O paulista Marco Antonio de Oliveira é um dos principais técnicos de fundo do atletismo do Brasil e um dos pioneiros em trabalhar como personal trainer de corrida e a orientar grupos formados por amadores no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Apenas de passagem pelo país, aos 54 anos e morando há quase 5 anos em Xangai, Marcão, como é conhecido, conta um pouco da sua história, o que está fazendo atualmente no outro canto do mundo e fala também dos motivos que o levaram a ir embora de vez para a China.
Técnico de Paulo Roberto de Almeida Paula, que carimbou o passaporte para a maratona dos Jogos Olímpicos de Londres, Marcão fornece aqui detalhes de bastidores que levaram o atleta a obter índice em três maratonas (Amsterdã, Barcelona e Pádova) no curto período de seis meses.
Como começou sua história com o atletismo? Comecei correndo em 1980 no Parque do Ibirapuera. Depois, também ali, passei a formar grupos de corredores, dando orientações aos interessados. Acho que fui o primeiro personal do parque, em 1981, com o Mario Rollo, da Corpore. Apareceu também a primeira equipe de corrida, a Ibirapuera Meio-Dia. Fui chamado para ser o técnico. Nessa época, o triatlo estava começando no Brasil e um amigo perguntou se eu podia treiná-lo para uma prova. Eu dava orientação de tudo – natação, ciclismo e corrida -, mas tudo empírico. Isso aconteceu paralelamente com o atletismo. Tive triatletas que participaram do primeiro e segundo triatlo no Brasil. E o primeiro triatleta campeão de uma prova de meio Ironman, com cobertura pela Rede Globo, foi o Ênio Winter, que treinava comigo. Aí começou a deslanchar meu trabalho de treinador para triatletas. Paralelamente a isso, fiz um teste e entrei no São Paulo Futebol Clube como atleta. Fazia maratona e ultramaratona.
De corredores amadores passou a treinar atletas de elite. Como foi essa transição? Fui medíocre como atleta, mas tentei. Então me procurou para treinamento a Angélica de Almeida, em 1986, que já era uma corredora de expressão. "Não tenho experiência nenhuma, mas vamos tentar", falei. E logo de cara deu certo. Ela foi 2ª na São Silvestre em 1987. Perdeu para a equatoriana Martha Tenório. E depois disso ela conseguiu o índice para os Jogos de Seul em 1988 na Maratona do Rio de Janeiro, com 2h37, na época recorde brasileiro. Isso acabou chamando outros atletas de elite. Sou idealista e foi aí que comecei a colocar um desafio para mim: de ter sempre um atleta na Olimpíada. Pelo menos um. E, de Seul até hoje, só falhou uma vez, em Atenas-2004.
Por que você foi para a China? Acompanhei muito a seleção brasileira de atletismo em eventos no exterior, como treinador, especialmente entre 1991 e 1997, e sempre para a Ásia – Coréia, Japão e a própria China. Conheci o país e comecei a perceber que existia um nicho de mercado para trabalhar na área. Numa viagem destas, fui para a Maratona de Tóquio, onde o Osmiro Souza Silva havia sido 5º colocado, e de lá segui para a Maratona de Pequim em 1997. Comecei a fazer contatos a partir dali. Depois voltei umas duas ou três vezes. O Osmiro correu lá e foi 3º e o relacionamento ficou mais forte. O próprio tradutor que me acompanhava me deu uma orientação para tentar abrir um negócio de qualidade de vida ali. Isso despertou meu interesse. Cinco ou seis anos depois, fui para um Mundial de Ultra em Taiwan com os brasileiros selecionados e lá conheci dois taiwaneses da área esportiva e comentei que pensava em abrir uma empresa em Xangai, voltada para qualidade de vida. Eles não falaram nada. Seis meses depois deram uma resposta e fui lá para conversar. Fizemos a aproximação e tudo foi acontecendo, mas precisávamos de outro investidor. E aí entrou o chileno Mario Letelier, um dos fundadores do site de comparação de preços Buscapé. Isso demorou muito para acontecer. Os taiwaneses, assim como os chineses, demoram para tomar decisão. Fomos para lá em 2008. Não sabia nada do que ia acontecer. Apenas que tinha que fazer um evento de qualidade de vida, de corrida. Investimos muito. Fomos com a cara e a coragem. Cada um tinha experiência numa coisa, mas lá percebemos que isso não valia nada. Aprendi muito na China nestes quase cinco anos, da parte legal, cultural, política. Tanto que hoje um dos meus serviços lá é dar consultoria para as empresas brasileiras que querem entrar na China. Vim aqui para tratar de negócios da minha empresa com clientes brasileiros. Por isso, estou aqui. Não voltaria jamais por outro motivo e meus atletas sabem disso.
