Performance e Saúde admin 8 de agosto de 2011 (0) (139)

Treinamento em circuito ajuda?

A modalidade ainda não é muito forte no Brasil, mas no exterior cresce com grande velocidade. Caminhe por um parque de manhã cedo ou final da tarde e lá estarão eles: os instrutores vestem coturnos, calças camufladas e apito pendurado no pescoço. Os alunos geralmente utilizam um colete, do tipo que se usa para diferenciar os times em futebol de várzea, com códigos de cores de acordo com o grau de aptidão da pessoa.

Sob gritos de instruções – gritos mesmo, pense no filme Tropa de Elite sem os xingamentos – os participantes das aulas, que vão desde adolescentes até senhoras de idade mais avançada, correm, saltam, rastejam em quatro apoios, fazem apoios, abdominais e todo o tipo de exercícios imagináveis utilizando somente o peso do próprio corpo. Coloque uma vestimenta menos chamativa e um fuzil na mão de cada aluno e você acreditará que está diante de um treinamento de guerrilha.

Ok, nem todos os grupos são assim tão extremos, e as pessoas realmente parecem se divertir, mas os chamados "boot-camps", ou treinamentos militares, prezam por imitar fielmente o ambiente de quartel. O grupo Forces Fit (www.forcesfit.co.uk), possivelmente um dos mais atuantes no Reino Unido, exige que seus instrutores tenham alguma ligação com as Forças Armadas, além de certificação para instrução em fitness. Já na África do Sul os boot-camps são acompanhados por sessões de ioga, só para dar uma idéia de como o conceito de treinamento militar pode ser distorcido para um lado ou para o outro do espectro de possibilidades.

Na essência de todos, porém, está a combinação de séries de corrida de alta intensidade com exercícios localizados visando potência, ou resistência muscular. O fato é que a prática pode ser divertida, dependendo do conceito de cada um para "diversão", mas será que a mistura funciona para corredores?

A idéia do treinamento em circuito não é nova. Na musculação, o treinamento em circuito serve ao propósito de manter a frequência cardíaca elevada durante toda a sessão, na tentativa de facilitar adaptações cardiovasculares similares às obtidas com o treinamento aeróbico, como a corrida. Para se atingir tal objetivo, o treinamento em circuito alterna de exercício continuamente, de forma que um se torne o descanso do outro, ou utiliza intervalos mínimos de 10-20 segundos entre as séries.

Se numa sessão clássica se realizam, digamos, três séries de doze repetições de agachamentos, depois 3 x 12 de apoios e assim por diante, sempre com repouso passivo nos intervalos, no treinamento em circuito se realiza uma série de cada exercício da sessão, continuamente, até chegar ao fim da sequência e iniciar tudo de novo. Esta estratégia mantém a frequência cardíaca elevada durante toda a sessão, o que pode significar vinte, trinta minutos de exercício, equivalente a uma sessão curta de corrida – considerando-se batimentos cardíacos somente.

 

NO PERÍODO DE BASE. Na corrida, o treinamento em circuito é mais comum durante o período de base. Estamos falando em período de base tendo como referência os métodos mais clássicos de periodização, em que a base é o período inicial de um ciclo de planejamento. Ele ocorre logo após as "férias" do corredor, e seu objetivo é o condicionamento geral do indivíduo, preparando o corpo como um todo para as altas cargas que virão nas fases mais específicas.

Durante este período – dois, às vezes até três meses do ano dependendo da estrutura da temporada competitiva – o treinamento é caracterizado por volumes mais elevados e intensidade reduzida, pela prática de outras atividades (natação, ciclismo), e sessões de circuito. Com o decorrer do ciclo, o volume de corrida diminui, a intensidade de treino aumenta e as atividades paralelas perdem espaço.

Como para corredores manter a frequência elevada não é um problema, a preferência por treinos em circuito se dá pela tentativa de se obter uma transferência maior dos ganhos de treino do que se teria com uma sessão formal de musculação. Ao se combinar as séries localizadas com a corrida se espera que o organismo aprenda a trabalhar com níveis elevados de "fadiga" nos diferentes grupos musculares.

O interesse em estudar diferentes sistemas de treinamento em circuito é antigo, possivelmente em função de o sistema ser uma estratégia de preparação física utilizada por Forças Armadas ao redor do mundo. A maioria dos trabalhos, no entanto, foca-se em séries de circuito como as utilizadas na musculação, e não exercícios sem pesos realizados entre intervalos de corrida. Estes trabalhos geralmente possuem duração de cerca de oito a doze semanas, com alguns chegando a até vinte.

Esta faixa de duração não é ocasional, pois seis a oito semanas é considerado o tempo mínimo para que alterações fisiológicas possam ser detectadas no organismo. Os ganhos iniciais de força e resistência que ocorrem nas semanas iniciais de treinamento se dão principalmente por adaptações de coordenação muscular e simples tolerância ao desconforto por parte das pessoas, mas após 6-8 semanas já se detectam diferenças na estrutura e funcionamento da musculatura treinada.

