21 de setembro de 2024

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Performance e Saúde admin 11 de janeiro de 2012 (0) (92)

Corrida em jejum passa por avaliação

O treinamento esportivo passa por diversos ciclos ao longo da história. Teorias vão e vem, e vemos as "verdades" irem de um extremo a outro, até que lentamente se chega em algum lugar no meio dos dois. Em relação à hidratação, por exemplo: houve tempos em que beber durante uma maratona era sinal claro de fraqueza; passamos então para a fase do desespero, onde o certo era beber o tempo todo, o mais que se pudesse. Hoje parece que fechamos o ciclo completo para descobrir que, vejam só, nosso corpo já tinha a resposta o tempo todo: ainda não foi encontrada uma estratégia de hidratação forçada (para mais ou para menos) que seja mais eficiente em termos de performance do que simplesmente seguir a sede.

O mesmo acontece com os carboidratos. Houve um tempo em que as provas eram lembradas pela completa falta de higiene e estranheza dos hábitos alimentares das lendas da época. Com o início da abstenção da ingestão de fluidos ocorreu também ade alimentos. Onde já se viu comer durante um corrida? Agora chegamos num ponto em que gigantes multinacionais disputam ferrenhamente quem possui a estratégia de alimentação mais avançada, e por tudo o que sabemos, os corredores devem tudo o que conseguem aos carboidratos. É o jantar de massas antes da prova, é o período de carbo loading nos dias antes da maratona, os sachês de gel ingeridos em intervalos religiosos, as bebidas com concentrações "cientificamente" criadas para oferecer a melhor performance. Que tal então se estiver na hora de mudarmos de direção? As noções de treinamento em jejum e a periodização dos intervalos em que os carboidratos são ingeridos vêm fazendo algum barulho no mundo da alta performance.

O interesse pelos efeitos do treinamento em jejum não é novo. Trabalhos datando da década de 1980, e possivelmente ainda mais antigos, podem ser encontrados com relativa facilidade. No entanto, estes estudos iniciais estavam mais focados nos efeitos do jejum em si, sem tentar aplicá-los em situações de treino ou de competição. Investigava-se, por exemplo, quais os efeitos do treinamento em jejum sobre a mobilização e utilização de ácidos graxos durante o exercício, e quais as estratégias do organismo para manter os níveis de glicemia adequados.

 

SEM AÇÚCAR NÃO DÁ. Aqui é preciso uma explicação um pouco mais detalhada. Para começo de conversa, é preciso saber que manter um nível adequado de açúcar circulante no sangue é essencial. Isso porque nosso cérebro não consegue utilizar gorduras para produzir a energia necessária para seu funcionamento adequado. Para manter estes níveis circulantes de glicose constantes, nosso organismo depende dos estoques de glicogênio do fígado (glicogênio nada mais é que um "fardo" de moléculas de glicoses empacotadas). Na verdade, hoje se sabe que o glicogênio dos músculos também ajuda a manter os níveis de glicose no sangue.

Apesar de a glicose não conseguir sair de uma fibra muscular em sua forma natural, ela consegue tal feito quando se transforma em lactato (por isso que recentemente o lactato passou de uma molécula "ruim" para uma importante fonte de redistribuição de açúcar pelo corpo). A última alternativa para manter os níveis sanguíneos de glicose é consumir alimentos ricos em carboidratos, que quando absorvidos nos intestinos vão diretamente para o sangue. Quem já passou por um episódio de hipoglicemia causada pelo exercício (veja no boxe) sabe o efeito milagroso de comer qualquer coisa com alto teor de açúcar.

Mas voltando ao nosso assunto principal, sabemos agora que não é de hoje o interesse pelos efeitos do exercício em jejum. Isto talvez se deva à possível aplicabilidade no que diz respeito à maior queima relativa de gordura como substrato para produção de energia quando se está em jejum, em função da menor disponibilidade de carboidratos. Mais recentemente, no entanto, realizar sessões de treino em jejum tornou-se o objeto de pesquisas, focando nos efeitos sobre as adaptações ao treinamento treinamento e a performance esportiva.

Os efeitos do jejum sobre o exercício já são razoavelmente bem conhecidos. Com a "carência" de carboidratos, o corpo passa a dar preferência para a quebra de ácidos graxos, o que por tabela prolonga a duração dos níveis hepáticos de glicogênio. E é justamente por isso que se começou a imaginar que talvez fosse bom treinar em jejum.

 

OS ESTOQUES DE GLICOGÊNIO.  Nosso corpo possui um estoque limitado de açúcar, que é fundamental para nossa sobrevivência. Nossa capacidade de uso de glicose vinda de fontes externas é de cerca de 60 g por hora (aliás, é por isso que os géis e/ou recomendação de ingestão de bebidas esportivas sempre resultam nessa quantidade). Mesmo utilizando essas 60 g por hora, ainda degradamos os estoques de glicogênio do fígado, que vão lentamente caindo ao longo de uma sessão de treino.

