No meio esportivo ou fora dele, cada vez mais a ansiedade tem se configurado como um dos grandes problemas da atualidade, chegando inclusive alguns estudiosos ao ponto de classificar a era moderna como a "Idade da Ansiedade". Juntos, estresse, consumismo desenfreado, desemprego, competitividade e vários outros fatores sociais produzem esse quadro que prejudica e muito a qualidade de vida das pessoas.
Academicamente, diz-se que a simples participação do indivíduo na sociedade contemporânea já preenche, por si só, um requisito suficiente para o surgimento da ansiedade. Infelizmente é a pura verdade. Sob o ponto de vista da biologia, estudiosos afirmam que a ansiedade sempre esteve presente na vida dos homens. A novidade parece ser o fato de que só agora se passou a dar atenção para quantidade, tipos e efeitos dessa situação, tanto sobre o organismo como sobre o psiquismo humano.
Apenas para ter uma idéia: nos Estados Unidos, onde as pesquisas são habituais e abrangentes, 1 a cada 8 pessoas entre 18 e 54 anos sofre algum tipo de desordem de ansiedade. São mais de 20 milhões de pacientes diagnosticados em ambulatórios, número maior que o de casos de depressão. No Brasil ainda não se tem notícia de estatística confiável a tal respeito.
Ansiedade não é medo. A ansiedade é uma característica biológica do ser humano. Marcada por sensações físicas desagradáveis – vazio ou frio no estômago, aumento da freqüência cardíaca, nervosismo, aperto no peito, dor de cabeça, desarranjos intestinais, insônia, irritação, tremores e sudorese são as mais comuns -, antecede momentos de medo, perigo ou tensão pelos quais o indivíduo imagina irá passar.
Sentimento desconfortável de angustia e apreensão, a ansiedade funciona como uma espécie de sinal de alerta: ao mesmo tempo em que adverte o indivíduo sobre a existência de perigos iminentes, capacita-o a tomar medidas para enfrentá-los. Enquanto o medo aparece como forma de fazer frente a ameaças conhecidas e bastante claras, a ansiedade, ao contrário, caracteriza-se por ser uma resposta a situações vagas, imprecisas e, não raro, abstratas.
É a ansiedade que prepara o indivíduo para lidar com momentos potencialmente danosos, como punições, privações, sofrimento ou qualquer outro risco pessoal, tanto físico como moral. Nesse sentido, age para impedir que tais prejuízos se concretizem, ou, pelo menos, atua para diminuir-lhes as conseqüências.
Trocando em miúdos: ansiedade é uma reação natural e necessária do ser humano visando sua própria preservação. Como a febre, não é um estado normal, mas sim uma reação normal. Em princípio, estar ansioso não representa nenhum problema para a pessoa. "Na dose certa, a ansiedade é natural e até benéfica. Ao aumentar o estado de alerta, funciona como um estimulante. Ruim é o descontrole, são os excessos. Ruim é quando, ao invés de ficar ansiosa por um determinado momento, a pessoa passa a viver ansiosamente o dia, a semana, o mês inteiro. ESTAR ansioso é normal; SER ansioso, não", afirma a psicóloga Maria Helena Rodriguez (foto).
Formada pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e com pós-graduação em psicologia aplicada ao esporte de alto rendimento, Maria Helena fala com a experiência de quem atua na área esportiva há 21 anos, 2 deles dedicados ao atletismo, inclusive às corridas. Segundo ela, os quadros de ansiedade causam preocupação quando as sensações de instabilidade e insegurança passam a ser classificadas em nossa mente como algo desagradável e do qual é preciso se livrar o mais rápido possível.
Tipos de ansiedade. Na definição dos estudiosos, sempre que o assunto for a ansiedade surgida da necessidade dos indivíduos se adaptarem às diversas circunstâncias da vida, estaremos frente à ansiedade tida como normal. Por outro lado, a patológica, a doentia, é aquela que nasce como uma resposta inadequada, tanto em intensidade como em duração, às solicitações de adaptação das pessoas.
