Boston é daqueles locais que você chega pela primeira vez e sente que sempre esteve lá. Ao deslocar-se a pé ou de transporte público por uma cidade praticamente sem ter de pedir informações ou olhar o mapa (ou GPS nos tempos atuais), a sensação é de familiaridade, de sentir-se em casa. De conhecer os restaurantes, as pessoas e saber onde comprar algo, supérfluo ou de primeira necessidade.
A Maratona de Boston é, para mim, a única certeza ano após ano. Não sei que provas irei participar, mas sei que terei de trabalhar bastante para estar lá de novo. É assim desde 2011, quando busquei o índice pela primeira vez. Estive na prova de 2012 a 2015. A viagem já está programada para 2016. Boston, do que já vi no mundo das corridas, é única. Uma paixão ao primeiro olhar e que, com as descobertas, convivência e cumplicidade, foi se tornando amor. Pela cidade, pela corrida, pelo ambiente, pelas pessoas que a fazem dela tão especial, geração após geração.
Ver crianças de 4, 5, 6 anos correndo para te cumprimentar em um dia gelado, de vento, chuva, como no último 20 de abril, é algo único. E elas estavam ali para torcer. Aprendendo desde cedo com os pais. Pais esses que também aprenderam com os pais… e temos então, geração após geração perpetuando a festa, a celebração, a alegria por receber corredores de todo o mundo para dias festivos, alegres, inesquecíveis.
Essa festa grandiosa também teve um momento trágico. Também, infelizmente, inesquecível. O atentado à bomba na linha de chegada em 2013 abriu feridas enormes, fez escorrer o sangue do espírito de Boston. Deixou mortos. Me fez chorar. Muito. Até hoje faz. Eu já tinha terminado a prova, estava no restaurante, almoçando. Não há como imaginar que pouco mais de uma hora antes, eu poderia estar lá. Ou a Mari, que estava do outro lado da rua, esperando a minha chegada. Ou poderia ser Pedro, meu filho, no lugar de Martin Richard, de 8 anos, uma das três vítimas fatais (além de 264 feridos)…
Boston sofreu, sangrou, o ambiente, por uma semana, ficou tenso, comovente, doloroso… mas Boston se tornou ainda mais Boston. A cidade se uniu. As pessoas se uniram. A festa em 2014 foi ainda mais bela. Fiz questão de levar meus filhos, Pedro e Vitória, para também aprenderem com as gerações que há mais de 100 anos ajudaram a transformar a maratona local em uma prova única.
Hoje, ao ler o noticiário norte-americano com a sentença de morte de morte a Dzhokhar Tsarnaev, de 21 anos, condenado pelas explosões (agiu ao lado do irmão mais velho Tamerlan, que morreu em confronto com a polícia durante a perseguição, enquanto eu ainda estava em Boston), a sensação foi estranha. De que o sangue volta a escorrer em Boston. Para que outra morte? Não é muito “simples”? Não “facilitaram” as coisas para o responsável? Deveria, sim, ter sido obrigado a ficar em uma cadeia pelo resto da vida… que seria bem longa. De preferência, com fotos das pessoas que ele matou nas paredes.
O promotor Steven Mellin pediu para Tsarnaev uma sentença de morte por considerar que ele queria “matar tanta gente quanto fosse possível”. “O acusado pôs uma mochila atrás das crianças e esperou… Ele não se importava em matá-los (…) porque já tinha chegado à conclusão de que matar inocentes estava justificado”, afirmou. Tudo isso é verdade. Não discuto ponto algum. Vivenciei toda a história. Mas o lema criado em Boston, o Boston Strong, tornou-se muito mais forte do que isso. Fica, então, repetida a questão: para que outra morte?
Foto: BAA
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Parabéns pelo texto Andre! Independente da morte, o pior castigo pra ele será esse carma que levará para sempre consigo! Onde estiver.. Abraço.
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Rodrigo, vai demorar para ele pagar essa conta!
Abraço
Andre, não tenho resposta pra sua pergunta. Acho mesmo que ela não se coloca. A questao não é saber se uma morte a mais neste caso é necessária, mas se seria necessária ou justificável em qualquer caso.
Este é, quem sabe, o caso mais fácil para dar a pena máxima. Ninguém parece mais merecedor, ninguém com menos humanidade. O caso é grotesco. E no entanto, essa morte não me satisfaz. Assim como a prisão perpétua não me satisfaz. Nada satisfaz.
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Complicado, Luis, realmente. Mas acredito que “facilitaram” as coisas para ele, por mais surreal que possa parecer essa afirmação!
Bacana Andre!!! É por aí..texto apropriado… Parabéns!!
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Valeu Nilson. Ano que vem tem mais.
Abraço
André, suas palavras refletem meus pensamentos e minha emoção. Quem viveu isso, sabe e sente. Eu já amava Boston antes de viver a prova. Seguirei seus passos. Forte Abração e boa recuperação!
André, a própria família do Martin Richard publicou uma carta aberta pedindo que ele não fosse condenado à morte (veja aqui: http://www.bostonglobe.com/metro/2015/04/16/end-anguish-drop-death-penalty/ocQLejp8H2vesDavItHIEN/story.html).
Outra informação interessante: em uma pesquisa de opinião, apenas 20% dos entrevistados em Boston era favorável à pena de morte para ele. O percentual nos EUA como um todo era de 60%…
Eu concordo plenamente com o argumento central da família do Martin Richard: o que essa sentença vai causar serão anos e anos de apelações intermináveis, prolongando a agonia das famílias das vítimas. A prisão perpétua seria muito mais dolorosa para o criminoso, e muito mais “definitiva” para as vítimas e suas famílias.
Mudando de assunto: pena que você tem aparecido pouco por aqui – seus textos são excelentes.
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Murilo, boa noite
Verdade, eu tinha visto as entrevistas dos pais do Martin.
Obrigado pelas palavras. A ideia é, novamente, ficar presente por aqui
Abraço
André