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Notícias Fernanda Paradizo 12 de março de 2013 (0) (112)

Maratona de Nova York: a gigante caiu

Eram 17h15 da sexta-feira, dia 2 de novembro, quando uma informação bombástica foi anunciada em Nova York. A maratona mais famosa do mundo, a mesma que em 2001 "sobreviveu" ao ataque terrorista de 11 de setembro, havia sido cancelada, apenas dois dias antes da sua realização. Um pronunciamento oficial do prefeito da cidade dava como encerrado o sonho dos quase 50 mil corredores que estavam na Big Apple para correr a prova no domingo. Inacreditável, mas a gigante das maratonas havia sucumbido. Caiu diante do furacão que havia assolado a cidade quatro dias antes. Voos foram cancelados e todas as medidas possíveis tomadas para deixar a população a salvo. Os estragos causados pelo Sandy atingiram principalmente as regiões próximas ao Rio Hudson, deixando bairros inteiros sem luz e energia, sem transporte público e famílias desabrigadas em grande parte do Brooklyn, Nova Jersey, Long Island e Manhattan.

Mesmo diante de tantos estragos, o prefeito Michael Bloomberg anunciou que a prova não seria cancelada. Fez isso na quarta, no mesmo dia em que os voos para a cidade, internos e internacionais, começaram a ser liberados. Em função de cancelamentos nos dois dias antes, pessoas se viraram da forma que puderam com as companhias aéreas de cada ponto do mundo para remarcar e conseguir chegar a tempo a Nova York. Afinal, se o prefeito se pronunciou a favor da prova, não haveria porque não acreditar que a cidade conseguiria receber sem problemas a grande quantidade de turistas nos dias seguintes.

O NYRR (New York Road Runners), clube responsável pela realização da prova, tratou rapidamente de acalmar os ânimos daqueles que duvidavam que o evento aconteceria e passou a trabalhar contra o tempo para colocar a gigante estrutura toda de pé. Anunciou algumas mudanças na programação do evento, prolongou os horários da entrega de kit para aqueles que chegassem no sábado, deu a alternativa do cancelamento até a véspera e a garantia da inscrição para o ano seguinte aos que desistissem. Cancelou alguns eventos da programação, fechou o Central Park para que pudesse ser rapidamente recuperado e fez um apelo pelo site pedindo mais voluntários. O impacto sobre a realização da prova não foi minimizado nem com a iniciativa do NYRR de anunciar que doaria 1 milhão de dólares para as instituições empenhadas no auxílio das vítimas do Sandy e na reconstrução da cidade.

 

MORADORES DESANIMADOS.  Embora a maratona estivesse confirmada e todas as medidas sendo tomadas para sua realização, quem esteve em Nova York nesses dias pós-Sandy poderia perfeitamente verificar que a cidade não estava no seu normal. Além de todos os problemas citados, era evidente que moradores, que sempre abraçaram a prova de maneira contundente, fazendo festa e reverenciando todos os que estivessem trajados como corredores pelas ruas de Manhattan, não se mostravam muito interessados no assunto maratona. Uma das áreas mais afetadas pela tempestade era justamente onde acontece a largada da corrida, em Staten Island. Ainda que o percurso da prova não passasse por dentro desse distrito e usasse apenas o forte Wadsworth para a concentração da largada na cabeceira da ponte Verrazano, não há como negar que parecia uma afronta fazer festa na porta da casa de uma população que havia acabado de sofrer com um evento catastrófico.

Diante de tanta pressão, a coletiva de imprensa do evento era mais um reflexo do que estava acontecendo. Os jornalistas que ali estavam concentravam suas perguntas muito mais no problema da cidade do que especificamente na prova, que contava com várias estrelas e prometia uma briga boa por um lugar no pódio. Praticamente nenhum atleta escapou da pergunta fatídica para aquele momento: "Você acha que a prova deveria ser mesmo realizada?" Estrelas como os americanos Meb Keflezighi e Abdi Abdirahman, o queniano Moses Mosop, o etíope Gebre Gebremariam e o brasileiro Marilson Gomes dos Santos, entre outros, se viraram como puderam na resposta, apoiando a decisão do prefeito e do NYRR na realização da maratona.

No primeiro dia da feira da entrega dos kits, o que se via era um vazio total, com uma tranquilidade fora do comum para um evento de tal grandeza. Muita gente ainda não tinha conseguido chegar à cidade. Era nítido também que os expositores estavam com dificuldades para montar seus estandes. Os circulares que faziam o transporte das principais áreas hoteleiras de Manhattan para a Expo funcionavam normalmente; já os tradicionais ônibus gratuitos que levavam as pessoas para a Paragon Sports, uma das principais lojas de corrida e que sempre recebe os corredores com pizza, cachorro-quente, bebidas e frutas, não operavam, uma vez que a loja, localizada na parte baixa de Manhattan, estava sem energia e sem previsão de volta.

