Blog do Corredor Tomaz Lourenço 25 de março de 2019 (0) (365)

Nas corridas brasileiras nos anos 90, total desrespeito aos participantes

Por Tomaz Lourenço | tomaz@novosite.contrarelogio.com.br

Para os corredores atuais das nossas mais diversas provas, é até difícil explicar como era a realidade de 25 anos atrás, quando a Contra-Relógio surgiu. Mas vamos dar umas breves lembranças e alguns fatos concretos que mostrarão o que os participantes enfrentavam nas tais corridas pedestres na última década do século passado. Nas imagens ao longo do texto, as capas da revista de abril (Super Maratona de Rio Grande) e de junho de 1996 (etapa do circuito Speed Stick na Capital paulista).

Como precisava divulgar o lançamento da CR e angariar assinantes (a revista só foi para bancas em julho de 2004), íamos (eu e Cecília) praticamente todos os domingos em uma prova, na Grande SP, interior ou litoral, mais raramente em outros estados. As diferenças não eram muito grandes entre elas, ou melhor, eram bem parecidas na desorganização e falta de respeito para com os corredores.

Para começar, com raras exceções, as inscrições eram feitas na hora e geralmente de graça. Dessa forma, o horário de largada anunciado nunca era cumprido, além das anotações dos inscritos serem uma total bagunça, o que resultaria depois numa grande confusão na hora da premiação das faixas etárias, detalhe quase obrigatório nas provas, cerimônia que se alongava muito depois da corrida ter acabado.

O fato das inscrições serem quase sempre de graça fazia com que os “organizadores” (é quase uma força de expressão, pois o que imperava era certo caos) não assumissem responsabilidade sobre o evento e suas falhas. E acabava valendo a regra de que ao nada pagar para correr, também nenhum direito tinham os corredores para reclamar. Era quase um favor que era feito a eles.

Em muitas provas a largada/chegada era perto de ginásio ou imóvel público, então a questão dos banheiros (poucos e mal cuidados) era menos grave, mas geralmente era cada um pra si… Esse detalhe acabou se tornando uma bandeira da revista, a ponto dos corredores brincarem que este editor tinha fixação por banheiros. Um exemplo é definitivo desse desleixo e tratamento desrespeitoso com os participantes.

Quando corri minha primeira (e única) São Silvestre, em 1991, fiquei abismado ao descobrir que a organização tinha disponibilizado somente uma dezena de toscos banheiros na Avenida Paulista, para os quase 5 mil participantes. E as mulheres precisavam ser muito corajosas para entrar nas corridas brasileiras, não por acaso representando de 5 a 10% dos inscritos. Mesmo na SS, que já era uma prova bem popular, elas foram 370 na edição de 1993, enquanto os homens totalizaram 4.915. Outro exemplo: na Volta ao Cristo de 1994, em Poços de Caldas, completaram 385 homens e apenas 26 mulheres!

Muito excepcionalmente havia uma ambulância no local, mas, quando havia, nada de médico dentro. Aliás, diversas foram as situações em que vi a ambulância sendo usada como “batedor” na frente da prova, com a sirene devidamente ligada. E isso por vezes era o máximo que se fazia em relação ao trânsito, que apenas em pouquíssimos eventos tinham as ruas bloqueadas aos carros.

Outro tópico que me chamou a atenção e que considerava inaceitável eram as filas ANTES da linha de chegada. Isso mesmo, ANTES! As provas usavam para apuração o recebimento de uma senha com o número da pessoa, entregues na linha final e colocadas em um espeto, processo que tinha sua lentidão e a fila se formava… Algumas até tentavam pegar o tempo, com uma pessoa clicando um aparelho/relógio específico, mas que só tinha utilidade se a passagem pelo final acontecesse, correndo.

SIMPLES, MAS ORGANIZADAS. Entre as boas corridas no Brasil nos anos 90, podemos destacar uma dezena delas, como a da Usina Ester, em Cosmópolis, em que os participantes faziam voltas por estradas de terra de um canavial. Também a da Metal Leve na capital paulista, a da EPTV em Campinas, as de Apucarana e Cornélio Procópio, a dos Fuzileiros Navais no Rio, sem contas as provinhas corretas da Corpore no Parque Ibirapuera.

Mesmo as maratonas eram bastante fracas, com falhas diversas, incluídas aqui as de Brasília, Blumenau, Porto Alegre e Rio, inclusive sem rigor na aferição da distância do percurso.

O que havia em comum entre corridas ruins e boas era a premiação em dinheiro, que estava sempre presente para os primeiros colocados do geral e também para as faixas etárias, em muitos casos. Para os organizadores da época, esse detalhe acabava sendo uma preocupação muito grande porque tinham quase que obrigatoriamente garantir esses prêmios, caso contrário a participação seria pequena.

Por outro lado, não contavam com apoios ou patrocínios e o pouco dinheiro que entrava vinha das inscrições, por sua vez muito baratas. Para a premiação era destinada metade do arrecadado ou mais. É verdade que gastavam quase nada com o resto, na medida em que poucas davam medalhas de participação, camiseta idem, água sim ou não e por aí seguia.

Naturalmente que os pagamentos atraíam corredores rápidos da elite e das categorias (os tempos de conclusão daquela época eram bem melhores que os atuais), mas também os “cortadores de caminho”, mas isso é outra história…

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