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Blog do Corredor Especial Redação 15 de junho de 2018 (0) (161)

“A corrida faz a gente viver”

Há 16 anos, o mineiro Macário José da Silva, natural de Monte Azul, nem tinha começado a correr. Homem simples, passou a vida jogando futebol regularmente e trabalhando na roça. Uma mudança de São Paulo para Jundiaí, a 60 km da capital paulista, para trabalhar como caseiro em uma chácara, começou a transformar a vida esportiva. Conheceu os integrantes da Coruja, um antigo grupo de corredores de rua da cidade, se apaixonou pelo esporte e, agora, aos 72 anos de vida, é um dos mais rápidos maratonistas do Brasil em sua faixa etária. No currículo, títulos em Curitiba, Porto Alegre e Foz do Iguaçu e também fazendo maratonas na casa das 3h30! E quem pensa que esse senhor de 1,62 m de altura e 57/58 kg está satisfeito, se engana: para este ano, o objetivo está traçado: percorrer os 42 km em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Foz do Iguaçu e Curitiba. Competitivo ao extremo, não se surpreenda se vierem quatro títulos.

Autodidata, seo Macário nunca teve treinador. Foi aprendendo com a vida, recebendo orientações de amigos e de outros corredores de rua. "Meus treinos são meio a olho, do meu jeito", filosofa. "Corro todos os dias; num dia mais forte e, no outro trote, para recuperar", explica. Lembra que, há dez anos, fazia tiros regulamente, principalmente de 400 m, mas agora não faz mais velocidade. "Há o risco de me machucar e, para a maratona, é melhor fazer resistência. É o que gosto." Mesmo assim, os treinos são intensos. Na semana da entrevista à Contra-Relógio, no começo de abril, fez 20 km na terça, 10 km para 52 minutos na quarta e na quinta, e 22 km em 2 horas no domingo. Na segunda, caminhada, e na terça e sexta, um trote leve, para "soltar a musculatura".

Seo Macário é apaixonado pelas maratonas. "É a minha prova", diz. Tem como melhor tempo 3:05:59 em 1999 em Porto Alegre. Hoje faz parte da equipe Ligeirinho, de Cajamar, na Grande São Paulo. Conta com a ajuda de amigos e de companheiros da equipe, que se unem para pagar os custos das viagens e inscrições. Ele divide o tempo entre os treinos, provas e o trabalho de caseiro em uma chácara em Jundiaí, com carteira assinada, faz questão de dizer. "Faço de tudo, não tenho horário, o que precisar, estou arrumando na chácara", afirma. A rotina começa cedo. No dia da entrevista, acordou às 5 horas e correu quase 15 km. A companheira diária é a esposa, Maria Benedita da Silva, de 67 anos. Estão juntos há 50. "Fizemos bodas de ouro em novembro passado", conta, orgulhoso. Da união, nasceram três filhos, todos casados, e quatro netos. Estudou até o primário. "Não sou analfabeto, graças a Deus", ressalta.

O veterano corredor pode não ter a experiência das pistas, noções de fisiologia ou da parte técnica, mas conta a seu favor com a vivência. "A musculação é no cabo da enxada", diz, abrindo um sorriso cativante, típico das pessoas simples, mas com um conhecimento exemplar. Tanto que, sem nutricionista ou qualquer acompanhamento especial, sabe como se alimentar. Arroz, feijão, salada e mais carne branca. "Não sou de comer frituras", adianta. "Não tem muita ciência não, até porque, para trabalhar o dia todo na roça, não dá para comer muito leve, tem de ter sustento." Nas vésperas das maratonas, porém, a rotina muda. "Daí, como mais pão, macarrão e frutas."