 

MAIS FORÇA E RESISTÊNCIA. Apesar das diferentes metodologias de testes e formas de aplicar o treinamento em circuito, felizmente os resultados disponíveis em diversos estudos parecem apontar numa direção comum. Ainda no final dos anos 70 e início dos anos 80 (possivelmente mais cedo também, com uma busca aprofundada), alguns trabalhos já investigavam os efeitos de se adicionar exercícios como os de circuito na prática da corrida.

Um trabalho de 1978, utilizando indivíduos previamente destreinados e por isso mais propensos a apresentar melhoras, encontrou ganhos de força e resistência com o treino de circuito (sem corrida), mas sem resultados aeróbios, que foram encontrados somente no grupo que treinou corrida. O mesmo grupo publicou outro trabalho, em 1982, em que foi comparado o treino de circuito com descanso mínimo entre os exercícios, com o treino em circuito em que o "descanso" era composto por trinta segundos de corrida. Surpreendentemente ambos os grupos melhoram tanto a força quanto a capacidade aeróbica na mesma proporção. Uma possível explicação é o fato de o treino em circuito possuir um intervalo tão pequeno entre as séries que adicionar 30 segundos de corrida fornece pouco estímulo adicional.

Outro trabalho de 1980 encontrou o que se atem até hoje como fato: adicionando exercícios de força ao treino de corrida melhorou a força do grupo, porém em menor proporção do que outro que fazia exclusivamente treinamento de força. Achados semelhantes foram reportados em um trabalho utilizando recrutas da marinha, em que exercícios de calistenia foram menos eficazes do que exercícios de força, quando adicionados ao treino de corrida.

Em anos mais recentes, o interesse passou para as possíveis explicações para o aumento de performance de corrida com a inclusão de exercícios de força, em forma de circuito ou não. O treinamento formal de força (com séries de 6-12 repetições máximas e repouso passivo) e de potência não melhoram a capacidade aeróbica máxima de corredores, mas seu efeito se faz presente na economia de corrida, ou seja, em quanto oxigênio (e nutrientes!) um corredor utiliza para correr a uma dada velocidade.

O treino de força favorece as adaptações neuromusculares que melhoram a coordenação dos músculos, tornando-os mais eficientes durante a corrida. Uma das formas que essa melhora se evidencia é pela diminuição do tempo de contato com o solo durante a passada, que está ligada à eficiência da ativação muscular e é um dos determinantes da economia de corrida.

 

EM QUE ORDEM? Outro fator que tem ganho notoriedade recentemente é o efeito da ordem específica de execução dos exercícios localizados / corrida que produz melhor resultados de treinamento. Quer dizer, os pesquisadores estão tentando descobrir se os ganhos são maximizados quando se realizam os exercícios localizados antes, depois ou simultaneamente aos exercícios aeróbicos, como é o caso dos circuitos militares. E há razões para se esperar que os resultados sejam diferentes.

Um trabalho de 2004, por exemplo, encontrou que a melhora num teste de 4 km era mais pronunciada no grupo que realizou os exercícios de força após os exercícios de corrida do que o grupo que realizou as séries na ordem contrária. Diferentes tipos de exercício estressam o organismo de formas variadas, e produzem adaptações diferentes. Entender qual a melhor sequência de treinamento é fundamental para que um não interfira com o outro, possibilitando que se consigam adaptações favoráveis de ambos.

 A impressão final a ser tirada é que exercícios de condicionamento geral podem, sim, ser incluídos no treinamento de corrida e com resultados muito positivos. Fazer disso uma modalidade em si própria é uma questão um pouco mais além, pois, como se viu, combinar os dois estímulos, ou três se falarmos em força, resistência muscular e capacidade aeróbica, não une o melhor de cada um dos mundos, e sim uma fração de cada um.

Os exercícios de força e potência que auxiliam diretamente na performance de corrida possuem alta intensidade, e necessitam um pouco mais de concentração e esforço do que se consegue quando se realizam exercícios praticamente sem repouso entre as séries. Quanto menor for o intervalo, se ele existir, menor será a carga que a pessoa conseguirá utilizar, e por consequência mais focado em resistência (e menos em força ou potência) muscular será o treinamento.

Com certeza, no entanto, um corredor que consiga realizar séries de apoios, abdominais, saltos etc é mais completo do que o mesmo corredor caso não realize nenhum outro exercício complementar à corrida. Inserir essas rotinas de circuito – militares ou não – pode ser um estímulo diferente, que propicia mais motivação e serve para quebrar a monotonia, além de melhorar o condicionamento físico geral. Contudo corredores já possuem uma capacidade aeróbica aumentada, e possivelmente venham a se beneficiar mais em termos de performance acrescentando uma rotina mais "polida" de exercícios de força e explosão muscular em sua rotina de treinos.

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