Quem gosta e acompanha corrida de automóvel já deve saber que geralmente ao terminar uma corrida importante o carro é praticamente todo desmontado para avaliar o desgaste das peças e providenciar a substituição, que muitas vezes implica em fabricá-las mais fortes e resistentes e/ou desenvolver novas tecnologias para melhorar a durabilidade e eficiência do motor e do carro como um todo. No final da temporada tem-se um resumo dos erros e acertos, obrigando muitas vezes a novos projetos para a temporada seguinte.
Com o corredor acontece algo similar. Claro, não vamos desmontar o corredor no final da cada corrida e muito menos no final de temporada, mas vamos analisar o que deu certo e/ou errado em termos de treinamento, corrigir as falhas e traçar novas metas para a próxima temporada, melhorando ainda mais os pontos fortes. O importante é saber que por melhores condições que se esteja, houve um desgaste físico e emocional durante o ano e os exames médicos periódicos são as primeiras providências a serem tomadas no início do ano.
Nesse sentido, é bom marcar consulta com cardiologista, se possível especialista em medicina esportiva ou um fisiologista, que indicarão o teste ergométrico e/ou o ergoespirométrico. O primeiro tem por objetivo submeter o corredor, ou qualquer pessoa, a um estresse físico programado e personalizado a fim de avaliar a resposta cardíaca na tentativa de prever desde uma simples desordem cardíaca até um problema mais grave que só se manifesta com o esforço acentuado.
O teste deve ser personalizado e máximo, exatamente porque ninguém tem o mesmo condicionamento físico. Máximo significa dizer ultrapassar os valores normais de cada um e o que pretende fazer. Sendo assim um sedentário irá seguir um protocolo que no máximo o faça correr lentamente enquanto um corredor de elite deverá no final do teste estar correndo muito acima do seu máximo em competições. Essa é a diferença. O teste ergométrico para quem vai fazer atividade física não pode ser igual para todos como normalmente acontece seguindo um protocolo calcado em percentual extraído da fórmula 220 – idade, que está ultrapassada. Outro fator que não deve ser esquecido é que o teste para corredor deve ser feito na esteira e do ciclista na bicicleta. São ergômetros específicos.
O segundo teste visa estabelecer a capacidade aeróbia máxima e os limiares ventilatórios. Isso é importante principalmente para atletas profissionais porque nem sempre o fato de, por exemplo ter vencido recentemente provas duras, significa que o sistema cardiovascular esteja em perfeitas condições. O atleta pode estar perdendo a capacidade aeróbia sem perceber, por conta do cansaço e do desgaste natural de final de temporada. Esses testes revelam informações úteis e confiáveis ao médico do corredor, tais como isquemia do músculo miocárdio, arritmias cardíacas e distúrbios que só se manifestam quando o coração é submetido a um esforço maior.
ECOCARDIOGRAMA. É um exame que revela com precisão as medidas das câmaras, das paredes e válvulas cardíacas. Isso tem a ver com o volume de sangue que o coração consegue ejetar por minuto, a força de cada contração ventricular se refletindo diretamente na freqüência cardíaca máxima e de repouso. Um dos primeiros sintomas de que algo está saindo do normal é exatamente a freqüência cardíaca de repouso que pode ser controlada diariamente pelo próprio atleta. Quanto mais baixa melhor. Qualquer alteração para mais pode significar estresse físico e/ou emocional, muito comum às vésperas de uma competição importante ou depois de treino muito puxado.
Atualmente esse exame tornou-se mais importante por causa dos vários casos de morte súbita no esporte principalmente no futebol, que é uma atividade física intensa, mas o corredor também faz treinos fortes, tais como os intervalados. É bem verdade que existem poucos casos de morte súbita entre corredores, maratonistas ou não, mas boa parte poderia ser evitada se exames periódicos tivessem sido realizados e os treinamentos feitos com orientação profissional com base nos exames.
