Perfil admin 11 de julho de 2011 (3) (195)

Albenes, dedicação total à corrida!

Quem vê o franzino Rafael Soares Silva, 15 anos, correr uma prova de 5 km em 18:20 não acredita que há apenas três anos ele morava nas ruas de Brasília e era viciado em crack. O mais novo atleta da equipe do treinador Albenes Francisco Souza, 52 anos – que há 30 se dedica a formar atletas carentes como Marilson dos Santos, Clodoaldo Gomes e Lindemberg Nunes, por exemplo -,  treina três vezes por dia ao lado do "chefe". Folga só na segunda-feira. Nascido na Ceilândia, cidade satélite a 20 km de Brasília, Rafael já tem propostas para treinar pelo Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo, pela Rede Atletismo e pelo Sesi (Serviço Social da Indústria). "Ele vai estar nas Olimpíadas de 2016. As pessoas enlouquecem ao vê-lo", garante Albenes, que estuda a melhor proposta para Rafael.

O trabalho de Albenes, reconhecido nacionalmente no mundo do atletismo, vai muito além do "eu pego, preparo e entrego", como ele mesmo define. O técnico em informática do Serpro (Serviço de Processamento de Dados do Ministério da Fazenda) é responsável pela inclusão social e pela conquista da cidadania de mais de 300 meninos carentes que se tornaram atletas de nível bom a superior, sem contar os quase cinco mil corredores de rua que seguiram sua cartilha.  "Enquanto estão comigo, não ganham nada. Quando estão prontos, os clubes os levam. Se eu conseguir tirar um das drogas, já valeu a pena", diz.  

O resultado é que, se Albenes está num evento, o pódio é dele. Nas provas de 5 e 10 km, são em média cinco atletas segurando o prêmio e ele garante já ter tido pelo menos 15 maratonistas no topo. Mas, para isso, a rotina é puxada. Começa às 5h no Jardim Botânico, bairro de classe média-alta da capital. É onde ele treina "os ricos", que pagam pelo acompanhamento. Às 7h30 já está no Parque da Cidade, no coração de Brasília, onde treina atletas que pagam e também grupos da Ceilândia e de Águas Lindas. Das 12h às 13h30 é econtrado no Serpro, onde treina cerca de 15 atletas, também voluntariamente. Aos sábados, das 7h às 11h, dá treinos educativos, de coordenação motora e correções no Centro de Ensino n° 2 da Ceilândia. O domingo não é de descanso. O treino é na cidade goiana de Girassol, em estrada de chão: 30 km para os atletas de alto nível, 15 km para os de nível intermediário e de 10 km para os iniciantes. Isso sem contar os treinos em quartéis. 

Além de Marilson (bicampeão da Maratona de Nova York e principal corredor de longa distância do Brasil na atualidade) e Clodoaldo (segundo colocado na São Silvestre de 2006 e o melhor do Brasil na edição de 2009), Albenes tem no currículo a descoberta e o treino de atletas como Antônio Wilson, 21 anos, 7º lugar no Mundial das Forças Armadas em Washington; Jormem Freire, 22 anos, campeão do Classificatório dos Militares do Rio que vai treinar em Águas de Lindóia (SP); Leandro Macedo e Mariana Ohata, triatletas que estiveram com ele nas Olimpíadas de Sidney, em 2000; José Alexandro da Silva, Darci Ferreira Pimentel, Edilson Vieira Silva, Clécio Ferreira, entre tantos outros.

Na Ceilândia, ele treina velocistas, meio fundistas e fundistas sem ao menos uma pista de atletismo, prometida pelo Governo do Distrito Federal há 25 anos, quando Joaquim Cruz venceu nas Olimpíadas de Atlanta. Atletas paraolímipicos também passam por Albenes. A promessa agora é o maranhense José Rodrigues, 23 anos, conhecido como Nunes, que corre 10 km em 35 minutos. Sem parentes em Brasília, há 1 ano e 8 meses ele mora na Casa do Atleta, erguida em 2007 por Albenes na Ceilândia, e tem o esporte como sonho e opção de vida.

 

"PRIMITIVO". Dificuldades nunca faltaram na trajetória de Albenes, que começou sua carreira de atleta aos 7 anos, como jogador de futebol. Aos 10, já ajudava na preparação física dos atletas do Dom Bosco Ceilândia e do Taguatinga Esporte Clube.  Jogador profissional aos 18 anos, teve que optar entre a profissão de atleta e o Serpro, onde ingressou aos 13 anos por meio de um convênio da instituição com órgãos de serviço social. Lá ele fazia a codificação dos endereços e o envelopamento do Imposto de Renda. Em 1984, o Serpro fez sua 1ª Olimpíada dos Empregados, com provas de 3 e 5 mil metros. Adivinhem quem venceu as duas? "Gostei do negócio. Mas como não sabia nada de atletismo, fui estudar, aprender com quem conhecia", conta.  E lá foi Albenes treinar com os bombeiros e a Polícia Militar da Ceilândia. "Era um treinamento empírico", narra. Era tudo "primitivo".