Nosso cérebro está atento a isso (aparentemente tanto os níveis sanguíneos quanto hepáticos são cuidadosamente monitorados e controlados pelo sistema nervoso). Quando nosso cérebro calcula nossa percepção de esforço, ele vê quanto ainda temos de carboidratos disponíveis e quanto ainda iremos utilizar ao longo da sessão. Se esta conta não fechar, ou seja, se formos precisar de mais glicose do que temos guardado, nossa sensação de esforço dispara, e somos forçados a diminuir a intensidade de corrida até que passemos a utilizar mais gorduras como combustível, diminuindo a necessidade de carboidratos. É aí que entram os métodos que tentam facilitar a queima de ácidos graxos. Se conseguirmos acostumar nosso organismo a utilizar preferencialmente gordura ao invés de glicose, talvez possamos manter a glicemia em níveis adequados por mais tempo, o que nos permitiria correr mais rápido ou por mais tempo.

Um estudo do final de 2010 investigou a possibilidade de que o treinamento em jejum seria capaz de promover tais adaptações. Vinte voluntários participaram de um programa de treinamento em ciclismo com duração de seis semanas, com quatro sessões semanais. Em cada sessão os participantes pedalavam entre uma hora e uma hora e meia a 75% de seu consumo máximo de oxigênio, uma intensidade relativamente alta.

Apesar de receberem dietas idênticas em termos de calorias ao longo do estudo, dez dos participantes realizaram seus treinamento na parte da manhã, após o jejum noturno de cerca de oito horas, enquanto os outros recebiam carboidratos não apenas antes, mas também durante as sessões de treino, algo similar ao que boa parte dos corredores faz hoje em dia.

Ambos os grupos tiveram aumentos similares em seu consumo de oxigênio e na performance em teste de uma hora no gênero contra-relógio. Entretanto, o grupo que treinou em jejum aumentou em 21% sua velocidade onde ocorre a máxima queima de gordura, e também aumentou significativamente (e mais que o grupo que consumiu carboidratos) a atividade de diversas enzimas relacionadas aos processos de oxidação de ácidos graxos. Para finalizar, treinar em jejum preveniu que os níveis de glicose sanguínea caíssem durante o exercício, possivelmente em função da troca de substrato preferencial para obtenção de energia.

 

O TREINO EM JEJUM. Lendo o parágrafo acima, parece que o treino em jejum é só benefícios, e chega a dar vontade de experimentar. No entanto, este é um dos últimos trabalhos publicados no assunto, e definitivamente o mais positivo deles. Diversos outros estudos encontraram apenas partes destes achados, que isolados não pareciam conferir grandes benefícios.

O que se sabe hoje é que mesmo que o treinamento em jejum propicie uma melhora de todo o sistema envolvido na degradação de ácidos graxos, o ponto baixo é que ao mesmo tempo em que promove o uso de gorduras, o corpo diminui os seus estoques de glicogênio em repouso; então, mesmo que se utilize menos, não se obtém uma melhora significativa de performance.

Apesar de estudos ainda não terem diferenças significativas em performance com o treinamento em jejum, já foi demonstrado diversas vezes que treinar em condições de baixo glicogênio muscular aumenta o fator de transcrição de diversos genes, que são os "manuais" para a construção das proteínas. Então, se sua transcrição (vamos entender por atividade) está aumentada, supõe-se que eles estão mais ativos, fabricando mais proteínas. E uma maior produção de proteínas é um pressuposto para que as adaptações ao treinamento ocorram.

Para tentar reverter os problemas causados pela baixa dos estoques de glicogênio, o que se está experimentando agora é o seguinte: treinar participantes em jejum, melhorando sua capacidade de queima de gorduras, e antes da "competição" real, realizar protocolos de supercompensação de carboidratos, para que os estoques musculares e do fígado de carboidratos aumentem, propiciando enfim a tão desejada melhora de performance.

A inclusão de sessões em jejum ainda parece um pouco distante de se tornar um fato corriqueiro na rotina de corredores e esportistas, mas é fato que existe um grande interesse na área, e esta pode vir a ser em breve uma nova ferramenta a serviço de treinadores e atletas. A necessidade de ingestão de carboidratos antes e após sessões de treino é um dos assuntos onde possivelmente exista o campo mais aberto para novas descobertas. Com a invenção das bebidas esportivas na década de 1970, a ingestão de glicose durante o exercício passou a ser exaustivamente estudada, e hoje existe pouco que ainda não tenha sido feito nesta área.

Em relação ao antes e o depois, no entanto, ainda permanece uma grande lacuna no conhecimento. Nós sabemos que todo o processo de adaptação ao treinamento ocorre não nos períodos de treino, e sim nos intervalos de repouso. A alimentação é um fator chave para aprimorar estas adaptações, e a ingestão deste ou daquele alimento na hora certa tem o poder de potencializar (ou inibir) diversos destes processos adaptativos. É esperar para ver!

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