Notícias admin 9 de agosto de 2012 (0) (140)

Comrades: dolorida, porém muito gratificante

Depois de ter feito minha primeira sub 3h na Steamtown Marathon, na Pensilvânia (EUA) em 2011, comecei a planejar minhas maratonas para este ano. Minha ideia inicial era fazer 2 maratonas como provas principais e usar as meias e provas de 10 km como parte do programa de treinos. As escolhas foram Barcelona no final de março e Berlim em setembro. Mas, como planos são feitos para dar errado, uma fratura por estresse no calcanhar fez com que meu início de treinos fosse adiado para fevereiro. Com pouco tempo para treinar, usei Barcelona como treino para algo maior: Comrades!

Nunca tinha me passado pela cabeça fazer uma ultra, mas as histórias da Comrades sempre me pareciam fantásticas. Sem pensar muito, comprei meu pacote turístico com inscrição inclusa e deixei tudo pago, assim não tinha mais como voltar atrás. Para completar, inscrevi minha esposa Juliana (que tinha conseguido ser sub 3h30 na Steamtown), dizendo que ela só precisava correr os últimos 30 km comigo.

Para quem quer correr 89 km e terminar bem (sofrimento sempre vai ter), saiba que para uma ultramaratona você vai precisar disciplina e treino. Em resumo, foram 2 meias (São Paulo e Corpore), 2 maratonas (Barcelona e Bertioga) e 1 ultra (X-terra Ilhabela 50K). O volume de corrida chegou a 150 km/semana no pico, com media de 110 km. A Juliana, depois de correr muito bem no X-terra (6ª geral feminina), decidiu que iria fazer os 89 km. Na sequência ela ganhou a Maratona das Praias em Bertioga e tudo estava indo muito bem nos treinos.

 

A FÓRMULA MÁGICA. Até o ano passado, eu nunca tive treinador. Neste ano, comecei a treinar com a fortíssima equipe de triatlo do Clube Pinheiros, comandada pelo Luiz Gandolfo. Me misturei a outros atletas se preparando para o Ironman de Florianópolis e minha maneira de treinar mudou sensivelmente. Havia muito mais ênfase na velocidade; só para resumir, na semana final de preparação antes da fase de descanso, corri 60 tiros de 400 m! Segundo o Luiz, não importa a distância; uma vez desenvolvida a resistência, todo corredor precisa de velocidade. "Vai parecer fácil correr a 5min/km depois de treinar a 3:30/km" ele dizia. Funcionou para mim.

Na quarta-feira voamos para Durban, retiramos o kit na quinta na ótima feira da prova. Descansamos até o sábado à tarde, quando fomos para um hotel em Hilton, a 15 minutos da largada em Pietermaritzburg. Como sempre, a largada aconteceu às 5h30, ainda escuro e com temperatura perto de 5ºC. A massa de corredores afasta o frio e após o hino da África do Sul, a multidão canta junto a Shosholoza, num momento de arrepiar. O galo canta e um tiro de canhão libera os mais de 15 mil corredores pelos 89.260 metros oficiais da prova.

Quando vi que em 2012, a prova seria em descida, não imaginava a quantidade de ladeiras que ia ter que enfrentar até cruzar a linha de chegada. Meu GPS marcou 1.400 metros de subida e 2.050 de descida durante o percurso. É como correr 2 maratonas mais uma provinha de 5 km, com 40 biologias da USP (subida forte na cidade universitária paulistana) escondidas no percurso. Por sorte, não fiz a excursão de reconhecimento. Na antevéspera; acho que só ia me assustar vendo o tamanho da tarefa.

Logo no início, uma subida longa e gradual antes da descida na famosa Polly Shorts. Trate essa parte com respeito, porque se você correr forte na subida, vai se lembrar dessa ladeira. Perto do km 17, chega-se ao ponto mais alto da prova (830m), quase 200 metros acima da largada. Na parte mais "plana" do percurso, muito vento e frio. Comecei a notar que todo meu planejamento de corrida estava desmoronando. Hora eu estava lento demais, hora com o pulso acima do desejado. Minha única determinação era nunca parar de correr e me abastecer em todos os postos de suporte, distribuídos a cada 2 km.

