Por Márcio Dederich – espiritocorredor@terra.com.br- OUTUBRO 2009
É bem possível que uma pessoa faça todo o percurso do berço ao túmulo sem jamais ter participado de uma corrida. Não vamos discutir isso, nem aqui nem agora. Afinal, são tantas as coisas do mundo e tantas as tarefas da vida que se situam hierarquicamente antes de qualquer corrida – há que aprender a andar, a usar os talheres, a escovar os dentes; há que decorar a tabuada, aprender o caminho da roça, os afluentes da margem esquerda do São Francisco, encontrar um emprego decente, um advogado razoável (ou o contrário); há que saber separar o joio do trigo, reconhecer um ditongo nasal, cuidar dos filhos, ter onde cair morto – que, quando nos damos conta, já estamos na prorrogação e não sobra tempo para mais nada. Mas…
Calma aí. Se a maioria de nós ainda nem encontrou o grande amor, não visitou as pirâmides do Egito, não fez um safári na África ou sequer assistiu ao desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, para que essa preocupação toda com as corridas? Realmente, não sei.
O que sei é que minha vida, que até determinado momento havia passado ao largo delas (assim como das pirâmides do Egito, dos desfiles das escolas de samba…), foi significativamente alterada, numa bela manhã de março, pelo movimento coordenado de braços e pernas em ritmo mais acelerado que o da simples caminhada. E tendo o encontro com essa modalidade me causado emoções tão fortes, e me trazido idéias – julgo – tão revolucionárias, nunca mais parei. Se o calor do momento acentua algumas cores ou a emoção do presente relato distorce algumas formas, nada posso fazer além de pedir desculpas ao leitor: assim é a vida; assim são as corridas.
O primeiro passo – melhor dizendo, a largada inicial – aconteceu durante um seminário profissional, num bucólico hotel da região serrana do Rio. Não foi simples assimilar a descoberta, mas a verdade é que eu havia gostado profundamente da experiência. Na ocasião, fiz planos para continuar a carreira, ir longe. Uma maratona? Não. Mais. Bem uma meia dúzia delas! Devo confessar que ainda hoje, passados tantos anos desde a estréia, sou incapaz de evitar a taquicardia ao saber que há uma corridinha rolando nas proximidades. Bobeou, me inscrevo.
Ou apareço para conversar. Curta ou longa, modesta ou sofisticada, cada corrida é uma oportunidade a mais para iluminar a vida, clarear as idéias, melhorar a saúde, rever os amigos e, no meu caso específico, aproveitar para colher matéria prima. Embora certas crônicas sejam pura ficção, inúmeras nascem de relatos ouvidos ou observações feitas nessas ocasiões. Mesmo que prefira descrever em terceira pessoa, em muitas situações acabo virando ator principal ou figurante. Neste ponto, tanto faz como tanto fez. Importante será sempre a corrida.
É bem possível que uma pessoa faça todo o percurso do berço ao túmulo sem jamais dar-se conta de que está diante de uma verdadeira oportunidade. Esse não parece ser o meu caso. Levarei minha paixão adiante. Desenvolverei estudos, farei projetos e, sendo o caso, correrei atrás de patrocínio. Tudo pelas corridas. Pode ser que encontre alguma dificuldade diante da incredulidade da maioria frente a alguma proposição inovadora. Com o tempo, no entanto, meu entusiasmo há de vencer. Sim, corridas costumam abrir mentes. Falo com conhecimento de causa.
São tantas as coisas no mundo e tantas as tarefas da vida que presumem riscos que, se formos desistir de cada uma delas temendo o pior, não faremos absolutamente nada. Não chegaremos nem a participar de uma corridinha no bairro. O que dizer então sobre o grande amor, as pirâmides do Egito ou o desfile das escolas de samba do Rio. Com certeza não é este o seu caso. Ou é?