Blog do Corredor Redação 10 de outubro de 2012 (0) (176)

Correr por uma causa faz muito bem à alma

Seja sincero: um dia, quando o corpo não respondeu em uma prova muito difícil ou durante um treino mais puxado, você se questionou. Ou, pelo menos, já ouviu a pergunta, feita num misto de admiração e incredulidade – você corre por quê? Respostas mais variadas, impossível: vão desde um simples e profundo "não sei" até as justificativas mais plausíveis, como saúde, bem estar, diversão, performance, competitividade. Mas, bonito mesmo, é quando tem tudo isso e uma boa causa.

Confortavelmente instalado no sofá de sua sala, em Campinas, no interior de São Paulo, o ultramaratonista Áureo Lavinas assistia à TV. Era 2007. Na telinha, a reportagem mostrava a história de uma criança que havia desaparecido em São Carlos. O pai contava como estava vestida, o que fazia, apelava para que o ajudassem a encontrar o filho. Corta para outubro de 2011. Áureo liga a TV para aquele merecido momento de pernas para o ar depois de um longão de fim de semana. O mesmo pai de São Carlos, quatro anos depois, ainda procurava seu filho. Parecia ter envelhecido mais de dez anos, a família tinha se esfacelado; ele estava por ele e pelo filho desaparecido.

"Aquilo me comoveu de tal forma, ver aquele pai, há quatro anos procurando pelo filho, uma família destruída, um homem em frangalhos. Senti que precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa que fosse, para ajudar pessoas, tantas pessoas, que sofriam o mesmo drama. E são tantas pessoas, incontáveis famílias perecendo com a dor da perda, procurando sem saber se vão encontrar o ente querido", disse Áureo, que precisou contar com a ajuda de uma amiga, delegada da Polícia Civil do Pará, para colocar em prática sua ação.

Desde maio, depois de ter sua proposta rejeitada por ONGs e outras entidades representantes do serviço social, ligadas ou não ao governo, Áureo trava sua batalha solitária com o suor da pele. A Corrida da Ponte, em maio último, no Rio de Janeiro, foi a primeira vez em que o corredor afixou, logo acima do número de peito, um print com a imagem de um desaparecido. De lá para cá, já foram sete corridas trazendo seu ideal de colaboração no peito – entre elas, a Maratona do Rio de Janeiro, Meia Maratona de Campinas, a Meia Internacional do Rio de Janeiro e até uma corrida no Chile.

 "Corro no Brasil e fora. Sempre que tenho um evento confirmado, entro em contato com a minha amiga, que seleciona a imagem e envia por e-mail para eu imprimir e usar. São milhares de pessoas numa corrida. Pode ser que alguém veja e, quem sabe, um dia eu possa realmente ajudar a achar uma criança dessas", sonha Áureo Lavinas.

 

DOAÇÕES. Qual a chance de duas garotas, uma criada no Recife, a outra em Araxá, MG, se tornarem amigas e empunharem uma bandeira de solidariedade ao próximo? Pois a corrida tornou isso possível no Rio de Janeiro. A pernambucana Marina Marinho e a mineira Lia Borges fizeram os primeiros contatos na redes sociais, esbarraram-se em algumas corridas e só ficaram amigas mesmo depois da convivência na equipe de corrida Filhos do Vento, na qual Marina está desde 2010 e Lia passou a integrar no início deste ano. Pequenas e velozes, elas estão à frente do "Corra por uma causa", cuja proposta é dar oportunidade a corredores de fazerem tão bem ao próximo quanto fazem a si mesmos.

A inspiração para dar vida ao projeto surgiu em outubro do ano passado. Uma companheira de equipe se preparava para correr a Maratona de Londres e, para isso, mobilizou os amigos. É que a corrida exige, tradicionalmente, que o participante adote uma instituição para a qual recolhem donativos. Realizada desde 1981, tornou-se, no decorrer dos anos, uma gigantesca prova, considerada uma das cinco mais importantes maratonas do mundo. Disputada por mais de 35 mil atletas, também é o maior evento anual em arrecadação de fundos para caridade existente no mundo, levantando mais de 500 milhões de libras em donativos no pouco mais de 30 anos de sua existência.

Todas essas informações caíram nas mãos de Lia e Marina na forma da revista, com a história da corrida, que os participantes da Maratona de Londres recebem ao confirmar a inscrição. Leram e choraram. A pergunta que ficou: por que não temos isso aqui? Enquanto se cotizavam e recolhiam dinheiro e compravam blusas para ajudar a amiga maratonista, a semente do "Corra por uma causa" estava plantada. Germinou em maio, modestamente. Organizaram um encontro entre amigos e arrecadaram doações para a Casa de Apoio à Criança com Câncer, que fica em Santa Teresa, no Rio.

"Foi uma loucura. Queríamos organizar uma corrida logo de cara, mas quando começamos a pensar em fazer orçamento, pedir autorização para o evento, foi um choque de realidade", diverte-se Marina, que não descarta a possibilidade de ver esse sonho se realizar, quem sabe, ainda neste ano. "Entramos em contato com várias instituições. Ficamos tocadas com o trabalho e com as necessidades da Casa de Apoio. Fizemos um levantamento do que eles realmente precisavam e aí fomos em busca dos amigos", lembra Lia, que se emociona ao falar do trabalho e lembrar da mãe, que faleceu de câncer.

A divulgação foi feita para pessoas mais próximas, pelas redes sociais, e as ajudas começaram a aparecer. Um amigo da Marina, que é fisioterapeuta, fez a logomarca do projeto, outra amiga, dona de uma confecção, doou as camisas com a marca. "O primeiro lote foi feito em material bem simples", lembra Lia. Pediram ajuda à loja Mundo Corrida, no Leblon, que imediatamente abraçou a causa e cedeu o espaço para a coleta das doações, junto com um café da manhã. Deu tão certo que emendaram uma campanha do agasalho e, aproveitando a quantidade enorme de corredores no Rio de Janeiro para a Maratona do Rio, recolheram tênis para ajudar corredores carentes.

 "As primeiras ações foram até bem simples, não precisava de dinheiro para nada. Mas agora vimos que será necessário fazer um caixa para pequenas despesas como material de divulgação, por exemplo. Vamos vender a blusa com a logomarca para movimentar o projeto", disse a matemática e maratonista Lia Borges, frisando que a ideia é ajudar instituições que estejam realmente carentes.

 A próxima ação será para o Dia das Crianças. Por isso, se você vir duas corredoras jovens e pequenas, de blusa laranja, conversando na orla carioca ou no ponto zero da pista da Lagoa Rodrigo de Freitas, pode contar que elas estão arquitetando alguma boa causa.

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