20 de setembro de 2024

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Blog do Corredor Tomaz Lourenço 1 de abril de 2019 (0) (132)

Os “cortadores de caminho”, uma praga decorrente das premiações

Por Tomaz Lourenço | tomaz@novosite.contrarelogio.com.br

Como falei na história anterior, quase todas as corridas de rua nos anos 90 ofereciam alguma premiação em dinheiro aos primeiros colocados do geral e eventualmente também para os melhores das faixas etárias, portanto, absolutamente ao contrário do que acontece no Brasil há algum tempo. Na foto de abertura, cobertura da Maratona de Blumenau 1995, a mais concorrida da época e razoavelmente organizada.

E por vezes eram prêmios excelentes, não sendo raro o campeão levar um carro 0 km para casa! Esse atrativo fazia com que a chamada elite fosse muito rápida, tal a concorrência e o estímulo. Algumas corridas até nem eram grande coisa em termos de organização, mas com o prêmio divulgado aparecia todo mundo. Uma vez, fui divulgar a revista na Volta da USP de São Carlos e ao chegar lá encontrei atletas de diversos locais do Brasil; logo descobri a razão: o campeão desses 10 km ganharia um carro!!! E foi Valdenor dos Santos, que voltou pra Brasília num 0 km. Em outra ocasião, perguntei ao elite Adalberto Garcia por que não tinha participado da São Silvestre e ele foi claro: “Soube que no mesmo dia a SS de Brodowski ira dar um Fusca ao campeão; fui lá, corri e venci!”

Mas enquanto a apuração da elite era relativamente fácil, o mesmo não acontecia nas categorias, sempre lembrando que estamos falando de uma época pré-chip. Se não bastasse a “natural” confusão da premiação das faixas etárias (em função de cadastro mal feito, entrega confusa de senha na chegada, falta de controle no percurso) havia ainda os “cortadores de caminho”, alguns até já bem conhecidos.

O curioso é que tal atitude de falta de caráter não necessariamente estava relacionada com a premiação pecuniária, ou seja, muitos queriam “apenas” subir ao pódio para ganhar o troféu e depois exibi-lo aos seus pares. Com o advento da CR, dois movimentos contrários passaram a acontecer, a favor e contra os “cortadores”.

Por um lado, a revista deu enorme visibilidade aos resultados de provas (até então inexistente, já que nada saía na imprensa), estimulando muita gente a “fazer de tudo” para alcançar o pódio. Por outro, marcas estranhas e classificações idem, que não chamavam a atenção, ao serem publicadas na CR ganhavam notoriedade e levantavam suspeitas.

A revista passou a receber denúncias sobre corredores que eram quase que viciados em cortar caminho, inclusive envolvendo um colaborador da CR, que ao ser questionado por este editor não contestou as acusações, o que levou a ser eliminado do expediente da revista sumariamente.

Em outra ocasião, um assinante de SP enviou um artigo comentando seu grande resultado em uma maratona no exterior, com foto da chegada, em que o relógio marcava um tempo sub 3h. Alguns anos depois, ele nos comunicou outro grande feito, novamente lá fora (Paris), mas desta vez uma assinante chamou a atenção para uma possível burla, pois esse corredor não tinha histórico de boas marcas por aqui. Vale lembrar que na época não havia controle de percurso em Paris e outras maratonas.

Eu então pedi esclarecimento ao assinante sobre essa polêmica, mas ele desconversou. Propus que, para acabarmos de vez com esse “disse que disse”, marcássemos um teste de 1 km para nós dois, em que teríamos que completar a distância em menos de 4 minutos, seu ritmo na tal maratona. Ele se negou a esse desafio, o que me levou a publicar toda a história na revista, mesmo com a ameaça de ser processado, o que não aconteceu.

CRÍTICAS E SUGESTÕES. Também organizadores nos deram muita dor de cabeça e processos, por acusá-los de desleixos em suas provas. Mas eles “caprichavam” na bagunça e a revista não deixava por menos, criticando e indicando o caminho para a solução dos problemas apontados.  Para facilitar nessa comunicação, a CR passou a publicar, junto com a cobertura da prova que acompanhava/corria, um quadro com mãozinhas com o polegar para cima ou para baixo (figura).

Algumas das corridas entendiam o propósito da revista (como a Tribuna de Santos) de que queríamos ajudar, para que as provas ficassem cada vez melhores, atraindo mais gente e patrocinadores. Mas outras não gostavam de serem criticadas. Uma, em especial, resolveu exigir direito de resposta aos nossos comentários. Foi a de Barueri, realizada pela prefeitura que, além das falhas e bobagens normais (como um grande queima de fogos antes da largada) tinha montado dois funis após a chegada: um para as poucas dezenas de corredoras e outro igual para os mais de mil corredores. Obviamente que tal “estrutura” acarretaria filas ANTES da linha final e lá fui eu alertar para o problema e sugerir uma arrumação, para pelo menos minimizar o problema.

A resposta foi na linha “não se intrometa, que nós sabemos fazer” e o resultado foi um total caos, obviamente. Provas de prefeitura eram quase sempre confusas não por incompetência ou irresponsabilidade, mas principalmente porque eram organizadas pelos mesmos funcionários que cuidavam da festa da padroeira, da quermesse municipal, do baile de idosos, do torneio de pingue-pongue etc.

Em outra ocasião, na entrega de kits da Maratona de Curitiba, igualmente toda organizada por pessoas das várias secretarias da prefeitura, era enorme a fila dos maratonistas e notei que parecia estar tudo pronto para começar, mas não acontecia. Então, preocupado com os corredores que no dia seguinte enfrentariam os 42 km e que, portanto, precisavam descansar (a maioria chegava de ônibus) fui até um dos coordenadores perguntar sobre o porquê da demora. Ao que ele me respondeu: “No regulamento está que a entrega começa às 14h e ainda não são, então temos que esperar até esse momento…” E o staff continuou de pé, parado, ainda por vários minutos, com tudo absolutamente pronto.

Na próxima semana mais algumas histórias surreais e nem tanto da São Silvestre e da Comrades.

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