 

O CANCELAMENTO. Mesmo com tantos problemas, aparentemente as coisas pareciam controlados. Com o Central Park fechado para a população na sexta, organizadores corriam contra o tempo para colocar a estrutura da chegada de pé. A Expo, que estava vazia no primeiro dia, lotou de gente na sexta. Muita gente ainda pegava o kit de corrida e aproveitava para dar uma volta nos estandes um pouco mais organizados, quando a notícia do cancelamento da prova foi oficialmente dada pela TV. Nesse momento, as mídias sociais já divulgavam a novidade, que pegou todo mundo de surpresa. Muita gente não acreditava. E demorou um pouco até que o site oficial da prova desse como certa a notícia. Não haveria volta. A gigante das maratonas havia mesmo caído não apenas diante da tempestade, mas principalmente diante da pressão de grande parte da população local.

Perplexidade e frustração. Não há como definir de outra forma o sentimento do corredor que juntou suas economias, treinou meses e, mesmo depois do fatídico acontecimento, viajou para Nova York com a certeza de que o evento aconteceria. Muitos achavam que era um boato ou que a situação ainda poderia ser revertida. Mas não. A maratona estava realmente cancelada e não havia mais nada o que fazer a não ser tentar curtir uma cidade que não se apresentava muito propícia ao lazer e ao turismo, até pela dificuldade de locomoção, com poucas linhas de metrô operando e com táxis trabalhando em sistema de lotação por causa da falta de combustível. Várias áreas turísticas, como a Estátua da Liberdade e o Memorial de 11 de Setembro, estavam fechadas à visitação, sem previsão de abertura.

 

PERGUNTAS SEM RESPOSTA. As explicações que todos esperaram dos organizadores no dia seguinte não vieram. Então, não havia outra coisa a fazer a não ser sair pelas ruas de Manhattan para aliviar a tensão e dar uma corridinha. O Central Park abriu pela primeira vez suas portas, dando mostras de que a estrutura já estava praticamente pronta para o domingo, com as arquibancadas e pórtico de chegada montados e as bandeiras que tradicionalmente saúdam cada país na prova já a postos nos últimos metros da chegada. Muita gente correndo no parque, dando apenas uma mostra do que estava para vir no domingo. O mexicano German Silva, bicampeão em 1994 e 1995, e que ficou marcado por ter errado o caminho naquele mesmo Central Park no ano de 1994 e vencido depois de uma recuperação que parecia impossível, fazia ali sua corrida tradicional com um grupo de mexicanos. "O importante é preservar o espírito da maratona. É para isso que estamos aqui. Hoje vamos correr 21 km e amanhã mais 21 km", dizia ele para um grupo de jornalistas.

A Expo continuou com as portas abertas e entregando os kits. A loja oficial dos produtos da maratona, da Asics, amanheceu com 50% de desconto em todos os produtos com a marca da prova, exceto os tênis. Outros expositores seguiram a mesma linha de saldão e davam descontos, que iam de 20% a 70%.

O NYRR ainda seguia sem qualquer pronunciamento oficial de como ficariam as coisas para o ano seguinte, especialmente em relação às inscrições. E os tíquetes  da arquibancada, o ingresso para jantar de massas? Será que haveria algum reembolso? Não houve resposta. Mesmo que as inscrições fossem garantidas para o ano seguinte, o que estava claro era que a taxa paga em 2012 não seria ressarcida. Isso era fato e valia para aqueles que conseguiram se inscrever por índice técnico ou loteria.

No caso das agências internacionais, que trabalham com cotas de inscrições vinculadas a pacotes completos, a situação se mostrava um pouco diferente. Mesmo sem uma resolução sobre o que aconteceria, as agências oficiais do Brasil, a Kamel e a Chamonix, se prontificaram a garantir a inscrição dos corredores para o ano seguinte sem taxa, desde que vinculada a um pacote completo. E mais: os corredores teriam até cinco anos para usar esse benefício. Diante de tantos problemas e tantas perguntas ainda sem respostas, tal resolução pareceu razoável para a maioria.

 

DOMINGO SEM MARATONA. Esse primeiro domingo de novembro foi diferente de tudo o que se imaginava. A maratona havia sido cancelada, mas as pessoas vestiram suas roupas de corrida com identificação dos seus países para correr o quanto fosse possível. Muitas não abriram mão de colocar seus números no peito e chip no pé. Muito rapidamente o Central Park ficou lotado de corredores. E o que se via ali não eram apenas imagens de corredores aproveitando um bonito dia de domingo no parque. Era muito mais que isso. Corredores vindos de longe esconderam suas mágoas e foram curtir um Central Park um pouco diferente naquela manhã.

