Lidar com treinamento físico com mulheres é mais complicado do que trabalhar com homens. Não por acaso, a maioria das pesquisas publicadas sobre exercício físico é realizada com indivíduos do sexo masculino. Homens são simplesmente mais estáveis do ponto de vista hormonal, e isso quer dizer que suas respostas ao treinamento ou intervenções são mais previsíveis, menos sujeitas a alterações causadas por oscilações do organismo.
As mulheres, por outro lado, são uma montanha-russa hormonal. A concentração de progesterona no plasma sanguíneo, por exemplo, pode variar de 0.7 mmol/L durante e após a menstruação, para cerca de 44.0 mmol/L durante a fase pré -menstrual. Este grande aumento da concentração de progesterona (e de estrogênio também, leia mais abaixo) é responsável pelo aumento da temperatura corporal, retenção de líquidos e aumento da agressividade e irritabilidade durante o período pré-menstrual. Para se ter uma ideia de tais efeitos, já foi constatado que jogadoras de futebol estão mais expostas a lesões traumáticas (causadas por baques físicos) durante o período pré-menstrual, e este risco é ainda mais significativo em jogadoras que relatam sintomas de maior irritabilidade durante a TPM.
QUATRO HORMÔNIOS. O ciclo menstrual, com duração aproximada de um mês, promove grandes alterações nas concentrações de diversos hormônios no organismo feminino. Os quatro principais hormônios envolvidos no ciclo menstrual são o estrogênio, a progesterona, o hormônio luteinizante e o hormônio folículo estimulante, todos controlados pelo "eixo" formado pelo hipotálamo, glândula pituitária (ambos localizados logo abaixo do cérebro) e os ovários.
De modo geral, estas diferenças em concentrações podem ser divididas em dois períodos, que são separados pelo momento da ovulação (não confundir com menstruação). No período pré-ovulação, conhecido como fase folicular, a concentração circulante dos hormônios estrogênio e progesterona (este último o equivalente feminino da testosterona masculina) é baixa, sendo que a concentração de estrogênio aumenta gradualmente ao longo da fase.
Ao final do período folicular, um curto pico de concentração dos hormônios folículo estimulante e luteinizante ocorre, de forma que o ovário "libera" um óvulo para dentro das trompas, dando início a fase lútea do ciclo menstrual. Enquanto o óvulo ainda está em seu estágio fecundável, por assim dizer, o organismo feminino mantém altos níveis circulantes de progesterona e estrogênio, hormônios que, simplificadamente falando, tornam o útero habitável para um possível embrião. Caso a fecundação do óvulo não ocorra, a concentração destes hormônios cai e a mulher menstrua.
O período pré-menstrual, então, é caracterizado pela alta concentração destes dois hormônios. Como o progesterona e o estrogênio também possuem influência sobre diversos outros processos do organismo, como a regulação de temperatura corporal, manutenção de status hídrico e a preferência por diferentes substratos energéticos (carboidratos ou gorduras, por exemplo), é natural se esperar que o ciclo menstrual possa trazer alterações na performance esportiva feminina.
Uma pesquisa de 2003 comparou as respostas metabólicas de mulheres na fase lútea e na folicular do ciclo menstrual, instantes opostos onde a concentração dos hormônios progesterona e estrogênio é mais diferente. Apesar da capacidade total de exercício não ter revelado diferença entre as duas situações, os resultados demonstraram que durante a fase lútea as mulheres apresentam uma maior preferência pela utilização de gordura durante o exercício, o que ao mesmo tempo pode significar uma dificuldade na capacidade de utilização de carboidratos.
SEM INFLUÊNCIA NA FORÇA. Do ponto de vista da produção de força, a fase do ciclo menstrual também não apresenta grande influência sobre a performance feminina. Um grupo da Universidade Sydney, na Austrália, publicou em 2002 um estudo investigando a contratilidade muscular (medida por estimulação elétrica dos músculos) e força voluntária máxima em mulheres durante três partes distintas do ciclo menstrual: durante a menstruação, quando tanto a progesterona quanto a estrogênio estão baixos; ao final da fase folicular, quando o estrogênio está elevado, mas a progesterona ainda não; e finalmente durante a fase lútea, quando ambos estão elevados.
Os resultados demonstraram que o desequilíbrio hormonal não possui qualquer influência sobre a capacidade de produção de força por curtos períodos de tempo, seja voluntária ou via estimulação (o que elimina o componente cerebral e psicológico da equação). Também não houve qualquer diferença quanto ao grau de fatigabilidade das fibras, ou seja, quanto tempo elas demoram para perder sua capacidade de produzir forca quando estimuladas, o que novamente sugere que o ciclo menstrual não possui efeitos sobre a capacidade de exercício em nível muscular.
Enquanto alguns trabalhos não apontam diferenças no custo metabólico do exercício durante as diferentes fases do ciclo menstrual, outros sugerem que elas existem. Já foi demonstrado, por exemplo, que o pico da diferença de temperatura corporal durante os extremos opostos do ciclo (fase lútea e fase folicular) é de cerca de 0.7°C, sendo a mais alta na fase lútea. Durante exercícios de alta intensidade essa diferença persiste em cerca de 0.5°C, e ainda é acompanhada por um aumento nos batimentos cardíacos e no consumo de oxigênio. Todos estes fatores combinados indicam uma redução da capacidade máxima de esforço, e possivelmente um aumento da percepção de esforço durante cargas submáximas.
