Notícias André Savazoni 23 de maio de 2019 (2) (419)

65 km pela Serra da Mantiqueira, na Ultramaratona dos Anjos  

Assinante do Rio de Janeiro, Janine Santana Gonçalves conta como foi sua participação na UAI (Ultramaratona dos Anjos Internacional) do ano passado, quando fez a prova de 65 km. No próximo dia 13 de julho, ela volta a Passa Quatro, MG, agora para correr/trotar por 95 km. Confira:

A Ultramaratona Internacional dos Anjos (UAI) tem um percurso de 235 km e pode ser percorrida em três dias. Ela é feita pelo Caminho dos Anjos, que passa pela Serra da Mantiqueira e nos permite conhecer cidades de belezas naturais fantásticas.

A palavra UAI é bem interessante. Li que foi um código/senha usada pelos inconfidentes para que fosse permitida a entrada deles nas reuniões sobre a Inconfidência Mineira. Hoje se tornou uma gíria falada por toda Minas Gerais. Mas no meu ponto de vista o significado nessa corrida é União, Amor e Independência.

Essa ultra pode ser feita em varias etapas: Passa 4 x Itamonte, Itamonte x Alagoa, Alagoa x Aiuruoca (Cachoeira dos Garcias), Aiuruoca x Baependi, Baependi x Caxambu, Caxambu x São Lourenço e São Lourenço x Passa 4. Tem duração de 72 horas para quem deseja percorrer os 235 Km. A organização informa no regulamento que o tempo de corte de cada trecho é consideravelmente alto, então faz com que seja favorável conseguir terminar.

Dependendo do percurso, você pode optar por survivor (sozinho), bike, dupla, solo com apoio e quarteto.

Ela tem um vencedor, porque alguém vai chegar em primeiro lugar, mas o objetivo da organização é fazer com que você consiga completar o percurso. O troféu em forma de asa vai estar lá lhe esperando de braços abertos, independentemente da colocação, porém você tem de chegar dentro do tempo para não ser cortado!

Dia 28/06/18 – Já com a passagem de ônibus comprada para Passa 4, negociei meu horário do trabalho e fui rumo a conquistar minhas “Asas”. Achei que só estava preparada para realizar 25 km (Passa 4 x Itamonte), porém fui comprar alguns acessórios que faltavam para meu trecho solo na loja do Marcio Villar e ele, já conhecendo a prova (dobrou 235 km por duas vezes na mesma edição) e sabendo da minha rotina de treinos, sugeriu que eu corresse 65 km, isto é de Passa 4 x Itamonte x Alagoa. Depois de muita conversa, me convenceu. Ele mesmo ligou para organização e trocou a minha inscrição.

Montei como base a Hospedaria Harpia (antiga fazenda), local barato, bem no centro de Passa 4 e a uns dez minutos da largada e do congresso técnico.

À noite fui pegar meu kit, despachei minha drop bag para o primeiro posto de controle em Itamonte, o único a que tinha direito, e assisti ao congresso técnico. Sr. Fernando (organizador) conversou muito sobre a prova, falou do percurso, tempo, trechos e dos graus de dificuldades, principalmente no trecho da Cachoeira dos Garcias (mas eu não passaria por esse local).

Dia 29/06 – 6º C.  A corneta de largada soou às 8h e lá foi a cavalaria montada correndo como doida e eu no trote bem leve sem forçar. Estava frio e não havia aquecido a musculatura. Até esquentar meus cambitos, já tinha passado uns 3 km. Fui ficando para trás. Não estava me importando com isso, porque poderia chegar até 23h em Alagoa.

Até Itamonte (25 km) eu praticamente corri com muitos outros atletas. Conversávamos, ríamos, curtíamos as paisagens. Passava alguns e outros me passavam, beliscava algo da mochila, revezava bebendo água e isotônico. Tudo como planejado.

O sol queimava meu corpo, até que passei por uma estradinha de chão onde um morador ligou a mangueira e começou a molhar a tropa! Foi uma beleza. Refrescou, mas fez aquela lama na rua. Sem problemas, a intenção era curtir a prova. Na subida da serra (que não sei qual) sentia um forte cheiro de galinhas e avistava uma cobertura bem pequena lá embaixo. Um dos atletas comentou que passaríamos ao lado daqueles telhados de aço, onde vivem as galinhas que trabalham 24 horas por dia para seus ovos custarem 40 unidades por 10 reais. tive de rir, mas é verdade as bichinhas estavam lá e eram muitas.