Alguns apareceram no parque apenas para uma corridinha, enquanto outros estavam dispostos a encarar 42 km no percurso de quatro voltas nessa área verde, que originou a Maratona de Nova York e que foi utilizado de 1970 a 1975, antes da prova seguir para os cinco distritos por onde hoje passa. Quem fez questão de ir até o parque para ver a celebração dos corredores foi Marilson Gomes dos Santos, que ficou algum tempo na linha de chegada, tirando fotos com todos que lhe pediam, enquanto esperava que sua esposa, Juliana Paula dos Santos, que se juntou à multidão de corredores naquele domingo sem maratona, terminasse de correr. "Fizemos questão de vir aqui para ver essa celebração da corrida. Isso mostra a gradeza e a importância da Maratona de Nova York", disse Marilson. 

Muitos dos que foram ao Central Park sem uma quilometragem definida para fazer acabaram sendo empurrados para os 42 km, tamanha era a energia das pessoas que ali se encontravam. Para completar, muitos moradores apareceram para dar apoio aos corredores, com água, isotônico, gel, frutas, doces e outras coisas, numa bonita manifestação de solidariedade a todos os que tiveram seus sonhos não realizados. Eram famílias completas, que montaram sua estrutura em algum ponto do Central Park para dar aos corredores um apoio, muitas vezes acompanhado de um pedido de desculpas.

 

SONHOS DESTRUÍDOS. Apesar de a maioria dos corredores ali presentes concordar que a cidade não estava para festa e não tinha condições de abraçar um evento tão gigantesco naquele momento, o clima de frustração era evidente. O maranhense Valdenor de Souza Ribeiro, de 72 anos, que mora no Rio, era um dos que mostravam aquele semblante de insatisfação pela prova cancelada. "Esta é a primeira vez que saí para correr fora do país. Foi uma frustração. O sonho de qualquer maratonista é fazer NY. Vim para cá para tentar ganhar a faixa etária de 70-74 anos. Minha ideia era quebrar meu recorde pessoal e ainda tirar pelo menos um minuto do campeão do ano passado, que fez 3h23", comentou Valdenor, que lembrou ainda que o gasto para estar ali foi muito grande. Mesmo assim, vai aproveitar a chance dada pela agência, que garante a inscrição sem custo, e fazer um esforço para voltar no ano que vem.

Um dos mais abalados com a notícia da sexta era o gaúcho Leonardo Perez Cunha, de 34 anos, que chegou a dizer que não voltaria mais a NY. Depois de algum tempo e mais calmo, ele comentou: "Fiquei decepcionado com tudo o que aconteceu, mas depois, pensando melhor, temos que ser solidários e nos colocar na situação do outro. Quem sabe não volto no ano que vem?"

Outra que pretende retornar em 2013 é a paulista Vera Abruzzini, de 48 anos. Com objetivo de completar as até então Top 5 (agora são 6, já que Tóquio passou a fazer parte das Majors junto com NY, Berlim, Boston, Chicago e Londres), Vera seguiu à Big Apple em busca do seu sonho. "Cheguei na sexta e fiz como todos; deixei as malas no hotel e fui para a feira. Ao voltar, vi a notícia na TV e o pronunciando da presidente do NYRR, a Mary Wittenberg, emocionada. Estava claro que não dava para correr, mas por que não avisaram antes? Fiquei com a sensação de que o prefeito honrou a rede hoteleira e as companhias aéreas, e fez com que todos os turistas viessem aqui para gastar dinheiro porque era bom para a cidade".


Muitos dos corredores que foram domingo ao parque aproveitaram a estrutura improvisada e acabaram completando os 42 km, no percurso original, como o carioca João Paulo Naiva. "Fui para lá com o intuito de fazer no máximo uma meia, mas encontrei outros brasileiros ali correndo e fui levado pela multidão, completando as 4 voltas".

Outro que também se empolgou com a energia do parque para fazer sua própria maratona foi o baiano Regis Leal, de 50 anos. "Uma população que é capaz de sair às ruas, colocar dinheiro do próprio bolso para oferecer água, isotônico, biscoito aos corredores dessa forma, não tem como não voltar a essa cidade. Pelo que eu pude ver, festa igual aqui não deve ter em lugar nenhum."

Ao final de toda a festa improvisada, os corredores internacionais foram surpreendidos com a medalha oficial da prova, entregue pela organização para coordenadores de delegações e de agências de turismo, para que repassassem aos inscritos interessados. Para Regis, assim como para a maioria, essa medalha não teve um significado de maratona terminada, mas sim de um consolo de levar para o Brasil uma lembrança. "Achei linda, vou guardar com carinho, mas não vai ter o mesmo significado da do ano que vem, quando vou voltar aqui para correr a prova de verdade. Acho que a cidade vai se sentir como se estivesse devendo isso aos corredores internacionais."

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