Blog do Corredor Redação 15 de junho de 2018 (0) (189)

“A corrida é transformadora”

O bancário João Batista Vargas de Vasconcelos, 47 anos, morador de Brasília, foi ao fundo do poço antes de encontrar na corrida a transformação de sua vida. Durante sete anos ele conviveu com dores na coluna causadas por duas hérnias de disco na região lombar. Sem conseguir caminhar, estressado com o trabalho e muito acima do peso, João Batista via sua vida se arrastar cheia de limitações. Sem procurar ajuda, ele chegou a travar a coluna por duas vezes. “O travamento é um momento crítico. É uma dor aguda, você não consegue se mexer”, descreve.

Com a qualidade de vida a zero, teve o diagnóstico da cirurgia como a única solução.  Foram seis pinos de titânio fixados por duas hastes, uma cicatriz de 15 cm e um ano afastado do trabalho. Após 300 (!) sessões de fisioterapia e hidroterapia e ainda com dores, João Batista recebeu do médico a explicação de que deveria se submeter a uma segunda cirurgia para reduzir a mobilidade da coluna. Exausto, não quis enfrentar uma nova tentativa e decidiu abandonar o tratamento. Foi aí que as caminhadas começaram a fazer parte do seu dia a dia.

A evolução para a corrida aconteceu em novembro de 2009, quando João Batista viu por acaso o anúncio da prova do Circuito Caixa, onde trabalha. Inscreveu-se e foi com o filho mais velho, de 21 anos, experimentar aqueles 5 km. Foi a virada que faltava. “Entre fazer a segunda cirurgia e tomar a atitude de mudar o estilo de vida, fiquei com a segunda opção”, afirma o bancário, que terminou os primeiros 5 km de sua vida em 48 minutos, sentou no meio-fio e chorou abraçado ao filho.

Na segunda prova, já de 10 km, João Batista foi o último colocado masculino. Mas não pensem que isso o desestimulou. Ele chegou com os batedores da Polícia Militar lhe fazendo escolta e oferecendo água, após 1h38 de puro desgaste. “Eu não tinha nenhuma informação, mas a satisfação era tão grande que não sentia as dores na coluna”, relembra.

Ao fechar o histórico ano de 2009 com três corridas, João Batista estabeleceu metas: correr 100 provas até setembro de 2012. Pelo ritmo que ele impõe, esse número será atingido antes. Em 2010 foram 37 provas, uma a cada final de semana, às vezes duas: uma de 5 km no sábado e outra de 10 km no domingo. A São Silvestre encerrou o ano.

DESAFIO COM CÂIBRAS. Sem treinador, sem musculação (que o faz piorar das dores) e correndo uma ou duas vezes por semana à noite na quarteirão onde mora, João Batista enfrentou os 15 km da São Silvestre em 2010 com a emoção à flor da pele. “Nada se compara à São Silvestre. O que mais me chamou a atenção foi o público pelo percurso apoiando. Em Brasília, a gente corre sozinho”, diz. E foi graças a esse público que ele conseguiu completar a prova. “Lá pelos 10 km saiu um rapaz do nada e começou a gritar ´Vamos João!!!´. De onde saiu esse anjo para me dar uma força na hora em que eu mais precisava?”, relembra emocionado. “A única forma que eu tinha de agradecer era batendo palmas para as pessoas em volta. É dessas coisas que a gente precisa”, complementa.

Mesmo com câibras nas duas pernas na subida da Brigadeiro, João Batista cruzou a linha de chegada em 2h11, em meio à luta contra as dores. “Tinha estimado fechar a prova em 1h50. Mas travaram as duas pernas. Me agarrei numa árvore e comecei a chorar de dor e tristeza. Comecei a imaginar meu vídeo da chegada, queria muito completar. O único alento era que não era travamento da coluna. Então segui em frente e não tive vergonha alguma de chegar caminhando”, conta.

68 PROVAS DEPOIS. Até 4 de setembro, João Batista já contabilizava 68 provas das 100 que se comprometeu a completar. Metódico e disciplinado, ele abre com orgulho as pastas com os números de peito e mostra o quadro de medalhas instalado no quarto. Além das corridas em Brasília e no entorno, ele já correu em Porto Alegre, Criciúma e Goiânia.  O próximo desafio já está marcado: a Volta da Pampulha, em dezembro de 2011. “Nunca imaginei correr. Então fiz a prova número 50 e pensei: agora vou focar na centésima. Acho os 18 km da Pampulha muita coisa, mas como minha maior dificuldade são as subidas, vou correr lá porque é plano”, fala empolgado.  João Batista tem outras seis inscrições já feitas até o final do ano, que pretende encerrar com 75 ou 77 provas no currículo.

Em seu computador, uma planilha organiza tudo. A história de cada prova está lá, com data, hora, valor da inscrição, local, organizador, número de peito, tempos bruto e líquido.  “São coisas que nunca imaginava fazer”, diz orgulhoso. A planilha registra ainda cada treino: já são 220 km em 2011, quase o mesmo que em 2010 (229 km), sendo 25h26 correndo e 14h10 caminhando. Desde novembro de 2009 foram 477 km, cumpridos em 58 horas e 32 minutos. Ele também compara os desempenhos nas provas de 2010 e 2011. “Eu sou minha assessoria. Se tiver uma categoria antes do amador, é a minha”, diz com humildade.

APROVAÇÃO MÉDICA. Apesar da disciplina e da dedicação, João só contou ao médico que estava correndo com tanto afinco um ano e 60 provas depois de iniciar sua história. “Eu era muito criticado pelos colegas porque corria sem o conhecimento do médico. Diziam que eu podia colocar a cirurgia em risco. A surpresa foi que o doutor aprovou totalmente”, informa.   Não só aprovou como garantiu que as dores que João ainda sente não são causadas pela corrida, mas por um provável pinçamento de um dos pinos.  Já com raios X e ressonâncias em mão ele aguarda o parecer médico para o tratamento, que em hipótese alguma envolve parar com o esporte.

“Na época da cirurgia pesava 88 kg, cheguei a 92 kg por causa dos corticóides e hoje estou com 78 kg. Saí de um estado quase vegetativo para a satisfação na minha vida”, diz. Com tantas mudanças em tão curto espaço de tempo, João é a empolgação em pessoa e não perde a oportunidade de motivar amigos e parentes para o que renovou a sua vida. “Minha família participa e vou tentando trazer os amigos para o esporte. Cada um que eu trago para a corrida é uma felicidade. A corrida é transformadora”, garante. A centésima prova o espera bem breve.

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