Nunca é demais ressaltar a presença de pessoas ao longo de todo percurso. Estava usando um shorts escrito "Brazil". Essa é minha dica: se você vai correr a Comrades, deixe claro que você é brasileiro. Você vai ouvir. "Go Brazil, Go" durante toda corrida e acredite, nessas distâncias, esse apoio faz diferença.

 

O COMBINADO. Meu objetivo era tentar completar em menos de 7h30 para ganhar a medalha de prata. Isso dá um ritmo próximo de 5min/km (12 km/h). Quando passei a metade da prova em 3h51, achei que minha meta estava perdida. Me sentia bem, considerando que já tinha corrido mais que uma maratona, mas sabia que o desafio ainda iria começar. Relaxei com a questão do tempo, mas mantive a disciplina de não andar e de controlar a frequência cardíaca para não quebrar no final. A essa altura, comecei a tomar o refrigerante de cola, misturado com água, como tinha feito nos treinos. Esse tipo de bebida traz mais energia que o isotônico, porém uma vez que se começa a consumir, não se pode parar mais. Como o índice glicêmico do refrigerante é muito alto, a interrupção geralmente leva à hipoglicemia.

Na Comrades, a organização indica não a distância percorrida, mas o quanto falta para a linha de chegada. Uma cena marcante foi ver o mar e a cidade de Durban ao fundo da placa indicando 24 km para o final. Era o início da descida mais longa da prova. A essa altura, a musculatura já estava dolorida e eu fiz um acordo comigo mesmo: "Pedro, se você terminar abaixo de 7h30, você não precisa voltar aqui o ano que vem para tentar de novo". Definitivamente, o prêmio para não ter que passar por aquilo motivou meu corpo a superar a fadiga. Meu ritmo aumentou para próximo a 4:20/km. Logo depois, faltando 21 km, vi que tinha 1h41 pra cumprir meu objetivo. Fiz essa meia-maratona em 1h38 e apesar de não ter sido a minha mais rápida, considero que foi a minha melhor meia. O fato de estar ultrapassando muitos atletas ajudou bastante no lado psicológico. Cruzei em 7h28 e recebi minha sofrida medalha de prata. Não tinha como ser melhor.

Tinha sim. A Juliana ainda estava correndo e me falaram que ela parecia muito bem. Depois de 8h52 ela cruzou firme e forte, apenas 2 minutos atrás da Zilma, uma experiente ultramaratonista. Só mais tarde descobri que tinha sido o melhor brasileiro, para minha total surpresa.

Comrades é uma prova dura, mas não desumana. Quem se preparar, vai conseguir terminar. Foi uma experiência incrível. Não dá para dizer que é melhor ou pior que uma maratona – é muito diferente. Tem muito mais dor, exige mais força de vontade, porém é mais gratificante no final.

 

BALEIAS NA COMRADES 2012

Incentivados pela experiência da Contra-Relógio e dos amigos da Acorja de Recife em terras sul-africanas, no ano passado chegamos à conclusão que o momento de enfrentar a Comrades havia chegado em nossa vida de corredores e fizemos as inscrições. A partir daí essa prova tomou conta de nossas expectativas, ansiedades e receios. Aumento de volume nos treinos, dieta, temores, medo mesmo e apreensões sobre o tempo limite passaram a ditar nosso ritmo. Sobrou até para a cerveja que foi vetada.

A preparação e as privações exigidas, bem como a insegurança insuperável nos levaram a refletir se valia a pena tanto sacrifício e esforço já que as maratonas sempre nos deram prazer e viagens, sem tantos temores e ansiedades. Agora estamos prontos para responder a essa questão. Marinês Melo, Wuneni Arantes e eu (foto) respondemos: valeu, valeu e valeu!

A Comrades é mágica, toca na alma! Vivendo a prova na África do Sul nos dias que a antecede, correndo-a e completando fica fácil entender por que tanta gente faz, tantos buscam o Green Number e tantos, como nós, tentarão a medalha do "back to back". Estar ali, fazer parte daquele grupo de obstinados que se submetem a horas de esforço e satisfação é motivo de muito orgulho e ao completar o desafio a sensação é das melhores que se vive nesse mundo das corridas.