Três passagens da vida esportiva mostram como seo Macário é centrado e extremamente competitivo. Em 2009, foi para Foz do Iguaçu, considerada a maratona brasileira mais difícil, por causa das inúmeras subidas. Fechou os 42 km em 3h53, em 2º na faixa etária. Então, para 2010, fez um treinamento específico, subidas e mais subidas; chegou a ficar 4 horas subindo e descendo. E voltou para Foz para baixar o tempo em mais de 18 minutos, fechando o percurso em 3h34, e garantindo mais um título na carreira. Em outra disputa, em Porto Alegre, chegou a cair na altura do km 40. Levantou, se recuperou e partiu para o ataque, vencendo na categoria por apenas dez segundos de diferença!

No ano passado, foi até Curitiba para buscar o pentacampeonato (tem quatro títulos e, agora, quatro vices). Correu achando que estava em primeiro, porque já tinha marcado os adversários. Mas foi surpreendido por um atleta que não conhecia. Fechou em 3h38, com o campeão, João Cândido da Silva, em 3h36. "Eu dei uma segurada, se soubesse, poderia ter tirado a diferença", afirma Macário, que já avisa: neste ano, irá à capital paranaense para retomar a hegemonia.

E o que representa a corrida em sua vida? "Se não fossem essas provas que eu participo, nunca teria viajado de avião. Ninguém da minha família voou. Dos nove irmãos, só eu tive essa oportunidade", afirma. "Sem contar as cidades que conheci, para onde a corrida me levou", diz Macário. E até quando pretende continuar no esporte? "Até quando o corpo deixar. A corrida é que faz a gente viver. Deixa no pique, com 50 anos de casado, trabalhando, garantindo essa força, essa coragem."

 

POPULAÇÃO BRASILEIRA ESTÁ ENVELHECENDO…

Aos 72 anos, trabalhando, correndo, consumindo, ou seja, tendo uma vida extremamente ativa, Macário José da Silva é um exemplo da nova tendência socioeconômica do Brasil e que ganhará ainda mais força nas próximas décadas. O país está envelhecendo. No cadastro da Corpore há 11.437 corredores com 60 anos ou mais, o que representa 3,69% dos atletas inscritos na associação de corredores de São Paulo. E a tendência é de evolução nesses números.

Estudo do Banco Mundial (Bird), divulgado no início de abril, mostra que em 2050 o Brasil terá proporcionalmente mais idosos do que o Japão, atualmente o país mais envelhecido do mundo. Em números absolutos, havia 2,6 milhões de idosos (60 anos ou mais) no Brasil em 1950, 19,6 milhões em 2010 e a projeção é de 64 milhões (atual população da França) em 2050. Em termos relativos, os idosos correspondiam a 4,9% da população em 1960, e passaram-se apenas 60 anos para que a proporção dobrasse para 10,2%, em 2010.

Nos próximos 40 anos, o porcentual vai triplicar, para 29,7% da população. A idade mediana dos brasileiros saltou de 18,6 anos em 1970 para 29 anos em 2010, e atingirá 45,6 anos em 2050, quando haverá duas vezes mais idosos no Brasil do que crianças.

Um dos grandes problemas demográficos brasileiros, que afeta também outros emergentes, é que o país está envelhecendo muito mais rápido do que as nações desenvolvidas. "Os países ricos primeiro ficaram ricos, e depois ficaram velhos", resume o estudo do Bird. Assim, a França levou mais de um século para que seus habitantes com mais de 65 anos saltassem de 7% para 14% da população; os Estados Unidos levaram quase 70 anos; e a Espanha mais de 40. Já o Brasil fará a mesma transição em apenas duas décadas, de 2011 a 2032. Relação essa que, ano após ano, estamos vendo também nas corridas de rua.

 

AS MARATONAS DE SEO MACÁRIO EM 2010

PORTO ALEGRE

– Campeão na faixa 70/74 anos – 3:30:40

– Melhor marca do ano na categoria, segundo o ranking de maratonistas da Contra-Relógio

 

FOZ DO IGUAÇU

– Campeão na faixa acima de 70 anos – 3:34:56

 

CURITIBA

– Vice-campeão na categoria 70/74 anos – 3:38:44

 

 

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