Performance e Saúde admin 7 de maio de 2012 (1) (192)

Mais oxigênio, para correr e viver melhor

O consumo de oxigênio máximo (VO2max) de uma pessoa é um conceito importante porque engloba o funcionamento simultâneo e sincronizado de vários sistemas do organismo. Para que se consuma oxigênio, é preciso inicialmente que se tenha atividade muscular. Quanto maior a carga de trabalho, maior a demanda por energia, e por consequência, oxigênio.

De maneira simplificada, nosso corpo utiliza o oxigênio para "queimar" os carboidratos e gorduras. Ou seja, para que uma pessoa possua um consumo de oxigênio elevado, ela precisa estar apta a utilizar grandes grupos musculares em altas intensidades por pelo menos dois a três minutos, tempo necessário para se atingir o VO2max. Durante este período, para que o oxigênio chegue aos músculos, precisamos que o sistema ventilatório esteja funcionando adequadamente, e para que o ar passe dos pulmões para o sangue e seja carregado em quantidade suficiente até a musculatura, é necessário que o sistema cardiovascular esteja trabalhando perfeitamente.

É um processo complexo, com uma quantidade infindável de passos, e a menor deficiência em qualquer um deles irá afetar imediatamente o resultado final. Ao passo em que para se ter um VO2max elevado é preciso que todos os sistemas (músculos, pulmões, coração) estejam em sua capacidade plena, basta apenas um deles estar menos condicionado que o VO2max irá cair.

Mas eu sou particularmente suspeito para falar de consumo de oxigênio, afinal é o tema que escolhi para meus trabalhos de mestrado e doutorado, então vamos deixar que outros falem. Para que se tenha uma ideia mais concreta do quanto o consumo de oxigênio é realmente importante, vamos analisar um trabalho publicado em 2002 no New England Journal of Medicine, um dos mais importantes periódicos do mundo na área médica.

 

MAIS EXERCITADO, MENOS RISCO.  Os autores investigaram os resultados de mais de 6 mil testes incrementais de esteira (aquele em que a intensidade aumenta gradualmente com o tempo) feitos por homens saudáveis ou com alguma doença cardíaca, sendo os participantes acompanhados por uma média de seis anos após a realização de seus testes. Além da avaliação física, outros exames e questionários foram feitos. De todos as variáveis analisadas, a capacidade de exercício foi o melhor preditor do risco de morte tanto nas pessoas saudáveis quanto nos que já apresentavam doenças cardíacas. A capacidade de exercício superou outros fatores de risco muito conhecidos, como fumo, diabetes, hipertensão e até mesmo histórico de infarto do miocárdio.

Podemos perceber então, que a capacidade de exercício é um fator vital, literalmente, quando se fala em saúde. Mas ora usamos o termo "capacidade de exercício", ora falamos em "consumo máximo de oxigênio"… qual a diferença? A medicina trabalha muito com o conceito de equivalente metabólico, o chamado MET. Cada MET equivale ao consumo de oxigênio de uma pessoa em repouso, cerca de 3,5 ml/kg/min. Assim, quando uma pessoa se levanta e começa a caminhar, por exemplo, e seu consumo de oxigênio aumenta para 7,0 ml/kg/min, ela está se exercitando a 2,0 METS. Este sistema é utilizado em estudos como o que mencionamos, que não mede diretamente o consumo de oxigênio, mas faz uma estimativa do seu valor a partir da velocidade e grau de inclinação da esteira.

Como existe uma relação direta e bem forte entre a carga de trabalho e o consumo de oxigênio, esta extrapolação de um para outro pode ser feita sem grandes problemas neste tipo de estudo, e os termos capacidade de exercício e consumo máximo de oxigênio, neste contexto, são praticamente intercambiáveis. No caso de corredores, que com frequência medem diretamente o seu consumo de oxigênio, basta dividir o consumo de oxigênio total por 3,5 para se obter o resultado em METS. A medicina considera qualquer valor acima de 8,0 METS (ou um consumo máximo de oxigênio de cerca de 28 ml/kg/min), como "baixo risco" de morte. Isto equivale a correr a cerca de 12 km/h, ou a 5 min/km.

Para os corredores, o consumo máximo de oxigênio (VO2max) possui um significado diferente. A saúde é importante claro, mas todo corredor capaz de correr 5 km já estará classificado na zona saudável. Quando se fala em performance, VO2max deixa de ser sinônimo de capacidade de exercício por causa da economia de corrida. Esta é muito similar ao desempenho de consumo de um carro: se compararmos dois corredores correndo com uma VO2 de 40 ml/kg/min, um pode estar correndo a 13 km/h e outro a 14 km/h, porque é mais econômico, utiliza menos energia para se locomover. Estas diferenças não são significativas em estudos de larga escala como o que vimos, mas são de extrema importância quando trabalhamos com corredores em busca de desempenho.

