20 de setembro de 2024

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Notícias admin 4 de outubro de 2010 (0) (160)

87 km pelos Alpes italianos

A Grantrail Valdigne Valle del Monte Bianco – 87 km com 5.100 m de desnível positivo ao redor do Mont Blanc: Sonho? Desafio? Por que?

Foram necessários meses de treinos intercalando corrida, musculação e longos percursos montanhosos. A cada treino, o cuidado com a hidratação, alimentação e equipamentos intensificaram-se. O mais difícil era conciliar os horários de treino com o trabalho. O apoio dos amigos foi fundamental e ao fim de tudo isso: Preparado para o grande desafio?

Deparar com a cadeia montanhosa dos Alpes italianos foi maravilhoso. Que imensidão!  Beleza e altura incomparáveis às nossas montanhas, o que justificava os 5.100 m de desnível da prova e que "assusta".

A charmosa cidade de Courmayeur sedia a competição. São mais de 22 nações ali representadas por 710 participantes em sua maioria europeus e apenas dois brasileiros. Aliás, ser um representante brasileiro é surpreendente. Não foram poucos os comentários: "Brasil? Só para a corrida? Maravilhoso".

Enfim, véspera da prova, retirada do kit, informações técnicas, interação com os participantes. Infelizmente, foi confirmada a previsão do tempo: os dias de sol e calor intenso (30ºC) se foram, teremos queda de temperatura, chuva e talvez temporais pela frente. O que me espera? Ansiedade a mil…

O clima de expectativa na largada, já com chuva, era visível no rosto de todos. Às 10 horas soou a buzina, tínhamos até 25 horas para concluir a prova. E após 5 minutos correndo, começamos a encarar a primeira subida: 8 km rumo aos 2.670 m de altitude. Sempre achei que subir era pior, engano meu. Neste tipo de desafio, descer 1.400 m são quilômetros infindáveis. Corrida, caminhada, o tempo passa e ao olhar o relógio, descemos poucos metros de altitude.

As referências na provas de montanhas são diferentes das maratonas ou meias. Você tem 87 km a percorrer, mas as subidas e descidas são um complemento de dificuldade envolvendo noções distintas de quilometragem. Toda musculatura passa a ser exigida, inclusive os braços, pois, os estiques (bastões para apoio em terreno íngreme) são fundamentais para auxiliar-nos nas subidas e poupar os joelhos nas descidas.

"ESCALAMINHADA". As paisagens das trilhas com inúmeros pinheiros eram lindíssimas e aos poucos foram mudando para plantas mais baixas, grama, neve, gelo, até surgirem as pedras. Para chegar ao topo eram tantas que "escalaminhávamos". Após 2 horas de prova se atinge o final da primeira subida, 2.670 m, um visual indescritível: um lago maravilhoso, formado pelo desgelo, compensou todo o esforço. Agora pela frente, 10 km de descida com muita pedra, lama e gelo até o próximo P.C. (posto de controle). E a cada vilarejo que passávamos as pessoas nas portas de suas casas gritando "Bravo, Bravo". Momentos memoráveis.

Ao longo do percurso também fui fazendo amigos, que ao saber da minha origem, mostravam-se surpresos e muito receptivos. Fato curioso foi que durante a primeira grande descida comecei a conversar com um italiano, Giovanni, que havia feito a mesma prova que eu em 2007 (The North Face Ultra Trail Courmayeur – Champex – Chamonix – 86 km). Tive a oportunidade de trocar castanha-de-caju por vários pedaços de parmeggiano regiano! Que delícia! Claro que me hidratei e comi ao longo de todo o percurso nos postos de apoio, mas o queijo caiu muito bem; estava saboroso.

A noite ainda não tinha chegado, estávamos no verão e a temperatura até então era amena, intercalando entre chuva, sol e muitas nuvens. O que foi muito bom para fazer a primeira metade de prova. Tinha alcançado os 44 km em 9 horas, o pensamento era trocar a roupa molhada, cuidar dos pés e principalmente da alimentação, uma bela macarronada, bresaola e coca-cola. Energia renovada, agora só faltavam 43 km. Neste momento o psicológico passa a ser fundamental. A má notícia foi descobrir que o outro brasileiro, Paulo Motta, tinha sido retirado da prova.

SÓ FALTAM 37 KM. No P.C. seguinte ao perguntar quem liderava a corrida, descobri que uma lenda das provas de montanha, Marco Olmo, tinha desistido bem ali, no km 50. Inesperadamente isso me fortaleceu: "Vou concluir, afinal agora só faltam 37 km…"

Infelizmente, a noite nos alcançou e ao escurecer a chuva intensificou-se, veio o anunciado temporal (a previsão do tempo estava certa!), a temperatura caiu e por mais que nos movêssemos e agasalhássemos, o frio era intenso. As lanternas de cabeça iluminavam a suposta trilha e tentávamos desviar do rio de lama. Alcançamos o último P.C. sob muito vento e frio. A sensação térmica, a 2.600 m, era de -5º a -10ºC. A adversidade da prova mudou meus objetivos: o tempo não importava mais. Queria concluir! 

Faltavam 10 km para acabar e o sonho estava próximo a ser realizado. Rapidamente passou um filme em minha cabeça: as inúmeras horas de treino, a dificuldade em conciliar o trabalho com os treinos longos, descanso e alimentação; o apoio e compreensão da família e amigos foram imprescindíveis. A emoção tomou conta, a disposição só aumentou, não via a hora de chegar. Além do meu amigo Giovanni juntei-me a outra italiana, Daniela, que havia conhecido no meio da prova e juntos, após 22 horas cruzamos a linha de chegada.

Dentre os 710 que largaram somente 460 concluíram. Terminei em 245º no geral, o 1º brasileiro a concluir os 87 km do Grantrail Valdigne del Valle Monte Bianco (veja mais informações no site www.grantrailvaldigne.it). Neste tipo de prova, não há prêmios em dinheiro, medalhas, mas sim a grande oportunidade de explorar seus limites no mais simples dos esportes, a corrida. Não importa se você conclui em 15, 20 ou 25 horas e nem se em 1º ou último. Recebemos sim uma camiseta de "finisher" ao concluirmos, mas não é ela que procuramos.

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