NO SANGUE, MUITA INFORMAÇÃO. Os chamados exames metabólicos são os tradicionais exames de sangue onde são indispensáveis as seguintes análises:
HEMOGRAMA COMPLETO: Verifica, entre outros fatores, se o corredor adquiriu ou não ao longo do ano uma das diversas formas de anemia que podem ocorrer por descuido ou tipo de alimentação, associado com o excesso de treinamento ou longos demais sem que o corredor perceba, achando que o cansaço que passa a sentir regularmente seja normal. O corredor pode perder ferro, importante mineral condutor do oxigênio, no suor, na urina, no sangramento gastrointestinal e/ou nas fezes. Tem sido relatadas anemias em maratonistas por conta da duração do impacto nas solas dos pés macerando as veias mais finas, que se recompõem se observado período mínimo de descanso entre um treino e outro aliado à alimentação correta. Este assunto foi abordado na CR de maio 2008.
GLICEMIA: Dois dos combustíveis mais importantes do corredor são a glicose e o carboidrato. Ambos funcionam em momentos distintos fornecendo energia necessária, principalmente quando o carreamento de oxigênio é insuficiente no início do exercício e/ou a intensidade é muito alta ou ainda a longa duração. A captação de glicose pode aumentar em até 20 vezes durante o exercício se comparado com os níveis de repouso. Sendo o treinamento de qualquer maratonista muito severo, independente do nível de performance, essa questão do gasto e reposição de glicose tem que ser bem balanceada para não entrar em déficit, situação que pode em casos mais graves, levar ao diabetes. Por isso no exame de sangue a verificação dos valores glicêmicos é importante.
COLESTEROL: As taxas dos chamados colesterol bom (HDL) e ruim (LDL) são importantes, pois o desequilíbrio entre eles ou taxas altas do LDL é considerado risco cardíaco, muito embora os exercícios de longa duração contribuam muito para aumentar as taxas do colesterol bom (HDL), situação comum entre corredores de longa distância. A análise desses valores deve ser criteriosa, por médico ligado ao esporte, porque as taxas altas de colesterol total podem não significar nada para o corredor se o HDL também estiver alto. Vale lembrar que a corrida de longa distância, embora seja muito benéfica ao sistema cardiovascular não é um seguro de risco cardíaco, principalmente os de origem genética. Daí a importância desses exames.
SÓDIO, POTÁSSIO, CÁLCIO E MAGNÉSIO: São minerais importantes na manutenção do equilíbrio de fluídos e do metabolismo energético, contração muscular, carreamento do oxigênio, entre outras funções. Os minerais são facilmente perdidos pela urina, suor e fezes. O exercício intenso pode acelerar a perda desses minerais, além de outros fatores como estresse emocional ou mesmo algum desequilíbrio metabólico. Portanto, uma boa razão para no exame de sangue serem verificadas essas taxas.
Uréia e creatinina – Os rins funcionam como um filtro metabólico e quando não executam bem essa função surge a presença aumentada de uréia e da creatinina no sangue, sinal claro de que outras providências médicas devam ser tomadas como a investigação da causa. O descuido seguido com a hidratação e alimentação principalmente nos treinamentos longos e/ou intensos podem sobrecarregar os rins e em médio e longo prazo conduzirem a problemas renais.
T4 LIVRE E TSH: São hormônios que controlam a atividade da tireóide e as taxas não devem ficar nem muito altas nem baixas. O desequilíbrio pode ser uma das causas de cansaço exagerado do corredor.
Todo corredor ao final de cada temporada deve se submeter a uma série de exames médicos e físicos a fim de saber das suas reais condições para iniciar uma nova etapa sem problema. É um erro pensar que por não estar sentindo nada está tudo bem. Algumas doenças cardíacas são silenciosas, mas podem ser detectadas em exames médicos de rotina com grandes chances de reverter a situação. Qualquer treinamento por melhores condições que tenham sido realizados gera desgaste físico e emocional, que deve ser recuperado.
Claro que os exames médicos propostos devem ser feitos de acordo com as possibilidades de cada um e da cobertura do plano de saúde. Mas de qualquer forma o teste de esforço e os exames de sangue são acessíveis à maioria das pessoas. E vale a pena fazer tudo certinho.