EFEITOS PARA O TREINAMENTO. As pesquisas sobre a influência do ciclo menstrual sobre a performance feminina apresentam resultados nebulosos. Um dos fatores que contribuem para isso possivelmente seja o fato de que o modo como as mulheres são afetadas pelas diferentes etapas do seu ciclo menstrual é altamente individual, o que muitas vezes impossibilita a generalização de resultados a partir de estudos com pequenos números de participantes, como é o caso da maioria dos trabalhos sobre o tema.
De acordo com um estudo canadense, o percentual de mulheres que relata perdas de performance em função de alguma fase do seu ciclo varia entre 37-63%, enquanto 13-29% das mulheres diz que sua performance melhora durante a menstruação. Pela lógica, levando em conta o ciclo dos hormônios progesterona e estrogênio e os indicativos de estudos que mostram algum efeito do ciclo sobre performance, alguns autores concluem que o mais indicado seria que as cargas de treino seguissem o padrão do ciclo, com cargas mais altas no período menstrual e mais baixas no período pré-menstrual. Levando em consideração que o treinamento "normal" já apresenta uma variação ao longo do mês, com semanas mais intensas seguidas por semanas de recuperação, talvez não custe tentar ajustar este sobe e desce de cargas ao ciclo de cada atleta por alguns meses para testar os resultados.
TRÍADE DA MULHER ATLETA
A tríade de mulher atleta é um conjunto de três fatores inter-relacionados que afetam a performance e especialmente a saúde da mulher: distúrbios alimentares, amenorréria e osteoporose. Como colocado pela Dra. Jaren Birch, da Universidade de Leeds (Inglaterra), a pressão psicológica desencadeada pela exigência de altos níveis de performance, e por tabela os baixos níveis de gordura corporal associados a atletas de ponta, faz com que as mulheres tentem perder massa corporal através do aumento do volume de treino e diminuição da ingesta calórica. A dieta pobre, agravada por maior treinamento e pelo aumento na concentração de hormônios associados ao estresse psicológico, pode eventualmente alterar o controle dos hormônios responsáveis pelo ciclo menstrual, o que em última instância leva à amenorreia (interrupção do ciclo menstrual).
Sem o ciclo menstrual, a produção de estrogênio (como vimos anteriormente, um dos hormônios responsáveis pelo controle do ciclo menstrual), também fica prejudicada. Acontece que o estrogênio é importantíssimo na regulação do ciclo de construção de massa óssea, e a carência deste hormônio na circulação pode levar à diminuição da densidade óssea e aumento do risco de osteoporose. A tríade da mulher atleta, em outras palavras, é um efeito cascata onde uma desordem potencializa o aparecimento da outra, e ainda agravando os efeitos da anterior, o que torna a doença muito grave.
O exercício intenso facilmente interfere com o ciclo menstrual. Uma pesquisa de 1985, do tipo de trabalho que só era possível naqueles tempos, mostra um exemplo típico. Um grupo de mulheres previamente destreinadas, com ciclos menstruais normais, foi submetido a um treinamento de alta intensidade: as participantes corriam todos os dias entre 6,4 e 16,1 km (aumentando progressivamente ao longo de cinco semanas), mais cerca de 3,5 horas diárias de prática esportiva de intensidade moderada. O resultado foi que 24 das 28 participantes sofreu alterações hormonais e disfunções em seu ciclo menstrual. Das quatro restantes, três estavam no grupo que recebeu uma dieta de forma a manter sua massa corporal ao longo do estudo.
Os resultados mostram como o ciclo menstrual é suscetível a alterações induzidas pelo exercício intenso, especialmente se acompanhado de perda de peso. Mais recentemente, utilizando um modelo animal (em macacos submetidos a treino de corrida), um grupo americano demonstrou que as alterações no ciclo menstrual são altamente ligadas ao deficit calórico, e distúrbios no ciclo podem ser facilmente revertidos com compensação energética.
E se ainda assim a tríade parecer um cenário distante, existem trabalhos mostrando que a prevalência dos fatores é maior do que se imagina. Uma pesquisa publicada nos EUA em 2006 demonstrou que em um grupo de 180 garotas com idade entre 14-16 anos, todas atletas escolares, a prevalência de pelo menos um dos fatores foi de 18% para desordens alimentares, 23% para irregularidade menstruais e 22% baixa densidade óssea. Dez das 180 meninas (5,9%) apresentaram dois dos componentes da tríade, e duas garotas, ou 1,2%, foram diagnosticadas com os três componentes da tríade. Apesar do percentual de meninas identificadas com a tríade completa não ser muito alto, o número já chama atenção, e mais ainda se considerarmos a quantidade com pelo menos dois componentes.
A melhor estratégia para lidar com a situação é obviamente a prevenção, uma vez que a identificação dos dois primeiros componentes da tríade (distúrbios alimentares e menstruais) são relativamente simples e baratos de serem realizados. Para atletas já identificadas com a tríade, o primeiro passo de tratamento é o acompanhamento psicológico, uma vez que via de regra distúrbios alimentares (como anorexia nervosa ou bulimia) estão na raiz da situação. A redução da carga de treinos também pode auxiliar, pois favorece o re-estabelecimento de um balanço energético favorável.
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Gostei muito da matéria. Conheci esse revista a pouco tempo na espera da consulta da minha filha, e gostei muito da revista, por isso resolvi entrar no site p/conhecer mais.
Gostaria de ter informações sobre queda de resistência seguida de gripe após corridas mais longa como meia maratona. A questão hormonal e nutricional como aliadas para evitar este quadro.