Notícias admin 4 de outubro de 2010 (0) (142)

Do zero aos 56 km, na Two Oceans da Cidade do Cabo

No início de 2009, embora ainda não tivesse feito nenhuma maratona, conversando com o meu treinador, mestre Branca, disse-lhe: "Ano que vem faço 56 anos e vou me aposentar. Quero fechar com chave de ouro e começar uma nova etapa de minha vida. Quero algo bem marcante e difícil." Que tal a Two Oceans (www.twooceansmarathon.org.za) na Cidade do Cabo, África do Sul? São 56 km, ele me respondeu. Só que ele nem desconfiava que era isso mesmo que eu planejava, desde que tinha acompanhado meu marido na Comrades em 2007. Acho que no começo Branca não imaginou que eu levaria esta história até o fim e acredito que eu tenha sido um dos casos mais difíceis de sua carreira de treinador. Afinal não só estava com 55 anos, mas também com sobrepeso e outras características inadequadas para quem queria se transformar em uma ultramaratonista, tendo corrido algumas poucas maratonas em tempo muito alto.

No começo de fevereiro de 2002 eu tinha começado a caminhar para manter o peso e preservar a saúde, pois acabara de retirar o útero e estava com 48 anos, portanto a tendência seria um aumento de peso maior que o normal, devido ao meu grande apetite. Adoro comida; gosto de fazer, comer, ver filmes sobre comida, receitas.

Nessa época o meu marido Aurélio Zancopé já era maratonista, mas como eu dizia a todos, não suportava aquele cheirinho peculiar depois da corrida. Fico tonta só de dar algumas passadas mais rápidas e assim foi até setembro de 2006.

A minha primeira planilha de treino é datada de 31/10/2006 (guardei todas). A minha estréia nos 10 km foi na 1ª edição da Volkswagen Run que fiz em 1h22, em 2007, tempo de tartaruga, mas era o meu tempo. No ano seguinte fiz a 2ª edição dessa prova, conseguindo fechar em 1h14. Participei também de duas São Silvestre em 2007 e 2008.

A minha primeira meia maratona completei em quase 3 horas e a última em 2h32, ou seja, ainda muito lento. Já a estréia nos 42 km foi na de Florianópolis em abril de 2009, um verdadeiro desastre, pois faltou água do km 17 ao 30. Terminei em 6h13 (totalmente fora do tempo limite que era 5h30), última colocada, mas terminei com o incentivo do meu marido, que deixou de fazer no seu tempo normal para me acompanhar.

Já que foi um desastre, o meu treinador sugeriu que eu fizesse a de São Paulo, praticamente um mês depois. Treino por treino, vamos lá. Terminei em 6 horas cravadas, no tempo limite permitido, e já não fui a última colocada. Para fazer a Two Oceans tinha a informação que até março de 2010 teria que ter um tempo máximo de 5 horas em maratona. Tentei a de Curitiba em novembro de 2009 e só consegui 5h32. Mas mesmo assim continuei treinando, com sol ou chuva não importava. Lá ia eu treinar. Lógico, que tendo um marido ultramaratonista, meio exagerado nas proezas, ajuda muito.

TEMPO LIMITE MESMO. Consultando melhor as exigências da Two Oceans, verifiquei que aquela recomendação/exigência de ter uma maratona sub 5h00 não valia para estrangeiros. De qualquer forma, seria necessário fazer uma média de 7:30/km para conseguir terminar os 56 km em até 7 horas e ganhar a medalha de participação. Historicamente no meu currículo esse tempo não existia, mas fizemos as inscrições, eu e meu marido, para a Two Oceans e nem falávamos sobre a minha chegada. Silêncio total. Atravessar o Atlântico valeria pelo passeio.

Meu treinador Branca já tinha dito em uma das conversas que se eu terminasse a Two Oceans seria como ganhar o Oscar como treinador. Se para ele era o Oscar, para mim seria o Oscar, o Globo de Ouro, o Bafta, Cannes, Berlim, Veneza, todos os prêmios num ano só. Desde que inventei esta história para meu próprio convencimento eu contava para todos que iria fazer uma ultramaratona e muitos me olhavam incrédulos, pois o meu biotipo em nenhum momento denota tal capacidade, mesmo tendo perdido 9 quilos nesses três anos de atividade física mais intensa.

