A sensação de fadiga é comum em todos as atividades físicas. As pernas pesam, o peito arde e parece ser impossível correr mais rápido, ou menos devagar. Estudos utilizando fibras musculares isoladas, em que elas são forçadas a contrair até o ponto de falha, sempre foram o norte para explicar como a fadiga muscular se desenvolve durante o exercício. No entanto, técnicas mais modernas, investigando músculos em funcionamento no corpo humano, cada vez mais se distanciam das explicações originais.
Descobrir por que é que ficamos cansados ao praticar alguma atividade que exija esforço físico é a questão mais elementar relacionada ao treinamento. E a resposta é bem mais difícil do que parece. "Treinar" é expor o organismo a uma situação que perturbe seu estado de equilíbrio, e em consequência o organismo se adapta para resistir a futuras perturbações. Certo, é possível treinar sem saber exatamente o que se está treinando, ou em quais sistemas se está mexendo, mas saber qual é o processo responsável por uma reação nos fornece melhores ferramentas de trabalho.
Há anos alguns se creditava a fadiga à acumulação de ácido lático nos músculos. Tempos depois se viu que não era o ácido lático em si, e sim a sua quebra quase instantânea em lactato (um sal) e um íon de hidrogênio que seriam responsáveis pela fadiga. Mas a hipótese perde força com o tempo. A queda de ph (nível de acidez) que ocorre com a acumulação de lactato em situações fisiológicas parece mais proteger contra outros acontecimentos dentro da fibra muscular do que ser um evento agressor em si. Mas se não for isso, então o que é que explica a queda de performance, ou o cansaço, durante o exercício?
NOVA EXPLICAÇÃO. As teorias clássicas em torno da fadiga muscular sempre giraram em torno da acumulação de metabólitos ou depleção de substratos. Em ambos os casos, a fadiga seria um processo irreversível em curto prazo, no sentido de que a única maneira de alterar o curso dos acontecimentos seria interromper a atividade para repor os substratos (carboidratos, sódio, água) ou "limpar" o organismo dos metabólitos acumulados, como o lactato, íons de hidrogênio e outros.
Uma recente revisão do respeitado David Jones, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, questiona a maioria destas hipóteses. Quando fibras musculares são excitadas até a exaustão, normalmente ocorrem os fenômenos demonstrados nas figuras 1 e 2. O primeiro gráfico mostra que, quando fatigadas, as fibras musculares não apenas produzem menos força, como também demoram mais tempo para relaxar uma vez que o estímulo cessa.
A relação entre força produzida e velocidade de contração dos músculos, exposta no segundo gráfico, mostra que em estado normal já existe uma relação natural de perda de força com o aumento de velocidade, e essa relação é exacerbada na presença de fadiga.
Um pequeno parênteses, para não criar confusão: quando falamos de força, estamos tratando da capacidade de produzir força da fibra muscular, e não de uma pessoa fazendo um exercício na sala de musculação. Na musculação é mais fácil levantar pesos com movimentos rápidos pela questão da aceleração que é imposta nos pesos, e não porque fazer movimentos rápidos propicie maior geração de força pela musculatura.
MAIORES RESPONSÁVEIS. Voltando à questão principal, existem diversos candidatos para estes fenômenos de perda de força. Os principais dele até o momento são o lactato, o fosfato inorgânico, a fosfo-creatina e o ATP. Descomplicando: o ATP é a molécula básica para produção de energia no corpo humano, composta por uma adenosina e três fosfatos. A quebra do ATP em ADP (de adenosina TRI-fosfato para adenosina DI-fosfato), ou seja, retirar um fosfato do composto, libera energia.
Como os estoques de ATP do organismo são extremamente limitados, nosso corpo está constantemente utilizando energia (daí o porquê de queimarmos carboidratos e gorduras), para unir o fosfato novamente ao ADP e criar mais ATP. O fosfato inorgânico (que é um dos três P's do ATP) então é resultado da quebra de ATP, e sua acumulação indica baixos níveis de ATP. A creatina fosfato é um dos compostos que se utiliza para se criar mais ATP, e o lactato é o produto final de outra rota metabólica para a criação de ATP.
