagunça

Por Tomaz Lourenço | tomaz@novosite.contrarelogio.com.br

A revista tinha sido lançada em outubro de 1993 e naturalmente eu me empenhava para fazer a maior divulgação possível de um projeto editorial que acreditava daria certo, mas ao mesmo tempo sabia que não seria fácil. Tinha conseguido alguns cadastros de alguns poucos organizadores, especialmente de maratonas, que tomaram consciência da importância do surgimento de uma publicação para que as corridas de rua melhorassem e crescessem.

Com esse intuito agendei um encontro com o coordenador da São Silvestre, diretor da Gazeta Esportiva, para pedir tal informação sobre os inscritos na prova, visando lhes enviar a mala direta que anunciava o lançamento da CR e os convidava a assinar. Expliquei a ele minha motivação e recebi um sonoro NÃO, justificando que o cadastro da SS valia ouro e em hipótese alguma seria a mim repassado, ou seja, apenas a empresa tinha planos de lucrar com esses dados, o que tem se confirmado nestes últimos 25 anos, em cifras cada vez mais elevadas.

Então, só me restou procurar fazer contato direto com os corredores que iriam participar da SS 1993, e para tal consegui um pequenino espaço na loja de autopeças em que aconteceria a inscrição e entrega simultânea de número de peito. Lá, entre calotas e outros acessórios de carros, apresentei as 3 primeiras edições da revista e fiz muitas assinaturas (em cheque ou dinheiro). Sérgio Muller, dono da empresa responsável pela apuração eletrônica (com senha de código de barras entregue no final), que depois viraria Chiptiming, tinha também essa loja, daí o improviso. E considerando os mais de 5 mil participantes, até que tudo funcionou razoavelmente bem nos vários dias dentro daquele acanhado local.

No ano seguinte, o procedimento de inscrição e retirada do número foi levado para o prédio da Gazeta, na Avenida Paulista. A pessoa chegava, preenchia a ficha, a entregava com o dinheiro (vivo) da taxa e recebia o número de peito (e mais nada…). Aparentemente simples e direto, mas na prática extremamente moroso, ainda mais que havia poucas pessoas no atendimento. O resultado foram filas gigantescas nos últimos dias e muita irritação dos corredores.

A revista já tinha seus assinantes e muitos nos procuravam, na mesa que conseguimos colocar no saguão, para reclamar da morosidade, até porque a CR tinha surgido com a bandeira de lutar pelos interesses dos corredores, para serem tratados com dignidade. Minha resposta foi objetiva: “Chamem a polícia porque o que se vê aqui é uma total falta de respeito”. E assim aconteceu, não apenas em 1994, mas em outros anos seguintes.

Em relação à prova, quando participei dela, em 1992, fiquei surpreso ao constatar não haver na Avenida Paulista um único banheiro químico disponibilizado pela organização. A largada era uma enorme confusão e a chegada não ficava por menos. Nos anos seguintes as coisas foram melhorando, aos trancos e barrancos.

A prova, que era dominada nos últimos anos por estrangeiros, teve finalmente um campeão brasileiro em 1994 (Ronaldo da Costa) e a primeira vencedora do país em 1995: Carmem de Oliveira (na foto da capa da CR). Na imagem de abertura, a disputa entre André Ramos (14º) e o mexicano Arturo Barrios (15º) neste último ano.

PERSONAGENS. A São Silvestre é a corrida mais festiva, sempre cheia de participantes estranhos, que querem estar na única prova efetivamente conhecida pela maioria da população brasileira. Nesse sentido, inúmeras são as histórias acontecidas na banquinha que sempre montamos para divulgar a revista. Uma vez, estávamos eu e Cecília no alto da escadaria, que leva ao saguão onde havia sido montada a estrutura de inscrições, e um rapaz se aproximou. Bastante humilde, nos perguntou: “Onde encontro o seu Silvestre?” No começo não entendemos, mas depois vimos a confusão que ele fazia e lhe informamos que a prova não era do seu Silvestre…

Em outro ano, um corredor que eu sabia ser rápido, mas não elite, puxou conversa na mesa da CR, falando que estava muito bem treinado, que tinha vencido uma corrida lá na cidadezinha dele, que estava fazendo os 10 km em menos de 35 minutos etc. Ouvi pacientemente, até ele comentar que acreditava ficar entre os primeiros da SS e talvez até vencer a prova. Era um total absurdo e eu não deixei por menos, dizendo ser impossível isso acontecer, em função da presença dos melhores corredores do Brasil na competição, além de uma dezena de atletas internacionais de primeira linha. Ele insistiu, ficou nervoso e falou que todos que entravam na SS tinham como meta a vitória e outras coisas do gênero. Então, fui taxativo: “Acho que você pode ganhar a prova sim, se cair um avião no meio do percurso e matar os primeiros 200 corredores!” Furioso, disse que até pensava em assinar a revista, mas depois do que ouviu nunca faria isso (ele se tornou assinante algum tempo depois e assim permaneceu por muitos anos…).

Para terminar, uma historinha breve. Chega à mesa da CR um inscrito na SS e pergunta onde conseguiria um mapa do percurso. Falei que havia um desenho do trajeto no saguão, para a consulta dos corredores, mas ele respondeu que isso não resolvia o seu problema. Quis saber então por que não. E ele comentou que corria devagar e tinha medo de se perder e não conseguir chegar de volta à Avenida Paulista. Acalmei-o, dizendo que bastava seguir a multidão…

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