Espero que a participação Baleias na Comrades sirva para motivar corredores comuns, normalmente mais temerosos e inseguros de sua capacidade para enfrentar um desafio dessa monta, ajudando para que mais gente tenha a oportunidade de viver essa emoção, que é inigualável. E faz muito bem à alma!

Miguel Delgado, Belo Horizonte

 

PARA CIMA E PARA BAIXO, DUAS VEZES

Em 2007, ao completar 60 anos, aventurei-me pela primeira vez no percurso de 89 km entre Pietermaritzburg e Durban, na África do Sul, junto com o editor da Contra Relógio, Tomaz Lourenço, que também comemorava o mesmo número de "primaveras". Passados cinco anos, em 11h14, a uma velocidade de 7,91 km/h, repeti o feito pela quarta vez: duas "up" e duas "down", no jargão da Comrades, já que a cada ano os pontos de chegada e partida se alternam.

O período que antecedeu a ultramaratona foi especialmente difícil e o emocional conta muito na disposição para os treinos longos. As pernas são comandadas pela cabeça e se esta perder o controle, de nada adianta o condicionamento físico. É como diz o velhíssimo ditado: Mens sana in corpore sano.

Estar num grupo alegre e amigável foi fundamental desde minha chegada à África. Éramos diversos brasileiros e reuníamo-nos para algumas refeições e passeios. Neste ambiente festivo, a tensão foi-se e o foco concentrou-se na corrida. O importante era dar o primeiro passo para frente, após o tradicional canto do galo e nenhum para trás, como bem ensinou meu treinador Branca. "Nem mesmo para pegar um copo d'água", advertiu, "pegue o seguinte, pois este passo atrás pode fazer falta ao final".

Até o km 50, achei que poderia completar o percurso em pouco menos de 11 horas. Estava à frente do "ônibus" sub-onze (grupo que segue um marcador de tempo treinado a percorrer o trajeto em determinado tempo). Naquela altura, do nada, minhas forças se esvaíram. Uma terrível sensação de vazio e esgotamento fez-me sentar literalmente à beira da estrada. Não sentia nenhuma dor, só um vazio desesperador. Não sei quanto tempo fiquei ali, até que veio uma ordem interna para que me levantasse e prosseguisse, ainda que me arrastasse. Apoiada no guard-rail, ergui-me e recomecei a andar. Metros à frente, já estava trotando, como se nada houvera. Não acreditava no que eu vivenciara. Em frente, que ainda dá… Chegara ao fundo do poço e conseguira sair, não sei como. Um resgate de energia desconhecida por mim. Já era capaz até de correr, incrível.

"Só faça força onde é preciso" – esta frase da minha treinadora de musculação Alzira, ecoava na minha cabeça e eu tentava relaxar os músculos o mais que podia. Horas depois, quanto constatei que faltavam "só" 20 km, novo episódio: desta feita, muito enjoo. Apoiei-me numa divisória da pista, vendo uma pessoa do outro lado agitar um saquinho de energético, tentando me ajudar. Nova pausa, muita respiração profunda e controle da mente. As pernas cobravam a loucura da distância já percorrida. Não vou parar, pensei, pelo menos até o próximo posto de abastecimento. Com os músculos duros como um boneco de pau, levantei-me e fui tocando. A certeza de "voar" nas descidas se transformara na simples esperança de chegar ao final. Encharquei-me pela enésima vez de Pepsi, o único combustível que descia garganta abaixo, e consegui fechar a prova ainda com 46 minutos de folga até o tiro de encerramento.

Quando se pisa naquele tapete da chegada, tudo fica para trás: desespero, dores, ansiedade, medo. O estádio comemora sua glória e por dentro você explode de emoção: Vini, Vidi, Vinci, mais uma vez. Faço parte de uma tropa de elite – de trás para frente, é claro – mas não menos árdua e igualmente gratificante.

Maria Eugênia Cerqueira, São Paulo

Veja também

Leave a comment