A evolução de Albenes foi rápida. Na São Silvestre de 1990, largou "no meio do povão" e ficou em 101º lugar. "Minha melhor colocação. Nessa época não tinha tempo líquido e muita gente cortava caminho na prova", lembra. Depois, completou uma meia-maratona em 1h09 e em 1992 conheceu o técnico de atletismo paulista Asdrúbal Batista, já falecido e reconhecidamente um dos melhores nas décadas de 80 e 90.  Daí para o trabalho voluntário como treinador foi um pulo. E os meninos não pararam mais de chegar. 

Alguns, como Rafael, chegam a morar com Albenes, que recebe doações de roupas e tênis e outras ajudas. Em 2007, num terreno de mil metros quadrados na Ceilândia, ele construiu a Casa do Atleta, onde moram cinco atletas, mas, se precisar, cabem até oito. Estão lá corredores de Minas Gerais, Roraima, Maranhão, Tocantins e até do Quênia.

 

PRECONCEITO. A falta de apoio e o preconceito revoltam Albenes. E não lhe faltam histórias: "Certa vez íamos participar de uma prova em Goiânia com 15 atletas e pedi a ajuda de uma empresa de ônibus para levar os garotos. O dono se recusou e tive que colocar os 15 na minha Belina. Chegamos lá e ganhamos tudo. Marilson, Clodoaldo e Lindemberg pagaram o almoço numa churrascaria com os prêmios e ainda botaram a gasolina da volta".

Companheira do treinador há 21 anos, Margareth Joaquim da Silva também reprova o preconceito: "As pessoas perguntam como ponho o Rafael dentro de casa". Ela lembra quando o marido resolveu treinar e mudar de vida um ex-presidiário. "Desse eu tinha medo, mas o Albenes mandou ele estudar e conseguiu um emprego de lavagem de roupa no hospital. Eu arrumei uma vaga no supletivo para ele, que tinha 28 anos e dois filhos". Albenes acrescenta que, depois de muito esforço, o ex-presidiário passou no vestibular de Biologia na Faculdade Católica, e lá foi o treinador lhe conseguir uma bolsa de estudos. Hoje o rapaz é professor.

Às vezes, Albenes diz ouvir de alguns atletas "ricos" que não querem correr com os meninos da Ceilândia. "Eu digo então que não posso mais treiná-los". Os ricos, é claro. "O esporte traz inclusão social. Esses meninos precisam saber o que é comer em um restaurante, ir a um shopping, um cinema. Eles não têm isso. Marilson, Lindemberg e Clodoaldo não tinham visão de mundo e foram inseridos na sociedade. Lindemberg era lavador de carros e Clodoaldo era gari. Nós começamos sem apoio de ninguém", desabafa.

Perguntado sobre do que sente falta, Albenes é humilde: "Lanche para os atletas. Principalmente nos treinos longos. Faz falta um lanche, um suplemento. Já gasto com gasolina, então às vezes eu paro e compro uma melancia". 

Os interessados em patrocinar/apoiar os atletas do Albenes podem entrar em contato pelo email albenessouza@hotmail.com ou pelo telefone (61) 8123-7165.

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3 Comments on “Albenes, dedicação total à corrida!

  1. O Prof. Albenes é isso, emoção, técnica e dedicação.
    Tenho aprendido muito com ele e sei o quanto ele ainda pode fazer pelo atletismo brasileiro.
    Parabéns a Revista Contra Relógio por reconhecer este trabalho e este grande profissional.
    Abraço.
    Dudu Domingues – Locutor de Corridas em Brasília

  2. Esse cara realmente merece total apoio. Poucos fazem o que ele faz para os atletas iniciantes.

  3. Linda história, parabéns Albenes pela dedicação e por acreditar nos jovens não só da Ceilândia, más em toda região. Quanto a ajuda os ricos não ajudam ninguém não, quem ajuda somos nós pobres onde sabemos das dificuldades em que passamos em nosso dia a dia. Também sou corredor de rua, moro na Ceilândia e o meu apoio que tenho é só a Benção de Deus.Um abraço, parabéns!!!!

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