O que você faz em Xangai e como foi essa adaptação para sobreviver num país tão diferente? Fui em fevereiro de 2008. Nosso primeiro evento foi uma corrida do câncer de mama. Fechamos logo de cara com o governo. Eram duas provas com diferença de dez dias: uma em Xangai e outra em Pequim. Uma no frio e outra com neve. E fazíamos tudo. Conseguimos entre 2 mil e 3 mil participantes nesses eventos. Havia muita pressão e na China é muito complicado porque você nunca sabe se vai conseguir autorização para o que quer fazer, além de demorar. Mas fizemos e foi algo fantástico para nós. Tivemos desde o início respaldo de uma empresa jurídica e de tradutoras, que foram nossa salvação em muitos momentos. Fizemos um convênio com a Universidade de Línguas de Xangai e eles nos mandaram algumas alunas, que fazem estágio de um ou dois anos e depois seguem para o Brasil. Com o tempo, percebi que não adiantava tentar aprender chinês. As coisas não andavam. E por isso as tradutoras foram e são importantes. Depois desse tempo lá, já consigo me virar bem com a língua, mas claro que existem as limitações. Entre os sócios, tivemos o problema de que cada um queria um objetivo. Os taiwaneses queriam eventos de corrida, eu não. Preferia trabalhar eventos de qualidade de vida ligados a "charity" (caridade), uma das coisas que faço hoje lá. Daí nos separamos e hoje estou sozinho na empresa.
Por que não quis trabalhar com corrida em Xangai? Atuar com corrida no mesmo formato que as provas daqui não me interessava. E para trabalhar como personal trainer, eu precisaria fazer um exame escrito e aí tem a limitação da língua. Sei ler, falar, mas não sei escrever em chinês. E eu queria mesmo era fazer os eventos de caridade, meio ambiente, coisas legais e diferentes que eles não têm lá. Hoje tenho a Infinitum Sports (www.infinitumsports.com), uma empresa chinesa com capital estrangeiro. É difícil abrir uma empresa nesse formato na China. E isso foi uma vitória para mim. Daqui a três anos, posso conseguir o Red Card, que me dará total liberdade de trabalho, e isso vai me favorecer em muita coisa. Por isso voltei ao país, para fazer contatos com clientes brasileiros.
Você tinha, e ainda tem, vários atletas de elite por aqui, como a Fabiana Cristine da Silva e os gêmeos Paulo Roberto e Luis Fernando de Almeida. Como você administra isso? Um ano antes de ir eu avisei aos atletas. Chamei todos que não tinham vínculo aqui para ir comigo. Tinha na época a possibilidade de arrumar a vida para eles lá. Havia a universidade em que eles podiam estudar, o alojamento. Depois, formados em Educação Física, podiam trabalhar comigo. Mas ninguém aceitou. Acabei ficando com alguns atletas, um de cada segmento, para manter a continuidade e dar sequência. No atletismo, fiquei com os gêmeos Paulo Roberto e Luis Fernando, que estão comigo há 16 anos, e a Fabiana, que está há 20 anos. Montei uma ferramenta online que dá para fazer treinamento e ver os atletas correndo na pista. Consigo pegar tiro, pausa e ver tudo. Alguns se adaptaram bem a esta ferramenta, outros ainda não. Mas falamos sempre pelo Skype e hoje tem o Garmin também que ajuda muito. Comecei a pensar em fazer alguma coisa de treino a distância, para elite e amadores também, e montei a Marco Lóng (www.marco-long.com), voltada para o mercado brasileiro e exterior, menos para a China, já que não posso atuar lá, ainda, como personal trainer. Lóng significa dragão em chinês. Eles sempre dão um nome para o estrangeiro. E este foi o nome chinês que me deram quando cheguei lá.
