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Performance e Saúde admin 9 de agosto de 2012 (0) (104)

Lembre-se: treinar forte gera queda no sistema imune

Correr faz bem para o corpo. Os benefícios causados pelo exercício regular são tantos que facilmente poderíamos gastar a revista inteira fazendo a lista. Por fazer bem para tantas áreas diferentes, a prática de exercícios criou o estigma de ser boa sempre, e talvez de forma um pouco mais equivocada, e ideia de que se exercício é bom, quanto mais melhor. A corrida, de uma forma especial, incentiva seus praticantes a buscar a superação de seus limites, o que pede mais dedicação aos treinos, que se tornam mais longos e mais intensos. Porém, é esta rotina de treinamento intenso que parece ser responsável pela maior incidência de doenças respiratórias em atletas.

O sistema imune é a proteção do organismo contra infecções e doenças, e dentro dele o sistema imune de mucosas é a primeira linha de defesa, responsável pela proteção da cavidade oral, respiratória, gastrointestinal e urogenital. Sua principal função é produzir diferentes tipos de células que destroem e eliminam agentes patogênicos (causadores de doenças). Enquanto a atividade física em doses pequenas e moderadas pode até ser benéfico para a resposta imune do corpo, doses mais altas de exercício, agudo ou crônico, têm sido repetidamente ligadas à diminuição da capacidade imunológica.

Já no início dos anos 1980 percebia-se que atletas em geral eram muito suscetíveis a doenças e infecções "oportunistas", como gripes e resfriados.  Um estudo de 1982 constatou que esquiadores de cross-country possuíam níveis salivares inferiores de células do sistema imune quando comparados a não atletas da mesma faixa etária, e estes valores se reduziam ainda mais ao término de uma competição. Na época, especulou-se que a possível causa do fenômeno seria uma redução na produção de muco no nariz e também na produção de anticorpos pela mucosa da boca, em decorrência da queda de temperatura. Essa diminuição aguda na quantidade de anticorpos no nariz e na boca deixaria os atletas mais suscetíveis à infecções virais e bacterianas imediatamente após o exercício.

 

O CASO SEBASTIAN COE. Um pouco mais tarde, no fim da década de 80, já se sugeria que o overtraining poderia ser um dos fatores causadores da quantidade anormal de infecções respiratórias em atletas. Em 1988, por exemplo, o grande meio-fundista inglês Sebastian Coe não conseguiu sequer a classificação para os Jogos Olímpicos de Seul em função de uma infecção respiratória que prejudicou sua preparação. O fato chamou a atenção da mídia e certamente também de imunologistas que até então talvez não se preocupassem com a relação entre treinamento físico e o sistema imune. Ainda sobre Sebastian Coe, mais tarde se descobriu que ele havia contraído taxoplasmose, uma infecção que é normalmente associada ao contato com gatos, tradicionais hospedeiros do parasita, mas que também atinge pessoas com um sistema imune deficiente.

Partindo desta nova noção de que o overtraining (um "erro" de cálculo para mais na carga de treinos que um atleta suporta) seria o responsável pela deficiência imunológica de alguns atletas, mais tarde chegou-se à conclusão de que níveis "adequados" de treinamento também apresentam uma relação quase linear entre a carga de treinos e a incidência de doenças. Por exemplo: foi demonstrado que corredores de uma ultramaratona de 56 km (a Two Oceans na Cidade do Cabo) possuem uma relação inversa entre o tempo de prova e quantidade e frequência de sintomas de infecções respiratórias, ou seja, quanto menor o tempo de prova, mais sintomas de doenças respiratórias durante o período de treinamento. A mesma relação existe com o volume de quilometragem semanal relatado pelos corredores, que é um indicador razoável do nível de performance. Além disso, corredores apresentam uma tendência maior de sofrer infecções do trato respiratório na semana após uma prova do que corredores com um volume de treino similar que não tenham participado de um evento competitivo.

O exercício intenso diminui a capacidade de resposta do sistema imune também de forma aguda. Diferentes estudos utilizando variadas formas e cargas de exercício demonstraram que a resposta imune fica marcadamente deficiente nas primeiras horas após o término de uma sessão de treinos, e algumas variáveis podem levar até cerca de 20 horas para retornar aos níveis de repouso. Se pensarmos num atleta que realiza duas sessões de treino por dia, é fácil fazer as contas e perceber que ele pode não ter 20 horas para se recuperar entre uma sessão de treino e outra durante a maioria dos dias da semana, indo de encontro à relação negativa entre a resposta imune e a carga e o volume de treinos.