"Também conhecida como generalizada, a patológica ou doentia é uma ansiedade exagerada, com motivos senão totalmente injustificáveis, pelo menos bastante desproporcionais em relação ao nível de preocupação que a gerou. Além disso, para merecer tal classificação, é preciso que ela dure continuamente por um bom tempo, e que transtornos outros, como pânico e fobia social, tenham sido descartados através de diagnóstico preciso feito por especialista", esclarece Maria Helena, que também é psicóloga da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Vasco da Gama.
Ao contrário da normal, que não requer maiores cuidados, a ansiedade patológica precisa de tratamento. Uma das maneiras clássicas de diferenciar os dois tipos é através do tempo de duração dos sintomas. Enquanto a normal é passageira, uma pessoa que permaneça apreensiva, tensa, nervosa por um período superior a seis meses, ainda que tenha motivo para tal, começa a dar sinais de ansiedade patológica. Nas corridas, os resultados das duas também podem ser observados de forma diferente.
A ansiedade nas corridas. Nos tempos atuais, as tensões oriundas dos estados de ansiedade provocam nos indivíduos os mais variados tipos de comportamento. Enquanto no passado o ser humano manifestava sua ansiedade de maneira semelhante à de um medo dirigido a determinada situação específica (urso invadindo a cabana, por exemplo), hoje a maioria dos estímulos geradores desta emoção são inespecíficos e, por vezes, impalpáveis.
De um lado, manifestações físicas tão incomodas como mal-estar geral, palpitações, enjôo, sudorese e desarranjo gastrintestinal. Do outro, o estado de alerta: a dilatação das pupilas tornando mais claros os obstáculos a serem enfrentados; a aceleração do coração, fazendo mais sangue circular por músculos e cérebro; a dilatação dos brônquios, melhorando a oxigenação do organismo; e o enrijecimento do tônus muscular, proporcionando movimentos mais rápidos e reações mais precisas e imediatas. Para corredores e outros desportistas, observada por este prisma, a ansiedade pode ser vista como algo desejável.
"Quando se trata de desempenho esportivo, mais importante que caracterizar a ansiedade é perceber as alterações dos níveis de ativação fisiológica que o indivíduo atinge. Ele precisa manter a consciência do corpo e nunca deve desprezar seus referenciais de autoconhecimento", diz Sonia Maria Ricette Costa, psicóloga da Federação de Atletismo do Estado do Rio de Janeiro.
Formada em Educação Física e em Psicologia pelas Universidades Federal e Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ e UERJ), Sonia Ricette é especializada em psicologia desportiva. Com 15 anos dedicados ao atletismo, para ela "as manifestações de ansiedade têm diferentes motivos. Embora tanto a maturidade esportiva como o domínio das técnicas de corrida possam favorecer a administração de seus níveis, as alterações podem significar que o atleta não está adequadamente ativado, o que significa que seu desempenho tenderá a ficar aquém das reais possibilidades".
No dia-a-dia, seja em casa, no trabalho, no lazer ou no esporte, mesmo sem ter plena consciência disso, o ser humano experimenta um sem-número de pequenos conflitos. São as tensões entre ir e não ir, fazer e não fazer, querer e não poder, dever e não querer, poder e não dever, que surgem e favorecem o aparecimento dos quadros de ansiedade. "Nos atletas em geral e nos corredores em particular, o resultado final vai depender da utilização dos mecanismos de enfrentamento que cada um possui e resolve consciente ou inconscientemente aplicar", garante Sonia.
Nas corridas, esses estímulos podem ter sua caracterização máxima traduzida tanto pelo desejo do corredor estabelecer um recorde para a distância, como na vontade de subir ao pódio, baixar seu próprio tempo ou, também muito comum nas provas de rua, na ânsia de derrotar um desconhecido qualquer, que nunca foi visto antes e que muito provavelmente nunca será visto depois. "Não cabe discutir a qualidade dos objetivos. Competir ou apenas participar depende de cada um. O que se afirma hoje é que, sim, existe uma relação direta entre desempenho e nível de ativação fisiológica. A compreensão da ansiedade está neste contexto", diz Sonia.
Nível de ativação e desempenho. Quer dizer que para correr bem o negócio é ser portador de ansiedade de último grau, ficar ansioso até não poder mais? Calma! Ninguém aqui disse tal coisa. Se você entendeu isso, ou se começou a pensar assim, está na hora da revisão. Volte dois parágrafos e recomece a leitura. Dessa vez com calma.
