Maraturismo Redação 12 de novembro de 2010 (0) (149)

Maratona de Madison: a mais alta e a mais difícil

Quando o ônibus escolar amarelo partiu da pequena cidade de Ennis, levando aproximadamente duas horas para chegar no Beaverhead Deerlodge National Forest Park, foi que eu vi o tamanho da encrenca em que havia me metido. A Madison Marathon anunciava a plenos pulmões, em 25 de julho, que era a mais alta maratona dos EUA. Seria disputada na altitude de 9000 pés (quase 3 mil metros) e a dificuldade do ônibus em chegar ao local da largada, dava uma boa idéia aos corajosos que iriam se aventurar nessa pedreira.

Esta seria a terceira edição e contava com o cuidado esmerado de Sam Korsmoe, o organizador, divulgador e faz tudo da prova. A inscrição de US$ 70 dava direito a uma camiseta, uma sacola retornável e um adesivo: The Highest Road Marathon in America. Assustador!

Tudo inicia no sábado na cênica cidade de Ennis. Lá se tem a sensação de estar em um filme de bang bang. Uma rua com aquele cenário do Velho Oeste e uma placa na entrada dizendo: "Bem-Vindo a Ennis: População 840 pessoas, 11.000.000 de trutas."

A cidade vive do turismo da pesca esportiva de trutas que habitam o rio Madison, templo sagrado da pesca esportiva fly fishing em Montana. O encontro dos maratonistas para apanhar o kit é na praça da cidade. Lá também foi o simpático jantar de massas, organizado pela comunidade. O sol ainda estava alto às sete horas da noite, pois em Montana, no verão, ele se põe somente às 21h30 h. Era hora de se recolher, pois o ônibus que levaria os corajosos partiria às 6h30. Pontualidade americana, algo bem próximo da britânica, não duvide.

Após sacolejar duas horas em uma subida interminável, empoeirada, penosa e absolutamente bonita, chegamos ao ponto da largada na Gravelly Range Road. O dia estava quente e não havia nenhuma nuvem no céu, mas no entanto ainda se via neve acumulada em alguns pontos das montanhas. Era de tirar o fôlego: A paisagem e a altitude.

 

REPRESENTANDO A CR. Na largada, descobri que por ser brasileiro, jornalista e trabalhar em uma "brazilian running magazine" ganhei o status de personagem da prova. Junto comigo existiam outros destaques. O mais notado era o Cowboy Jeff, apelido de Jeff Bishton, 54 anos, vindo da Flórida. O apelido era porque ele sempre usa um imponente chapéu de cowboy nas corridas. Figura carimbada em maratonas, Cowboy Jeff ia completar sua 151ª maratona! Ao saber que eu era brasileiro, ele perguntou: "Conhece o Pinguim? O fotógrafo? Manda um abraço meu para ele!" Incrível!

Outro, da tribo "Maniac Marathonist" (com vários adeptos no Brasil) a chamar atenção era Rich Holmes, um respeitável militar aposentado (retired army), dirigente financeiro, educador, humanitarista e, pasmem, aos 60 anos de idade, com 258 maratonas completadas, sendo 31 somente nesse ano. Ele havia corrido a Maratona do Rio e depois dessa empreitada em Montana, partiria para o Círculo Ártico, no território Nunavut, para encarar uma ultra… Onde eu havia me metido, pensava. Gente louca…

Pois bem, às 10h30, a largada acontece. Para começar, um cartão de apresentação das dificuldades. Uma subida íngreme de aproximadamente um km…Muitos, logo na largada, caminhavam. Me achei o gás da Coca, ao sair correndo morro acima. As subidas verticais se intercalavam com descidas acentuadas. A cada três milhas, uma plaquinha marcando a distância e uma frase de apoio, incentivo… A minha coragem de correr morro acima durou até a metade da prova. No km 21 em diante não pude mais manter o ritmo. Faltava ar, faltava perna, faltava coragem e sobrava morro cheio de pedregulhos acima.

 

O ATAQUE DAS MOSCAS. O sol já cruzando o meridiano, junto com todas as cervejas e os vinhos californianos que tomei na minha estada nos Esteites apresentavam, por fim, uma conta a ser paga. Por falar em cerveja e vinho, descobri uma nova encrenca ao começar a intercalar trote e caminhada. Ao diminuir a marcha, caminhando, os maratonistas tornavam-se alvos do que, a princípio, pensei serem inofensivas abelhas, mas não eram. Eram moscas grandes, gordas e sedentas de sangue. Muitas. Sem fazer cerimônia, pousavam, e até por cima da camiseta começavam a sugar. Imaginei um diálogo de duas a minha volta: – "Vou picar esse baixinho com a bandeira do Brasil; ele é recheado de licor". Ou seja, a situação era assim: se correr o urso pega, se ficar as mutucas atacam. Um inferno!

E assim foi, entre tapas e morros, um epopéia em andamento. A cada ponto de reidratação, uma parada e o retorno à penosa trilha. A sede era imensa devido ao sol e os pontos de abastecimento muito escassos. Uma falha compensada por voluntários que passavam com carros e paravam oferecendo água e isotônicos.

Para piorar, alguns participantes, incluído este, conseguiram errar o percurso nas últimas milhas onde havia uma bifurcação na estrada. Um erro que custou caro: uma milha a mais para ir e outra para voltar após descobrir que era o caminho errado. Lamentável falha da organização e de senso de direção dos participantes.

Cowboy Jeff, que passou por mim, culpou o seu GPS por induzi-lo a esse erro. Eu, culpei minha boca-abertice, mesmo. Mas não existe mal que seja eterno e a placa da milha 26 finalmente apareceu. Juntando todas as forças restantes, as pernas parecendo blocos de cimento, consegui correr como o robô de lata enferrujada do Mágico de Oz e cruzei a chegada com o tempo de 5h37. Que alegria incontida. Uma medalha e uma mesa cheia de pães, pizzas, donnuts, maionese, água e sucos. Só faltou cerveja! Logo em seguida, a cerimônia de premiação. Somente 27 corajosos completaram a jornada. O vencedor masculino, Eliot Welder, recordista da prova com 3h15 e no feminino, Debby Gibson com 3h53.

Para minha surpresa, sou chamado à premiação e sou presenteado com um belo chapéu de cowboy. Foi a maneira muito simpática de homenagear o único forasteiro da prova. Emocionado, agradeci dizendo que agora também era um cowboy runner, quando recebo um tapa nas costas e uma advertência do amigo do Pinguim: "Cowboy aqui já tem um!" 

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