 

QUANTO MAIS INTENSO, MENOR IMUNIDADE. Esta mudança de paradigma, de que o exercício em si é que é responsável pela deficiência do sistema imune, e não fatores externos como por exemplo à exposição ao frio durante o treinamento, levou o mesmo grupo, que elaborou a teoria de que as baixas temperaturas na boca e nariz diminuiriam a capacidade imunológica das mucosas, a derrubar sua hipótese. Em novo trabalho, a diminuição da resposta imune de atletas se deu na mesma proporção quando eles se exercitavam em laboratório, com temperatura controlada e longe do estresse das competições.

O exercício promove uma série de alterações na quantidade circulante de diferentes hormônios e catecolaminas. Muitas dessas alterações, por exemplo, se assemelham àquelas que ocorrerm quando se enfrenta situações de alto estresse psicológico, que aliás também está presente em situações de exercício de altas intensidades, como todo corredor sabe. Alterações nas concentrações de adrenalina, noradrenalina, cortisol, hormônio do crescimento e até betaendorfinas estão relacionadas com a concentração de células do sistema imune.

Uma hipótese interessante é que o dano muscular causado pelo exercício intenso (em termos muito simplificados) muda o foco de atenção do sistema imune, deslocando glóbulos brancos (células do sistema imune no sangue) para a musculatura danificada, para dar início a processos inflamatórios. O que se sabe ao certo é que o exercício intenso possui um efeito claro e notável sobre o sistema imune; os mecanismos precisos, no entanto, são mais obscuros.

Se o exercício vigoroso é associado com uma deficiência do sistema imune, existe evidência de que o exercício moderado na verdade ajuda a fortificá-lo. Estudos longitudinais sobre o assunto são mais comuns em modelo animal, utilizando ratos, mas muitos dos resultados positivos se estendem a humanos também, pelo que se nota por estudos transversais, onde se compara pessoas que estão treinando há bastante tempo com pessoas que não se exercitam. Um dos estudos a testar os efeitos da intensidade de exercício avaliou a resposta imune depois uma hora de exercício em uma bicicleta ergométrica em três diferentes intensidades: 25%, 50% e 75% da máxima capacidade de cada participante.

Os resultados demonstraram que enquanto o exercício em 25% ou 50% da capacidade máxima aumentou a quantidade de marcadores imunológicos pós exercício, o exercício em 75% do máximo diminuiu a concentração de algumas células do sistema imune. Se a intensidade do exercício em 75% do máximo na bicicleta ergométrica fosse traduzida para a corrida, estaríamos falando de um ritmo mais lento do que o ritmo de maratona da grande maioria dos corredores, ou seja, boa parte das intensidades utilizadas no treinamento normal está acima deste limite.

COMO LIDAR COM DOENÇA RESPIRATÓRIA NOS TREINOS?

Uma série de medidas é sugerida para ajustar o treino de acordo com a severidade de uma doença respiratória:

PRIMEIRO DIA

– Não faça exercícios intensos em caso de sintomas leves, como dor de garganta, tosse e catarro.

– Não treine em casos de sintomas mais graves, como febre, dores musculares, dor de cabeça e mal-estar generalizado.

– Em ambos os casos, preste atenção na sua alimentação e hidratação, evite temperaturas extremas,

– Considere o uso de descongestionantes e analgésicos.

SEGUNDO DIA

– Em caso de piora dos sintomas, febre ou aumento da tosse, não treine.

– Em caso de redução dos sintomas, exercício leve, por 30-45 minutos.

TERCEIRO DIA

– Se os sintomas persistirem, consulte um médico.

– Se os sintoma melhorarem, exercício moderado, por 45-60 minutos.

QUARTO DIA

– Se os sintomas ainda persistem, é sinal que você já deveria ter ido ao médico ontem!

– Se os sintomas estiverem melhorando, siga a recomendação abaixo:

Para o retorno aos treinos, uma "regra" interessante é gastar o mesmo número de dias na recuperação do volume e intensidade do que se gastou com treino reduzido/cancelado durante a doença. Para esta conta, o período de recuperação inicia um dia após o desaparecimento dos sintomas, e o corredor deve prestar atenção especial caso algum sintoma retorne durante a fase de recuperação.

 

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