No contexto esportivo, a ansiedade sempre mereceu a atenção dos psicólogos. Até meados de 1970 a maior parte das pesquisas a considerava como traço de personalidade. Relacionavam-na ao desempenho esportivo, considerando que seus níveis se comportavam da forma de um U-invertido, ou seja, o aumento da ansiedade facilitaria o desempenho motor até certo ponto, seguindo-se então uma queda no rendimento caso este nível fosse ultrapassado.
Trabalhos posteriores mostraram que havia algo mais. Além do traço de personalidade era preciso considerar as influências ambientais. Passaram então a dividir a ansiedade em duas medidas: o traço de ansiedade – que representa uma característica, uma pré-disposição para sentir maior ou menor grau de ansiedade diante de diferentes situações, e o estado de ansiedade – que mostra as reações do indivíduo frente a situações temporárias ou tensões que ocorrem em dado momento na vida.
Estudos mais recentes (2000) comprovaram que desempenhos esportivos ótimos podem ser alcançados sem que o indivíduo tenha, necessariamente, que atingir o pico do U-invertido. Esses dados levaram à conclusão de que para ter desempenho ótimo não é preciso apresentar valores exatos de ansiedade, mas sim valores dentro de certo intervalo. Essa faixa de ansiedade tem sido chamada de Zona Ótima de Funcionamento. Cada esportista, cada corredor tem sua ZOF particular.
Nível de ansiedade X modalidade esportiva. Há um outro aspecto importante na relação entre nível de ansiedade e desempenho esportivo. Diz respeito à complexidade do exercício. Estudos mostram que exercícios mais complexos são melhor realizados com níveis baixos de ansiedade, ao passo que os menos complexos exigem níveis mais elevados. Como as modalidades esportivas variam em complexidade, é natural que requeiram distintos graus de ansiedade.
No caso das corridas, modalidade que não exige precisão, mas sim velocidade e resistência muscular, comprovou-se que níveis de estado de ansiedade altos são mais efetivos. Adicionalmente, sabe-se que cada modalidade esportiva apresenta características particulares em relação tanto à demanda física como à duração da prova.
Em competições mais longas, maratonas por exemplo, não basta ao corredor apenas largar com níveis ideais para que atinja o desempenho ótimo. É preciso saber administrá-los nas diversas situações importantes que aparecem durante o percurso. Ele deve desenvolver habilidades para identificar os momentos específicos em que a ansiedade aumenta e utilizar técnicas de controle para trazer seu estado de ansiedade para o nível ideal e assim manter seu desempenho.
Ansiedade induzida, cuidado dobrado. Ela pode surgir repentina ou gradualmente… Pode durar de poucos segundos a muitos anos… Pode ter intensidade variando entre o levíssimo e o gravíssimo… Se sozinha ansiedade já é assunto sério, imagina quando associada a outros fatores. Doenças e drogas, por exemplo.
O distúrbio da ansiedade induzida decorre de problemas médicos ou então do uso de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas. Entre as doenças que podem causar ansiedade estão: infecções cerebrais, doenças do labirinto, distúrbios cardiovasculares (insuficiência cardíaca, arritmias), distúrbios endócrinos (hiper-atividade das glândulas tireóide ou supra-renal) e distúrbios respiratórios (asma, doença obstrutiva crônica do pulmão).
Álcool, cafeína e várias drogas medicamentosas, isoladas ou quando associadas umas às outras, também podem provocar efeitos semelhantes. Outra forma da ansiedade induzida surgir é quando se interrompe de forma inadequada o uso de determinados medicamentos.
Antes de procurar um médico, praticamente todas as pessoas que sofrem ou sofreram com a ansiedade tentaram algo para aliviar seus sintomas. De providências banais (mudar a cor da roupa) até submeter-se a terapias alternativas (medicações naturais, florais ou afins), experimentam de tudo. Na maioria das vezes uma melhora passageira acaba provocando mais confusão. Após alguns meses, geralmente se cansam e decidem procurar um especialista. Nem sempre foi, é ou será tarde para isso.
Da mesma forma, esperamos que para você jamais tenha sido tardia a leitura desta matéria.
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