Nesse momento os carros de quem estava correndo com apoio já passavam por nós. Alguns eram realmente da prova, outros de moradores e treinadores para auxiliar a galera. Eu, como estava correndo survivor, não deveria aceitar nem uma Coca-Cola. Se alguém falasse para os staffs, seria desclassificada. Na verdade, não funciona tão à risca…

Depois de 2h15 de prova, cheguei em Itamonte, assinei no PC (posto de controle) e fui almoçar meu macarrão instantâneo que havia despachado no dia anterior para esse local. Tomei uma refrescante Coca-Cola, fui ao banheiro, estiquei um pouco as perninhas e continuei meu caminho, agora já quase sozinha.

Tudo mudou no momento em que iniciei a corrida subindo a serra no asfalto. Gosto de correr na montanha e esse trecho era praticamente todo de asfalto via acostamento, quando tinha. Não podia deixar de seguir as placas sinalizando que eu estava no percurso certo. Subi caminhando um longo e infinito trecho, intercalando com sombras ou sol torrando. Encontrei várias outras pessoas de outros trechos. Chegando ao km 40, sabia que encontraria o único bar da serra e lá parei para abastecer, ir no banheiro e tomar novamente aquela Coca gelada. Encontrei um rapaz dos 135 km sem nada de dinheiro. Logo, falei: “Rapaz, se você passa mal, não vai ter como se virar aqui”. Ele queria um açaí e gentilmente paguei um copão de R$ 10 para ele. Segui meu caminho admirando toda a Serra da Mantiqueira. Praticamente sozinha de novo. Muito raramente passava um carro. Iniciei um trote leve e ia conversando com meus pensamentos, me incentivando e mentalizando palavras de força, pois as dores já estavam chegando.

Depois de trotar toda a serra, dei de cara com um subidão sinistro que tive de rir quando vi. Foram 1.788 m de uma pirambeira sem fim. Minhas panturrilhas doíam, a lombar ardia e eu já estava sozinha fazia um bom tempo. No final deste subidão, encontrei uma das placas de sinalização do Parque Estadual da Serra do Papagaio. Neste momento teve início a descida, em um terreno íngreme e muito acidentando, às vezes trechos de single track, outros, de pedras chamadas de “pé de moleque”. 

A noite caiu e o frio chegou com tudo. Corria sem parar cheia de medo em uma estrada escura, somente via outros coletes refletivos bem longe de mim, vaga-lumes e uma infinidade de estrelas. Acabou a bateria do meu Garmin e fiquei sem noção de ritmo e de quantos quilômetros ainda faltavam. Minha lanterna de cabeça ficou sem pilhas e por mais que tivesse um par reserva, não conseguia enxergar no meio da escuridão para trocar. Então lembrei que no check list, na retirada do kit, uma lanterna reserva era item obrigatório e eu estava com a minha no fundo da mochila. Aliviada da escuridão, mas sozinha, senti uma sensação de pânico. Também estava sem água e racionando o isotônico. Perguntei a um morador que encontrei no caminho e soube que faltavam 9 km para a chegada ao centro de Alagoa. Distância essa que pareceu uma eternidade. Nunca chegava.

Então, o trajeto entrou em uma estrada de paralelepípedos e, finalmente, novas luzes apareceram. Avistei uma placa da cidade de Alagoa e foi somente felicidade. Soltei aquele gás que ainda restava e consegui terminar a prova em 13º lugar, com 10h53, tempo para competição horrível, mas o objetivo era chegar e eu cheguei.

Depois, recebi o carinho da organização com um caldinho de feijão delicioso e a sonhada Coca-Cola me esperando. Peguei minhas asas, embarquei no ônibus da organização enrolada no cobertor térmico e voltei para Passa 4 com o sentimento de felicidade explodindo no peito.

Correr não é somente colocar um tênis e sair por aí. Você precisa adaptar seu corpo com treinos para que ele crie resistência. As montanhas também foram feitas para correr, não somente trilhar. Nessa ultra, superei minhas metas e juntei dois amores que me trazem felicidade. Agora, vamos aos 95 km, contando com o treinamento da M2 Sport Assesssoria e o acompanhamento da FSV Fisioterapia Esportista.

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2 Comments on “65 km pela Serra da Mantiqueira, na Ultramaratona dos Anjos  

  1. Excelente relato; um exemplo de superação! Parabéns!

  2. Obrigada Sr Walmir, agora em treinamento para encarar 95k, fico feliz q gostou do relato.

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