E esse seu histórico, quase 100%, de colocar sempre um atleta nos Jogos Olímpicos, desde Seul-88? Teve a Angélica de Almeida na maratona em Seul-88, o Claudio Bertolino nos 20 km de marcha em Barcelona-92 (acabou não indo por lesão, mas conseguiu o índice). Em Atlanta-96, foi novamente o Bertolino na marcha (dessa vez ele fez) e a Roseli Machado nos 5.000 m, no mesmo ano em que ela foi campeã da São Silvestre. Em Sidney-2000, foi o Osmiro na maratona. Furei apenas em Atenas-2004. Não tinha ninguém para maratona ou fundo. Quem tinha possibilidade era a Fabiana, mas ela nunca focou em Olimpíada e teve uma série de lesões também. E os gêmeos também não queriam saber de maratona. Fiquei muito frustrado com isso. Eu não precisava viajar, só queria conseguir o índice para um atleta. Ele poderia nem ir, já que podia acontecer de ter cinco com índice e apenas três vagas. Mas isso já era um desafio para mim. Em Pequim-2008, fui salvo pelo gongo, com a colombiana Berta Sanches. Acompanhei 100% da preparação dela na parte de fisiologia e periodização junto com seu treinador. Foi algo em conjunto e muito legal. Ela se recuperou e conseguiu o índice para a maratona em Roterdã. Agora, para Londres-2012, vai o Paulo Roberto. Essa foi minha linha, sempre com o ideal de índice. Sempre tive atletas, mas nunca fui convocado para acompanhar. E provavelmente não vou de novo. Ninguém conta o que você fez no passado, se colocou vários atletas. E diferentes. Uma coisa é você ter o Robson Caetano todo ano, outra é você ter atletas diferentes, como é meu caso.
Sobre os gêmeos, você disse que eles não queriam fazer maratona. O que fez para que mudassem de ideia? Pois é. Não partiu de mim. Partiu deles. Houve uma época em que todos os meus atletas faziam biopsia de fibra muscular na Escola Paulista de Medicina para saber se estavam na prova certa e também se estavam com overtraining ou não. Nesses testes, foi indicado que os gêmeos tinham potencial "master" para provas de fundo, da mesma forma que a Fabiana tem fibra para os 1.500 m. Tentei passar isso para eles. Para os gêmeos, acabei visando às provas de 10 km. Não imaginava maratona porque eles não gostavam de rodar. E você tem que respeitar isso no atleta também. Você quer, mas tem que saber se o atleta quer ou não. Esse é o erro dos técnicos brasileiros e eu errei muito nisso. Para estes Jogos, até pensei: "Não vou ter ninguém". Eu não ia convencer os gêmeos a correr maratona. Quando falaram "vamos focar na maratona", eu dei risada. "Vocês sabem o que é treinar para uma maratona? Tem que rodar muito e só pensar nisso", eu disse. "Veja qual é o treinamento. Vamos para a altitude, em Cochabamba, e já estamos comprando passagem para uma prova na Europa que a manager (a portuguesa Rita Borralho) está vendo para tentativa de índice olímpico". Era complicado porque eles são dois. E até então não tinha ninguém pagando isso. Viagem para Cochabamba, Europa, tudo isso custa caro. Mas eles quiseram investir.
E quando você acreditou que eles levariam isso adiante? Isso tudo aconteceu três meses antes de Amsterdã, que já foi com foco para tentar o índice. Eles sempre seguiram o treinamento à risca. Foram para Cochabamba e agora tem o Garmin. Você sabe se a pessoa treinou ou não. Comecei a olhar os arquivos do Garmin e aí pensei: "Os caras estão treinando mesmo. Estão focados". Me empolguei também e achei mesmo que eles iam conseguir. Eles inverteram a situação, ou seja, passaram essa empolgação para mim. Potencial eu sabia que eles tinham, mas faltava o foco. E focaram 100%; foi uma coisa absurda. Focaram de um jeito que nada os derrubaria. Quando acreditei 100%, eu joguei para eles: "E se alguém fizer 2h08?" Eles responderam: "A gente vai lá e faz 2h07". É isso. Não sei se iam fazer ou não, mas já focaram. Para mim era o que bastava. Fui acompanhando os treinos e vi que eles eram maratonistas mesmo. Era só não quebrar.
Como foi a estratégia para a tentativa de índice? Surgiu a ideia de fazer duas maratonas. A primeira em outubro, em Amsterdã, e a segunda em março, em Barcelona. Houve uma estratégia aí e foi uma experiência minha de 30 anos nisso. Dos que tentavam o índice, o Paulo Roberto foi o primeiro a fazer a maratona. "Vamos tentar logo de cara. Se não der certo, você tem uma segunda e terceira chance ainda." Era jogo de xadrez. O que mexer a peça primeiro sai na frente. Mexemos primeiro. O Paulo fez logo de cara 2h13, mesmo parando quatro vezes para urinar. Peguei no pé dele por causa disso. "Você tem que fazer isso correndo", falei. "Mas pode?", ele perguntou. "Claro que pode". Dei uma dura violenta. Serviu para Barcelona, porque lá ele fez xixi correndo. São detalhes até folclóricos, mas dá para ver que eles estavam focados mesmo. Mesmo assim, tinha um problema. Com duas maratonas seguidas e ainda a possibilidade de uma terceira, você pode pegar uma lesão e não se recuperar. Então tive que mudar o treinamento. Em Barcelona, o Paulo Roberto já fez 2:11:51 e daí veio o Franck (Caldeira, em Milão), que surgiu do nada, e fez 2:12:03. Isso abalou um pouco. Aí precisávamos de uma terceira prova. Não queria repetir duas maratonas, mas para isso ele teria que ter corrido Barcelona para 2h09.