No dia da prova, 3 de abril, acordamos às 3 horas, pois a largada seria às 6h25 horas e o tempo limite para a chegada seria às 13h25 (não tem tempo líquido). Inscritos 8.772 corredores na ultramaratona e 11.569 na meia maratona. Nesse total, 16 e 11 brasileiros, respectivamente. O tempo meio chuvoso foi muito camarada, pois nos dias anteriores tinha feito muito sol. Quando passei os 10 km em 1h08 pensei: eu vou conseguir chegar se mantiver esse tempo pelo menos até os 30 km. Quando passei os 28 km em 3:13:54 (metade da prova) quase tive certeza que terminaria, mas agora é que começariam as subidas, minha maior dificuldade. Tenho mais 3h46 horas para outros 28 km. Vamos lá!

Conforme o regulamento, haveriam pontos de corte no caminho (os que chegam depois do tempo limite são obrigados a abandonar, mas consegui passar por todos sem ser barrada. Ufa! A cada quilômetro eu fazia as contas e o tempo ainda dava. Do km 42 aos 50 foi muito difícil, pois nesse trecho fui alcançada pelo "ônibus" (grupo liderado por um marcador de ritmo) sub 7h00 e me atrapalhei um pouco; era muita gente gritando, correndo e andando. Passei os 50 km em  06:12:43. Faltavam 47 minutos e 6 km. Quase 8 minutos por km, acho que vai dar…, pensei. No km 55 tinha ainda 11 minutos e assim fui para a chegada, que passei com 6:56:18. Pura emoção! Tinha virado ultramaratonista, correndo 56 km, aos 56 anos, em 6h56! 

DE UM OCEANO AO OUTRO
por Robson Abdalla

Após minha 5ª maratona em 1º de novembro do ano passado, resolvi encarar o desafio de fazer uma ultra. Há tempos pensava em me inscrever para a Two Oceans na África do Sul. Em primeiro lugar, por serem "apenas 56 km", bastante razoável para uma ultra e depois por poder conhecer a bela Cidade do Cabo, um dos 10 roteiros turísticos mais procurados no mundo.

Em meados de janeiro fiz a inscrição e comecei a planejar o treinamento para a prova, que aconteceria no sábado de Páscoa. Como vinha fazendo manutenção depois da maratona, programei aumentar gradativamente o volume de treinos, de maneira a dobrar a distância da prova por semana, ou seja, fazer em torno de 112 km, e longos semanais que iniciaram em 21 e foram até 36 km.

O percurso da prova é cinematográfico. Inicia-se em direção a uma das muitas montanhas que circundam a cidade e que vão surgindo à medida que amanhece o dia, até se atingir a primeira praia banhada pelo Indico. Depois, belas paisagens rurais levam de um lado para outro da cidade até se avistar as praias do outro lado, já no Atlântico. Aí o percurso que até então é praticamente plano, alterna após o km 29, longas e inclinadas subidas com fortes descidas, que só terminam na linha de chegada. No caminho vamos passando de um lado pelas montanhas e do outro lado pelos costões que fazem muitos corredores parar para tirar fotos das belas paisagens que vão surgindo no trajeto.

Começo a prova no ritmo planejado de 5:15/km, mas a partir do km 3 corro confortavelmente um pouco abaixo de 5 min/km, de maneira que no final do trecho plano, no km 30, passo com 2h30, abaixo do planejado. Na marca da maratona (3h37) encontro um posto de hidratação com muita festa, música e gente incentivando os corredores. Meio empolgado, fui participar da comemoração, mas sinto as panturrilhas darem sinal de cãibras e lamentei não ter feito musculação específica para a musculatura das panturrilhas e me questionei se meus longos não deveriam ter sido maiores.

Daí pra frente as subida continuavam e para preservar a musculatura tinha que correr nos acostamentos ou nas canaletas, nos trechos em curvas, que são bastante inclinadas. Perto do km 51 vejo passar o marcador de ritmo das sub 5 h, acompanhado por um grupo de 15 corredores. Penso em acompanhá-los, mas aí lembro das cãibras e resolvo ficar no meu ritmo.

Finalmente depois do km 55 as subidas terminam e vem um trecho em descida que leva para a pista do campo de Rúgbi da Universidade de Cape Town, em que a prova termina. Completei em 4:57:42, feliz da vida, garantindo a medalha de Sainsbury, dos que fecham abaixo de 5 horas.

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