 

VELOCIDADE NA LONGA DISTÂNCIA. Existem três conceitos básicos que definem a velocidade de corrida numa prova de longa duração. O VO2max, ou seja, o quanto de oxigênio um corredor consegue consumir por minuto; o percentual deste VO2max que ele consegue utilizar pela duração da prova; e finalmente o que ele consegue fazer com esta quantidade de oxigênio utilizada, no que se chama economia de movimento.

Destas três variáveis, o VO2max é com certeza a que já ganhou mais atenção dos pesquisadores. Grande parte desse destaque se deve possivelmente ao platô de VO2max. O conceito de platô foi criado nos mesmos trabalhos dos anos 1920 que mencionamos no início da matéria, e é bem simples de se compreender: conforme aumentamos nossa velocidade de corrida, o consumo de oxigênio aumenta de maneira proporcional, até um ponto em que mesmo que se eleve velocidade, o consumo de oxigênio deixa de aumentar, entrando num platô, ou mesmo caindo um pouco.

Este fenômeno tem intrigado pesquisadores por gerações, pois aí estaria o "limite" da performance de cada um. Inicialmente se pensava que corredores menos treinados não eram capazes de demonstrar o platô, pois não conseguiam correr até o limite de sua capacidade. Por outro lado, um corredor que confirmasse o platô havia atingido o seu limite absoluto, e não haveria quantidade de treino capaz e aumentar seu VO2max. É como se cada um de nós tivesse uma linha finita de aumento de VO2max pré-determinada, que só apresentasse o tal fenômeno quando chegássemos ao final dela.

Hoje se sabe que as coisas não são bem assim. Corredores de altíssimo nível às vezes não apresentam o platô, e corredores medíocres o fazem, o que tem abalado um pouco a reputação do fenômeno, enquanto indicador do "limite absoluto" da capacidade cardiovascular. Além da inconstância da detecção do platô, até cerca de dois anos atrás pouco havia sido feito para contestar sua importância. O que nos leva de volta ao trabalho que estamos desenvolvendo na Cidade do Cabo (África do Sul), em parceria com outras seis universidades. Para explicar o que estamos fazendo, vamos recapitular um pouco como se testa o VO2max de um corredor.

Um teste de VO2max é normalmente um teste incremental, em que a velocidade de corrida aumenta progressivamente ao longo do tempo, por exemplo 1 km/h a cada minuto, até que o corredor não consiga mais acompanhar a velocidade da esteira. Sim, às vezes é preciso deixar alguém junto à esteira esperando por uma eventual queda. Se o corredor não demonstra o platô ao final do teste, ele faz uma pausa e volta à esteira, numa velocidade ainda mais alta que a última do seu teste.

Assim, se comparam os consumos de oxigênio entre as diferentes velocidades para se estabelecer se houve ou não aumento no VO2.. Com base nestes testes, já ficou claro que não é possível tentar aumentar o VO2max de alguém aumentando a velocidade de corrida, além da alcançada no teste incremental. A alternativa então era diminuir a velocidade e ver o que acontecia! Apesar de ser, à primeira impressão, uma lógica oca, pois diminuindo a velocidade de corrida diminui também o gasto energético, existe uma série de motivos para acreditar que a estratégia poderia dar resultados positivos.

 

RESULTADO SURPREENDENTE. O que nós fizemos então (lá na Cidade do Cabo) foi testar corredores em um teste regressivo: a velocidade inicia alta e conforme o corredor "cansa", a velocidade é gradualmente diminuída. O resultado final é que utilizando este novo teste os corredores foram capazes de aumentar em média 4,5% o seu VO2max, um resultado totalmente inesperado de acordo com o entendimento atual do funcionamento cardiovascular.

Um aumento de VO2max desta magnitude é algo que seria esperado, com sorte, ao longo de uma temporada inteira de treinos, mas nunca com uma simples mudança de protocolo de teste, ainda mais quando o protocolo tradicional utilizado seguiu a risca todas as recomendação. Ainda mais surpreendente foi o fato de que após este teste os corredores "incorporaram" os 4,5% a mais de consumo de oxigênio quando voltaram a realizar a avaliação normal. Este novo protocolo de teste está abrindo um caminho dentro da área de avaliação de atletas e pacientes, mas também dentro da linha de treinamento.

O objetivo de alguns tipos de série é justamente estressar o sistema cardiovascular. Séries intensas, com cerca de 4-5 min de duração possuem esta característica. Se antes o máximo que se conseguia era estressar o sistema até "100%" de sua capacidade, hoje descobrimos que existe uma reserva, de cerca de 5% no consumo de oxigênio, e por tabela no funcionamento do nosso sistema de produção de energia como um todo, que só entra em cena quando utilizamos séries de cargas regressivas, onde a velocidade cai com o tempo. Este tipo de série ainda não foi avaliado como uma série de treino, mas quem experimenta diz que é bem mais difícil que o tradicional. É esperar para ver.

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