Mas depois de Barcelona, o Paulo Roberto ainda era o primeiro do ranking. Você ainda assim não achava que ele estava numa posição confortável? Quem você acreditava que poderia ser a ameaça? Não era confortável. Havia o Solonei numa prova boa, que era Londres, e ele já tinha corrido para 2h11. E tinha também o Damião e o Giomar, além do próprio Franck. Não estávamos sossegados. Ele não dormia; era uma preocupação dele e minha também, já que não estava garantido.
E por que Pádova e não Hamburgo (29/04), já que teria uma semana a mais de recuperação e até para saber se precisava ou não correr? Depois de Barcelona, tinha que achar uma prova. Eles já estavam na Europa. A opção era Hamburgo, mas a organização respondeu que não dava mais tempo. A outra opção seria Pádova, mas houve algo estranho aí. A manager ligou solicitando a inscrição e a organização negou; não queria pagar as despesas de passagem, hotel e alimentação. Nós não tínhamos outra opção; só havia Pádova. Foi então que os gêmeos resolveram pagar do próprio bolso. A organização não teve como negar e acabou dando pelo menos a inscrição. Eu esperava que o Paulo Roberto melhorasse o resultado dele lá, mas não que fosse o terceiro colocado. Ele fez 2:10:23 e, no final, o pessoal da prova pediu desculpas e pagou tudo.
Foram seis meses e três maratonas. E as três dentro do índice. Como foi feita a recuperação desse desgaste? Não sou a favor disso. Eles também eram contra, mas foi o desespero do índice. Foi preciso fazer um treinamento favorável para que o Paulo Roberto aguentasse estas três maratonas em seis meses, sendo que, para as duas últimas, eram apenas 28 dias de diferença. A rodagem foi colocada a 75% do VO2 máximo, o que dava um ritmo bem leve, de poucos menos de 4 minutos por km, quando a rodagem normal seria por volta de 3:20/km. Ninguém vai acreditar, mas é só ver o Garmin dele, e ele achou isso bem legal. Absorveu tanto a ideia que dizia que rodaria mais lento ainda. Os treinos de qualidade também foram feitos mais fracos; cortamos um monte de tiros, o volume dos longos e da rodagem da semana. O volume semanal no auge, que era de 170 km, caiu para cerca de 80 km, isso para o Paulo Roberto, que havia terminado a maratona. O Luis Fernando foi até o 34 km na maratona e aí foi o único momento que eu dividi o treino deles. Um era para recuperação, o outro era para dar continuidade. Eles têm mania de treinar juntos e isso é um erro. Gêmeos não podem treinar juntos, são diferentes quando se está falando de atletas de elite. Mas nunca consegui tirar isso deles, apenas nessa vez. Tínhamos um tempo curto e tem organismo que não aceita tanta rapidez. Mesmo você dando recuperação, o atleta está "morto" depois da maratona. Agora por que ele se recuperou? Tem a genética, tem meu treinamento, mas tem algo mais importante que isso: eles pararam de competir em provas de rua. Se fizermos um retrospecto de Amsterdã até Pádova, só entraram uma corrida, que foi a Meia de São Paulo (1:02:31 o Paulo Roberto e 1:03:03 o Luis Fernando). As coisas foram dando certo e eles foram acreditando mais no treinamento. O maratonista não pode competir toda hora. Esse foi o segredo.
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Marcão,
Há quanto tempo não te vejo. Desde os anos 80. Gostaria muito de falar com você. Me contate por e-mail. Parabéns pelo seu trabalho.
Bjs.
Miriam S. Martins
marcão estou morrendo de saudade de você,foi inesquecível aqueles anos de convivencia contigo e aprendi muito sobre nosso querido esporte.Continuo correndo 80 km por semana,o que é mais incrivel é que agora voltei a pesar 61 kg e estou levinho participando da categoria de veteranos quem diria já se passaram 30 anos,o que tambem é legal é que minha esposa e meus filhos foram contagiados pelo atletismo uso muito do que aprendi com você nos treinos deles.Um abraço do seu eterno amigo luisinho