Como vimos, todos os candidatos mencionados para explicar a perda de força na musculatura que ocorre com a fadiga muscular estão intimamente relacionados com a produção de energia e os níveis de ATP. Como é absolutamente vital que os níveis de ATP se mantenham adequados para a sobrevivência do organismo, todos estes compostos agem sobre diversas etapas do processo, que inicia com o estímulo nervoso e termina com a produção de movimento.
O problema com estas teorias de acumulação de metabólitos e depleção de substratos é que as mudanças na funcionalidade dos músculos inicialmente observadas em fibras isoladas (funcionando fora do corpo humano), ou mesmo em fibras animais, não se comprovam quando testadas em situações fisiológicas similares às do corpo humano (temperatura, acidez etc).
O CÁLCIO NA CONTRAÇÃO MUSCULAR. Além disso, existe pouca relação temporal entre a mudança de concentração de qualquer um dos compostos mencionados e a funcionalidade das fibras musculares, indicando que a ação deles, ainda que presente, não é o fator determinante para a perda de força. Uma nova teoria, que ganhou bastante força nos últimos anos, fala sobre o papel do cálcio no processo de contração muscular.
Mas não havíamos falado em cálcio até agora, por que então começamos? Bom, de certa forma havíamos falado, na parte em que mencionamos "o processo que inicia com um estímulo nervoso e termina com a produção de movimento". O cálcio é fundamental para que o estímulo nervoso que vem do cérebro se transforme em movimento das partes contráteis da fibra muscular.
O cálcio fica armazenado dentro de uma "bolsa" nas fibras, e com o estímulo nervoso ele é liberado e se une à estrutura que dá início à contração muscular em si. O que os trabalhos mais recentes estão mostrando é que, independente dos outros compostos, a acumulação de cálcio e sua afinidade pelas outras moléculas influenciam a capacidade de produção de força das fibras, e este parece ser um dos principais reguladores da capacidade de produção de força.
ESTÍMULO ELÉTRICO. Saindo do mundo micro, e voltando ao mundo macro, em que tudo faz mais sentido, o que se descobre é que essas informações não bastam para explicar a queda de desempenho durante o exercício. Isso é demonstrado da seguinte forma: um estímulo nervoso nada mais é do que um estímulo elétrico, e é possível simular este estímulo aplicando-se uma breve corrente elétrica em pontos em que a inervação motora é mais superficial.
Literalmente, se dá um pequeno choque na pessoa num ponto em que o choque irá contrair somente a musculatura desejada. Com isso se consegue dissociar a capacidade voluntária de produção de força (o quanto de força uma pessoa é capaz de produzir quando solicitado) da capacidade contrátil de produção de força, em que um estímulo externo e padrão (nesse caso o estímulo elétrico), induz à musculatura a se contrair e produzir força.
Estudos utilizando esta técnica têm demonstrado que apesar de haver uma queda inicial na capacidade de contração muscular, a redução voluntária é muito mais elevada.
Ou seja, durante uma situação real de exercício, os músculos perdem um pouco de sua possibilidade fisiológica de produzir força, no entanto nossa capacidade de voluntariamente fazer uso dos músculos está diminuída, no que se está chamando de regulação central.
Estes achados são muito recentes e ainda mal compreendidos. Acredita-se que existam dois processos independentes de regulação de força para preservação de homeostase no organismo: um em que os músculos se auto-regulem, perdendo um pouco de sua capacidade contrátil, talvez por um processo regulado pelo cálcio, e outro onde o sistema nervoso central limite a quantidade de massa muscular que pode ser ativada voluntariamente.
Ambos os processos têm por objetivo primário prevenir o organismo de se exercitar até níveis de fadiga – aqui sim aquela fadiga fisiológica, que só é encontrada em estudos com fibras isoladas – que seriam irreversíveis e possivelmente danosos ao organismo.
A fadiga muscular durante situações reais de exercício possivelmente não envolve os processos catastróficos que se acreditava. No entanto, independente de ser uma simples regulação do organismo ao invés de uma "falha", e disso fazer da fadiga mais uma sensação do que um evento fisiológico em si, o cansaço experimentado por corredores não é menos real do que era há anos atrás.
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Genial esse artigo, especialmente o parágrafo final. Acabei de conhecer a revista e estou gostando muito de todo o site! Sucessso, abraço!